Tribunal Superior do Trabalho

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Processo: TST-RR-75700-37.2010.5.16.0009

Recorrentes: Ministério Público do Trabalho da 16a Região

Recorridos: Município de Codó

Acórdão

- RECURSO DE REVISTA. AÇÃO CIVIL PÚBLICA. COMPETÊNCIA DA JUSTIÇA DO TRABALHO. EFETIVAÇÃO DE PRINCÍPIOS E REGRAS CONSTITUCIONAIS E INTERNACIONAIS RATIFICADOS, RELATIVOS À PESSOA HUMANA E ÀS RELAÇÕES DE TRABALHO. TRABALHO DECENTE E COMBATE IMEDIATO E PRIORITÁRIO AO TRABALHO INFANTIL E ÀS PIORES FORMAS DE TRABALHO DO ADOLESCENTE. OIT: CONSTITUIÇÃO DE 1919; DECLARAÇÃO DA FILADÉLFIA DE 1944; DECLARAÇÃO DE PRINCÍPIOS E DIREITOS FUNDAMENTAIS NO TRABALHO DE 1998; CONVENÇÃO N. 182 DA OIT. EFETIVIDADE JURÍDICA NO PLANO DAS RELAÇÕES DE TRABALHO. A Constituição da República Federativa do Brasil de 1988 e a Organização Internacional do Trabalho, por meio de vários de seus documentos normativos cardeais (Constituição de 1919; Declaração da Filadélfia de 1944; Declaração de Princípios e Direitos Fundamentais no Trabalho de 1998; Convenção n. 182) asseguram, de maneira inarredável, a dignidade da pessoa humana, a valorização do trabalho e do emprego, a implementação de trabalho efetivamente decente para os seres humanos, a proibição do trabalho da criança e o combate imediato e prioritário às piores formas de trabalho do adolescente. O Estado Democrático de Direito - estruturado pela Constituição da República e que constitui também o mais eficiente veículo para implementar esses comandos do Texto Máximo da República e dos documentos normativos da OIT - impõe ao Poder Público a adoção de medidas normativas e administrativas para o cumprimento prioritário dessas normas constitucionais e internacionais ratificadas e absolutamente imperativas. A lesão ao direito difuso de crianças e adolescentes, manifestamente desrespeitado no Município, submetidos a relações de trabalho flagrantemente proibidas ou gravemente irregulares, pode ser levada ao Poder Judiciário, mediante Ação Civil Pública, pelo Ministério Público do Trabalho (art. 55, XXXV, CF; art. 129,1, II e III, CF), sendo competente a Justiça do Trabalho para conhecer e julgar a ACP (art. 114,1 e IX, CF). O fulcro da lide são as relações de trabalho irregulares, ao passo que o Município é potencial devedor de medidas públicas eficazes para sanar ou reduzir a lesão - circunstâncias que enquadram, inapelavelmente, o litígio nos marcos da competência da Justiça do Trabalho. Recurso de revista conhecido e provido.

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RECURSO DE REVISTA. AÇÃO CIVIL PÚBLICA. COMPETÊNCIA DA JUSTIÇA DO TRABALHO. IMPLEMENTAÇÃO DE POLÍTICAS PÚBLICAS QUE VISAM A ERRADICAÇÃO DO TRABALHO INFANTIL. EFETIVIDÁDE DE DIREITOS SOCIAIS. O Direito do Trabalho é campo decisivo no processo de inserção justrabalhista no universo geral do Direito, tendo a Constituição da República firmado o conceito e a estrutura normativos do Estado Democrático de Direito, em que ocupam posições cardeais a pessoa humana e sua dignidade, juntamente com a valorização do trabalho. Cabe à Justiça do Trabalho cumprir o estratégico objetivo de cimentar as balizas de atuação dos distintos atores sociais e estatais, assegurando a efetividade da ordem jurídica de Direito Material. Resta claro, portanto, que a erradicação do trabalho infantil é medida de manifesto interesse ao Direito do Trabalho e, com igual razão, ao campo de atuação do Ministério Público do Trabalho. No presente caso, discute-se pedido decorrente de relação de trabalho que visa à implantação de políticas públicas, pelo Município de Codó, no tocante ao combate ao trabalho infantil e a outras formas degradantes de trabalho. Á atuação do Poder Judiciário, em caso de omissão do administrador público para a implementação de tais políticas públicas previstas na CF, insere-se na competência material da Justiça do Trabalho, definida em razão da matéria, nas hipóteses disciplinadas no art. 114,1 a IX, da CF. Precedentes do STF. Recurso de revista conhecido e provido.

Vistos, relatados e discutidos estes autos de Recurso de Revista n. TST-RR-75700-37.2010.5.16.0009, em que é Recorrente MINISTÉRIO PÚBLICO DO TRABALHO DA 16a REGIÃO e Recorrido MUNICÍPIO DE CODÓ.

Em face da decisão do Tribunal Regional do Trabalho de origem, o MPT interpõe o presente recurso de revista, o qual foi admitido pela Vice-Presidência do Regional, por possível violação do art. 114 da CE

Foram apresentadas contrarrazões, sendo desnecessária a remessa dos autos ao Ministério Público do Trabalho, por já atuar como parte no presente feito.

É o relatório.

Voto
I) Conhecimento
Pressupostos extrínsecos

Atendidos todos os pressupostos comuns de admissibilidade, examino os específicos do recurso de revista.

