Traumatologia forense: agentes produtores de lesões

AutorLuis Carlos Cavalcante Galvão
Páginas383-400

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Agentes produtores de lesões

Desde os primórdios de sua existência, o homem está sujeito a riscos genéricos e/ou específicos de expor-se a agentes causadores de lesões.

Vários são os agentes lesivos: a temperatura, a eletricidade, a pressão atmosférica, os agentes químicos, físico-químicos e os mecânicos.

Estudaremos os agentes mecânicos.

Estes, pela sua incidência, ocupam grande espaço na produção de lesões. São os que mais aparecem nas estatísticas dos Institutos Médicos-Legais.

Encontraremos dois tipos de agentes mecânicos: interno e externo.

  1. AGENTE MECÂNICO INTERNO

    E aquele em que a ação ou força mecânica age internamente no próprio organismo, o esforço.

    Verifica-se com muita frequência nas disputas esportivas, como no futebol, vôlei e outros esportes, causando distensões musculares, estiramentos de ligamentos e tendões e até lacerações.

  2. AGENTES MECÂNICOS EXTERNOS

    • instrumentos cortantes;

    • instrumentos perfurantes;

    • instrumentos contundentes;

    • instrumentos pérfuro-cortantes;

    • instrumentos corto-contundentes;

    • instrumentos pérfuro-contundentes.

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    São aqueles em que a força mecânica da ação age de fora para dentro do organismo, não importando se esta vem de encontro ao corpo ou se o corpo vai ao seu encontro, ou se ambos convergem para um ponto de choque.

    Os três primeiros instrumentos são considerados básicos, assim como as cores básicas. Se misturarmos azul com amarelo, obteremos a cor verde. Quando a ação dos instrumentos básicos se misturam, obtem-se então os pérfuro-cortantes, corto-contundentes e pérfuro-contundentes. Usa-se a terminação "ente" para instrumento e "usa" para ferida ou lesão.

Instrumentos cortantes

São instrumentos que agem sobre uma linha, deslizando e cortando pelo seu gume (parte afiada do instrumento). São exemplos: a faca, a lâmina de barbear, pedaço de vidro, navalha, etc. Causam a chamada "Ferida Incisa", que recebe o nome de "Incisão" quando é feita com fins cirúrgicos (Figura 1).

Não devemos usar a denominação de ferida cortante pois, na verdade, quem corta é o instrumento. Portanto o termo adequado é "ferida incisa", ou lesão incisa.

Figura 1. Ferida incisa.

Estas lesões ou feridas apresentam as seguintes características:

1 — Bordas regulares sangrantes, não há sinais de contusão, como infiltrado sanguíneo (equimoses), não há pontes de tecidos ou dérmicas em toda a sua extensão. Estas pontes representam pele íntegra ligando um lado a outro da lesão.

2 — O centro da ferida é, geralmente, mais profundo do que nas extremidades, pois a força empregada na produção da lesão é em forma de arco.

3 — Apresenta numa extremidade uma espécie de escoriação chamado "cauda de saída ou terminal", que é produzida a partir da diminuição da força com que se emprega o instrumento até o seu afastamento do corpo. Isto serve para sabermos se o corte foi produzido da esquerda para direita de cima para baixo ou vice-versa. Há também uma cauda inicial ou anterior mais curta e profunda que caracteriza o início da lesão.

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4 — A extensão geralmente é maior do que a profundidade e a largura entre as bordas, e há secção das fibras musculares.

As feridas ou lesões incisas ocupam altas taxas nas estatísticas dos exames de lesões corporais. Geralmente, são feridas consideradas superficiais, embora possam levar à morte por hemorragia externa devido à falta de cuidados médicos imediatos. Põem em risco a vida da vítima, a depender de fatores como sua extensão, localização etc., levando ao choque hipovolêmico.

Os japoneses praticavam o Hara-Kiri, suicídio através de corte horizontal no abdômen.

As feridas ou lesões incisas em mão e antebraço são indícios de lesões de defesa, quando numa manobra brusca as vítimas tentam segurar com as mãos ou colocam o antebraço, na tentativa de afastar o instrumento, protegendo, deste modo, o corpo do agente lesivo.

As feridas incisas podem ser mutilantes, sobretudo em quirodáctilos e pododáctilos.

Existem feridas produzidas por instrumentos cortantes que recebem nomes especiais, dado a peculiaridade com que são praticadas.

Geralmente são homicidas, mas podem acontecer no suicídio (não raro) e como pena de morte (execução judicial). Estas lesões no pescoço recebem denominações especiais: Decapitação — separação da cabeça do restante do corpo; Esgorjamento — secção das partes anteriores do pescoço; Degolamento — secção quase total do pescoço feita pela sua parte posterior.

Embora se saiba que na maioria das vezes a decapitação é feita por instrumentos corto-contundentes, existem casos na literatura de decapitação por instrumento cortante bastante afiado, sobretudo nos crimes de esquartejamento.

