Tribunal Regional do Trabalho da 15a Região

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Processo: 0000888-41.2011.5.15.0001
Recurso Ordinário
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º Recorrente: Fundação de Desenvolvimento da Unicamp — FUNCAMP 2º Recorrente: Universidade Estadual de Campinas — UNICAMP Recorrida: Lourdes Aparecida Carvalho
Origem: 1a Vara do Tr abalho de Campinas – SP
Juiz Sentenciante: Artur Ribeiro Gudwin
Competência: 6a Turma — 11a Câmara

Acórdão:

- “CONTRATO NULO. AUSÊNCIA DE CONCURSO PÚBLICO. FUNCAMP. EFEITOS DA NULIDADE. EX NUNC. 1. A teoria das nulidades, quando aplicada ao Direito do Trabalho, apresenta especificidades inerentes à impossibilidade de restituição das partes ao status quo ante. 2. Por conseguinte, em respeito ao art. 37, inc. II, da Constituição Federal, a contratação de trabalhador pela Administração Pública sem o prévio e necessário concurso público será nula. 3. Isso não signfica, contudo, que os efeitos da declaração de nulidade retroagirão à data da contratação. 4. Há, in casu, operação dos efeitos ex nunc ínsitos a teoria justrabalhista das nulidades. 5. Por conseguinte, ao trabalhador serão devidas todas as verbas trabalhistas decorrentes de dispensa imotivada. 6. Embora o contrato seja nulo, foi ele existente, operando seus efeitos durante todos os quase quinze anos em que a reclamante prestou serviços para a FUNCAMP. 7. Evidente que o art. 37, inc. II, da CF/88 não pode ser interpretado de maneira isolada. Imprescindível seu cotejamento com os Fundamentos da República Federativa do Brasil, mormente a dignidade da pessoa humana e o valor social do trabalho, com o Pacto Internacional dos Direitos Sociais, Econômicos e Culturais e com o Pacto de San José da Costa Rica. 8. O resultado dessa interpretação sistemática é a vedação ao retrocesso social e a progressividade dos direitos humanos. 9. Trata-se de contexto cáustico e antiestético aquele em que a Administração Pública se aproveita do labor humano e, mesmo sabendo de seu inescusável erro ao não realizar concursos públicos regulares, encerra a prestação de serviço e não adimple os direitos trabalhistas constitucionalmente previstos.”

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Inconformadas com a r. sentença de fis. 524/530, interpuseram recurso ordinário a Fundação de Desenvolvimento da Unicamp
— Funcamp (fis. 532/540) e a Universidade Estadual de Campinas — Unicamp (fis. 542/557).

A 1a reclamada, Funcamp, aduz, de maneira preliminar, a ocorrência de coisa julgada, trazendo à tona o teor das Ações Civis Públicas de
n. 02671/95 – 8 e 908/04 – 9. No mérito, pugna pela reforma da r. sentença afirmando que o contrato de trabalho firmado com a reclamante foi nulo e, por isso, não há que se falar no pagamento de verbas rescisórias. Irresignou-se, ademais, contra a decisão que determinou a expedição de ofício para a Superintendência Regional do Trabalho e Emprego.

A 2a reclamada, Unicamp, também pugna pela reforma total da r. sentença. Preliminarmente, defende a ocorrência da coisa julgada, fazendo menção às mesmas ações civis públicas. Em segundo lugar, agora no que diz respeito ao mérito, afirma que não pode ser responsabilizada de maneira subsidiária. Afirma, em continuidade, que o contrato de trabalho da reclamante é nulo. Por fim, apresenta contrariedade no que toca à imposição de entrega das guias para movimentação do seguro-desemprego, ao pagamento de custas judiciais, à expedição de ofício às autoridades competentes para apurar eventuais irregularidades e pugna pela aplicação do art. 1º-F da Lei
n. 9.494/97, caso a condenação seja mantida.

O Ministério Público do Trabalho, por intermédio de seu Ilustre Procurador Dr. Claude Henri Appy, manifestou-se pelo conhecimento e provimento dos recursos das reclamadas.

É o relatório.

Voto

ADMISSIBILIDADE

Porque presentes os pressupostos de admissibilidade de ambos os recursos, conheço-lhes e passo a julgá-los.

Preliminar

COISA JULGADA

Preliminarmente, as duas reclamadas, ora recorrentes, pugnam pelo reconhecimento da coisa julgada, salientando que as Ações Civis Públicas n. 02671/95 – 8 e n. 908/04 – 9 sedimentaram a questão tratada nos presentes autos.

Não assiste razão às reclamadas, de modo que a r. sentença deve ser mantida.