Pressupostos intrínsecos

COMPETÊNCIA DA JUSTIÇA DO TRABALHO. EFETIVAÇÃO DE PRINCÍPIOS E REGRAS CONSTITUCIONAIS E INTERNACIONAIS RATIFICADOS, RELATIVOS À PESSOA HUMANA E ÀS RELAÇÕES DE TRABALHO. TRABALHO DECENTE E COMBATE IMEDIATO E PRIORITÁRIO AO TRABALHO INFANTIL E ÀS PIORES FORMAS DE TRABALHO DO ADOLESCENTE. OIT: CONSTITUIÇÃO DE 1919; DECLARAÇÃO DA FILADÉLFIA DE 1944; DECLARAÇÃO DE PRINCÍPIOS E DIREITOS FUNDAMENTAIS NO TRABALHO DE 1998; CONVENÇÃO N. 182/OIT. EFETIVIDADE JURÍDICA NO PLANO DAS RELAÇÕES DE TRABALHO.

O Tribunal Regional de origem assim decidiu:

"O recorrente sustenta que esta Justiça Especializada é competente para processar e julgar as ações que versem sobre controle judicial das políticas públicas, principalmente quando o Poder Público for omisso em adotar medidas para que se cumpram

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as obrigações assumidas pela Carta Política, ao contrário do que entendeu o Juízo de primeiro grau.

De início, destaco a relevância do ofício exercido pelo Ministério Público do Trabalho no combate ao trabalho infantil e a outras formas degradantes de trabalho, pois a exploração abusiva de mão de obra é combatida atualmente pelos ordenamentos jurídicos dos Estados Democráticos de Direito uma vez que se revela grave ofensa à dignidade da pessoa humana, sendo, inclusive, refutado por diversos tratados internacionais e diplomas legais pátrios.

Por sua vez, o Poder Judiciário, na sua função típica (a jurisdicional) e dentro do limite legal de sua atuação, age como coadjuvante no sentido de ver todo o comando normativo observado e respeitado, como não poderia deixar de ser, limitado, pois, a examinar aquilo que lhe é posto como litígio.

A ação tem como questão de fundo a possibilidade de determinação pelo Poder Tudiciário de obrigações de fazer e não fazer ao Poder Público a fim de que adote medidas tendentes à erradicação do trabalho infantil, labor este terminantemente proibido através de nossa Lei Maior (art. 7°, XXXIII, da CF/88), ou seja, para que promova políticas públicas para eliminar o trabalho infantil, tratando ora de alocação de recursos públicos, ações legislativas, fiscalização, etc.

Por sua vez, o recorrente tenta fazer crer que a competência para tais políticas públicas são da alçada da Tustiça do Trabalho, vez que conexas ao trabalho infantil, consubstanciando suas alegações no art. 114,1 e IX, da CF/88.

Com efeito, a matéria de adoção de políticas públicas tendentes a erradicar o trabalho infantil não se amolda ao inciso I do art. 114 da CF/88, vez que o Ente Público recorrido não é o tomador dos serviços, o que é incontroverso nos autos, mas através do TAC o recorrente busca que o recorrido tome medidas para impedir que essa forma de trabalho exista no âmbito de sua competência.

Por outro lado, a competência material também não se amolda com o inciso IX do art. 114 da CF/88, porque a nossa Lei Maior fixou que também seria a Justiça do Trabalho competente para processar e julgar "outras controvérsias decorrentes da relação de trabalho, na forma da lei", pelo que exige a preexistência de uma lei infraconstitucio-nal que preveja essa competência para esta Especializada, e, ressalte-se, não há previsão legal para tanto.

No entanto, não se está a vedar a possibilidade do Poder Judiciário intervir nas políticas públicas quando necessário, obedecidas batizas norteadas pelos princípios da proporcionalidade e razoabilidade. Nesse sentido, vale a transcrição de passagem do voto do Min. Celso de Mello, do Supremo Tribunal Federal, na ADPF 45-9, in verbis:

"Ê certo que não se inclui, ordinariamente, no âmbito das funções institucionais do Poder Judiciário - e nas desta Suprema Corte, em especial - a atribuição de formular e de implementar políticas públicas (JOSÉ CARLOS VIEIRA DE ANDRADE, "Os Direitos Fundamentais na Constituição Portuguesa de 1976", p. 207, item n. 05,1987, Almedina, Coimbra), pois, nesse domínio, o encargo reside, primariamente, nos Poderes Legislativo e Executivo.

Tal incumbência, no entanto, embora em bases excepcionais, poderá atribuir-se ao Poder Judiciário, se e quando os órgãos estatais competentes, por descumprirem os encargos político-jurídicos que sobre eles incidem, vierem a comprometer, com tal comportamento, a eficácia e a integridade de direitos individuais e/ou coletivos impregnados de estatura constitucional, ainda que derivados de cláusulas revestidas de conteúdo programático.

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Cabe assinalar, presente esse contexto - consoante já proclamou esta Suprema Corte - que o caráter programático das regras inscritas no texto da Carta Política "não pode converter-se em promessa constitucional inconsequente, sob pena de o Poder Público, fraudando justas expectativas nele depositadas pela coletividade, substituir, de maneira ilegítima, o cumprimento de seu impostergável dever, por um gesto irresponsável de infidelidade governamental ao que determina a própria Lei Fundamental do Estado." (RTJ 175/1212-1213, rei. Min. CELSO DE MELLO.)

Todavia, a questão de fundo é de cunho administrativo, que envolve obrigações constitucionalmente assumidas pelo Poder Público e, apesar de se tratar, na espécie, de trabalho infantil, não é suficiente para atrair a...

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