Tribunal penal internacional e cortes similares

AutorCarlos Roberto Husek
Ocupação do AutorDesembargador do TRT da 2ª Região Professor da Pontifícia Universidade Católica de São Paulo. Membro da Academia Paulista de Direito, Membro da Comunidade de Juristas da Língua Portuguesa
Páginas332-342

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1. Fundamentos

Não é um fato novo a existência de um Tribunal Internacional para cuidar de crimes. As Normas Internacionais sempre geraram uma certa insegurança quanto à sua aplicabilidade, quando o indivíduo, isoladamente ou representando o Estado, praticou atos considerados contrários à humanidade, quase sempre produzidos nas situações de conflitos armados.

Indefeso o mundo reagia e ainda reage com a união de forças contrárias.

A comunidade internacional não tem mecanismos confiáveis para coibir tais atos e prevenir repetições. Fatos que marcaram a História Humana, reveladores da crueldade do homem, de tempos em tempos assomam no horizonte: vinganças, torturas, matanças.

A política mundial, dominada pelo egoísmo, pela concentração de poderes, pela conquista - antigamente de territórios - hoje de mercados, impositiva de normas étnicas, religiosas, sociais, econômicas, propicia o aparecimento de ditadores, de grupos de domínio, de fanáticos, sem que tenhamos um sistema de defesa e preservação.

Não há governante que consiga preservar o povo e o território dos ventos internacionais. Quem tenta assim agir paga um preço alto de isolamento e incompreensão.

Governar com os olhos voltados apenas para a área doméstica é um convite à sucumbência político-econômica e ao enfraquecimento, ainda maior, da soberania estatal, já relativizada pela realidade econômica mundial.

Para conservar a soberania e a independência é necessário abrir as portas para a negociação e o diálogo. Conviver é a palavra chave. A diplomacia com maleabilidade, talvez uma redundância, aceita o sistema, torna o terreno mundial menos árido e inibe, com maior sucesso, a ação de grupos extremistas.

A saída é pelo jogo da inteligência e da sedução: compreensão, assimilação, entendimento, percepção. Estamos a caminho da era do espírito.

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Construir muros altos para separar povos (Alemanha, Israel) ou determinar ataques para manter o domínio ou expandi-lo é a estratégia da força e não a força da estratégia.

A primeira fere os princípios internacionais de convivência, de humanismo, de busca da paz; destrói. A segunda, depende do uso da inteligência e poderá, também, contrariar normas; mas, encontrará obstáculos maiores e a tendência será compor, administrar, redefinir metas.

Enquanto tal não acontece é necessário aprimorar o sistema internacional. Os Tribunais Internacionais, concebidos sob princípios reconhecidos e aceitos, cumprem parte dessa missão.

Não Tribunais de Guerra, feitos pelos vencedores na imposição de razões políticas, mas Tribunais nascidos do consenso, levando em conta uma realidade mundial, básica, de paz, de sobrevivência, independentemente - e aí reside a dificuldade - de raça, credo religioso, concepção político-ideológica, etc. O caminho é longo e possível.

2. Precedentes

No capítulo XIII, quando discorremos sobre os litígios internacionais e suas soluções, propiciamos uma pálida ideia da chamada solução jurisdicional: arbitragem e solução judiciária. Ambas voltadas para o conflito entre Estados. Outras mais, como vimos, existem: meios diplomáticos, políticos e coercitivos. A guerra deve ser evitada.

Para o Estado, dá-se ênfase às soluções negociadas; não causam submissão e são mais duradouras.

Para o ser humano ou grupo de pessoas que quebram as regras do trato social, de forma abrupta e com consequências sérias, a solução judiciária é a prática dos Estados e parece ser o caminho no Direito Internacional.

Algumas tentativas ocorreram ao longo da história, que pecaram pela base, pelo motivo da criação. Outras, como o Tribunal de Tóquio e o de Nuremberg, buscaram o estabelecimento de comandos sentenciais exemplares, que pudessem impor a futuros desrespeitadores dos direitos fundamentais e dos princípios de convivência, o medo de agir mal.

Soluções de urgência, também, vieram à tona, como os Tribunais ad hoc de Ruanda e da ex-Iugoslávia, para julgamento dos crimes cometidos nos respectivos territórios.

Tais tribunais são bem diferenciados dos Tribunais que cuidam dos atos e litígios dos Estados, como a Corte Internacional de Justiça ou o Tribunal da Comunidade Europeia.

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O princípio, contudo, é o mesmo: a solução por intermédio de um corpo de juízes.

Aqui vamos tratar mais de perto o Tribunal Penal Internacional, como uma nova possibilidade de julgamento internacional em relação às pessoas. Tal novidade, ante o escopo de permanência dessa Corte, confirma a existência de uma realidade do ser humano, atuando de forma ilícita além das fronteiras de seu país ou mesmo dentro dessas fronteiras, mas, contra a humanidade221.

3. Tribunal de Nuremberg e de Tóquio

Apenas uma rápida referência deve ser feita ao Tribunal de Nuremberg - uma das primeiras experiências de uma Corte Internacional em matéria penal - que teve relativo sucesso e muitos defeitos.

A Declaração de Moscou de 1º.11.1943, dos três grandes aliados, EUA, Reino Unido e URSS, estabeleceu os princípios para julgamento dos criminosos de guerra, depois adotados pelas Nações Unidas.

Tal julgamento processar-se-ia de dois modos: pela recondução dos criminosos aos países onde seus atos foram praticados, para nesses países serem julgados e o julgamento pelos governos aliados dos criminosos, cujos delitos não tinham definição geográfica específica (Grandes Criminosos de Guerra).

O texto do Estatuto do Tribunal Militar Internacional (Tribunal de Nuremberg) serviu de base para o Direito Penal após a Segunda Grande Guerra: responsabilizou-se não só os crimes de guerra e outros delitos, mas, também, o indivíduo por crimes cometidos contra a paz: "Se pudermos cultivar por todo mundo a ideia de que fazer uma guerra de agressão conduz ao banco dos réus mais que às honras, teremos alcançado um grande progresso no que se refere à segurança e à paz".222

O Tribunal era composto por quatro membros titulares e quatro suplentes, representantes das potências vencedoras: EUA, Grã-Bretanha, França e URSS.

As sentenças somente podiam ser estabelecidas por consenso. Havia a pretensão de serem os...

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