Com efeito, ao apreciar a questão, assim se manifestou o magistrado a quo:

“Nos termos do art. 16 da Lei n. 7.347/85, tornou-se a Reclamante sujeita também a esta coisa julgada, contudo, na extensão do dispositivo Sentencial, de que não poderia ser dispensada sem receber saldo de salário e depósitos de FGTS, sem se realizar a homologação perante o sindicato ou DRT, de forma a poder se habilitar a levantar o FGTS. A abstenção forçada imposta à 1a

Reclamada quanto ao mínimo (saldo de salário, depósito de FGTS, rescisão a ser homologada em sindicato ou DRT, atual SRTE) não faz coisa julgada quanto ao mais ora pleiteado, haja vista que os fundamentos da decisão não produzem coisa julgada (art. 469, I, CPC). Cediço que à época da decisão a Reclamante ainda não havia sido dispensada, a coisa julgada se lha abarca quanto à obrigação de não fazer da FUNCAMP. Outrossim, trata-se de obrigação de não fazer imposta à 1a Reclamada, que não prejudica pleito de mais verbas pela trabalhadora que se sente lesada pela rescisão, cujo objeto se volta à ampliação das verbas já garantidas pela coisa julgada dos autos em questão.” (fi. 526)

Irreparável por seus próprios fundamentos, a r. sentença deve ser mantida.

Em consonância com a r. sentença, o Procurador Regional do Trabalho aposentado Raimundo Simão de Melo assim se manifestou nos autos do processo TRT/15 – RO n. 0001511-13.2010.5.15.0043, o qual versava sobre

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situação idêntica à retratada nos presentes autos, in verbis:

Preliminar de coisa julgada. A arguição não procede, porque não se enquadra na hipótese do art. 301, §§ 1º e 2º do CPC, uma vez que na presente ação as partes são o reclamante e as reclamadas e, nas ações civis públicas mencionadas, as partes são as reclamadas e o Ministério Público do Trabalho e o sindicato. Ademais, na forma do art. 104 do CDC não há falar em litispendência e coisa julgada entre ação coletiva e ação individual.

Ademais, os efeitos da coisa julgada coletiva nas demandas individuais são tratados no CDC nos parágrafos a seguir transcritos:
§ 1º Os efeitos da coisa julgada previstos nos incisos I e II não prejudicarão interesses e direitos individuais dos integrantes da coletividade, do grupo, categoria ou classe. § 2º Na hipótese prevista no inciso III, em caso de improcedência do pedido, os interessados que não tiverem intervindo no processo como litisconsortes poderão propor ação de indenização a título individual.
§ 3º Os efeitos da coisa julgada de que cuida o art. 16, combinado com o art. 13 da Lei n. 7.347, de 24 de julho de 1985, não prejudicarão as ações de indenização por danos pessoalmente sofridos, propostas individualmente ou na forma prevista neste código, mas, se procedente o pedido, beneficiarão as vítimas e seus sucessores, que poderão proceder à liquidação e à execução, nos termos dos arts. 96 a 99. Quer dizer, a coisa julgada coletiva somente se aplica no âmbito individual se for para beneficiar a vítima ou se esta tiver intervindo no processo coletivo, o que não ocorreu na presente hipótese.

Assim, é evidente que o reclamante estava livre para vir a juízo discutir a reparação dos seus direitos individuais ditos violados.”

O sistema de tutela coletiva previsto pelo legislador pátrio, como não poderia deixar de ser, não pode implicar impedimento de o cidadão provocar o Judiciário quanto entender que ações coletivas anteriormente ajuizadas não esgotaram a tutela jurisdicional devida e pretendida.

Assim, ao prever o microssistema de tutela coletiva, formado pela interação recíproca da Lei de Ação Civil Pública e do Código de Defesa do Consumidor, o legislador ordinário se anteviu às situações como a presente nestes autos, de modo que determinou que somente existirá coisa julgada em ação coletiva com refiexo em ação individual para beneficiar o autor.

Especificamente sobre o tema, Rodolfo de Camargo Mancuso ensina, in verbis:

“Boa parte das dificuldades na compreensão da coisa julgada — especialmente a que se forma no ambiente processual coletivo — deriva de não se fazer o melhor diagnóstico sobre os fundamentos que a sustentam e legitimam, muita vez deixando o operador do Direito levar-se pela literalidade dos conceitos positivados, sem lhes perquirir a vera motivação, responsável pela existência de várias modalidades de coisa julgada, com diversa carga eficacial. Exemplo disso é o que se passa com os interesses individuais homogêneos: ao contrário dos difusos e dos coletivos em sentido estrito, a coisa julgada que sobre aqueles primeiros se opera é erga omnes, singelamente, e não secumdum eventum litis (Lei n. 8.078/90, art. 103 e incisos); o motivo dessa desequiparação está em que os individuais homogêneos, ao contrário dos outros dois tipos, são coletivos só no modo processual por que vêm exercidos, remanescendo individuais em sua essência, tanto assim que depois, na fase de execução, “recuperam” seu caráter individual (lei supra, art. 97). Assim, o interesse individual homogêneo, judicializado, é, na verdade, “o mesmo” titularizado pelos sujeitos concernentes — estando apenas

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potencializado em seu manejo processual —, e por isso não faria sentido que a coisa julgada aí incidente ficasse dependente de a decisão de mérito ter derivado de cognição exauriente sobre prova plena, até porque, no processo coletivo, vigora a premissa de a coisa julgada só se trasladar para as demandas individuais no que as beneficie: Lei n. 8.078/90, § 3º do art. 103; art. 104).” (Jurisdição coletiva e coisa julgada: teoria geral das ações coletivas. 2. ed. São Paulo: RT, 2007. p. 325) (grifo nosso) Inquestionável, portanto, que...

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