Instrumentos perfurantes

São aqueles que agem sobre um ponto. São exemplos: o prego, agulha, cucho, punhal (sem gume) etc.

Por terem a ponta fina, eles penetram nos tecidos, afastando as fibras, deslizando entre elas, sem seccioná-las. Mecanismo amplamente estudado por Filhos e Langer. Causam feridas ou lesões chamadas "Punctórias", que têm grande interesse na Medicina Legal, no que se refere a toxicomanias, pois viciados, ao fazerem flebotomia para injetarem substâncias tóxicas, na verdade, estão produzindo "feridas punctórias" que são portas de entrada para drogas sem fins terapêuticos que, não raro, chegam ao êxito letal. Nestes casos, estas são as únicas lesões encontradas, sendo imperativo exames complementares toxicológicos. Há também suicidas que se utilizam de estiletes roliços com ponta fina e agulhas na região pré-cordial.

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Nas prisões, é comum o uso de "cucho", instrumento perfurante, fabricado a partir de alças de baldes ou armações de guarda-chuvas no qual os presos afinam a ponta friccionando-a sobre o solo acimentado, responsáveis por muitos homicídios no interior da cela.

As feridas punctórias apresentam as seguintes características:

1 — Hemorragia externa, escassa ou ausente, pode apresentar-se circular, ovalar ou em fenda, a depender de como o instrumento atingiu o alvo, perpendicular, oblíquo ou bastante inclinado, quase que tangencialmente.

2 — Não há ângulos nas extremidades.

3 — O tamanho exterior da lesão e a forma geralmente não correspondem à arma, devido à retração dos tecidos e à elasticidade da pele.

As feridas punctórias podem ser penetrantes (penetram num segmento qualquer do corpo) e transfixantes (quando transfixam qualquer segmento), assim podemos ter feridas punctórias com orifícios de entrada e de saída.

O trajeto da lesão nem sempre reflete o tamanho da arma. Existem áreas, como a face anterior do abdômen, que são depressíveis.

Quando o instrumento é aplicado com força, pela própria depressão da parede anterior, um cucho ou punhal (sem gume) de 8 cm, poderá causar uma lesão de 15 a 20 cm de trajeto. Estas são chamadas de "ferida em acordeon ou sinal do acordeon", descrito por Lacassagne.

Válidas também para as lesões causadas por instrumentos pérfuro-cortantes.

O Prof. Carlos Lopes (Porto — Portugal), ao necropsiar uma mulher que se enforcou, encontrou uma agulha de costura introduzida na parede do coração, outra na parede do cólon transverso e ainda metade de agulha na massa muscular do pescoço, traduzindo tentativa ou tentativas de suicídio.

Instrumentos contundentes

São aqueles que agem por pressão ou choque sobre um plano.

Vários são os exemplos:

Podemos, no entanto, classificá-los em:

  1. naturais — punho (soco), mão (tapa), pé (ponta-pé), região frontal (cabeçada), joelho (joelhada);

  2. eventuais — tijolo, martelo, pedra, barra de ferro, pedaço de pau;

  3. usuais — guarda-chuva, bengala, bolsa etc.

    O indivíduo, em relação ao instrumento contundente, pode comportar-se como:

    Elemento Passivo: se está parado e é atingido por ele. Por exemplo: um indivíduo que recebe uma pedrada ou uma paulada.

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    Elemento Ativo: quando o instrumento está parado e o indivíduo choca-se com ele (nos casos de precipitação de edifícios, onde o solo é, na verdade, um instrumento contundente).

    Lesão por Ação Mista: quando, por exemplo, existe um choque inicial do instrumento com o corpo em seguida projeção deste corpo para depois cair ao solo. Neste caso, o corpo inicialmente foi elemento passivo para depois tornar-se ativo, muito comum nos atropelos.

    Vale à pena diferenciar queda de precipitação: na primeira o indivíduo desequilibra-se e cai, chocando-se ao nível do piso.

    Diz-se precipitação quando um indivíduo cai de plano mais elevado (2Q andar de um edifício).

    O Prof. Achaval classifica os instrumentos contundentes em:

  4. objetos de lançamento — pedras etc.;

  5. objetos sem movimento próprios — martelo, pedaço de pau etc.;

  6. objetos com movimentos próprios — veículos;

  7. elementos naturais do agressor — pé, cabeça, mão etc.;

  8. elementos naturais do ambiente — solo, paredão etc.

    Os instrumentos contundentes produzem as contusões e as feridas contusas.

Contusões

Contusões são lesões produzidas por instrumentos contundentes causando dano, mas mantendo a integridade da pele ou afetando-a superficialmente: são elas o apergaminhamento, as escoriações, as sugilações, as equimoses e os hematomas.

Entende-se por ferida toda solução de continuidade através da pele ou da mucosa.

O Prof. Achaval classifica as contusões em:

  1. contusões sem ferida —...

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