Trauma colonial e o testemunho do etnocídio Yanomami: uma leitura de marcados de Claudia Andujar

AutorFabio Feltrin de Souza, João Pedro Garcez
CargoDoutor em História/Mestrando em História
Páginas1-17
Revista Internacional Interdisciplinar INTERthesis, Florianópolis, v. 17 p. 01-17, 2020.
Universidade Federal de Santa Catarina. ISSN 1807-1384. DOI: https://doi.org/10.5007/1807-1384.2020.e67862
Artigo
Original
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Original
TRAUMA COLONIAL E O TESTEMUNHO DO ETNOCÍDIO
YANOMAMI: UMA LEITURA DE MARCADOS DE CLAUDIA
ANDUJAR
Colonial trauma and Yanomami ethnocide witness: a reading of Claudia Andujar Marked
Fábio Feltrin de Souza
Doutor em História. Universidade Federal da Fronteira Sul, Campus
Erechim, Erechim, Brasil
fabio.feltrin81@gmail.com.br
https://orcid.org/0000-0003-0674-7351
João Pedro Garcez
Mestrando em História. Universidade Federal do Paraná, Programa
de Pós-Graduação em História, Curitiba, Brasil
garcez.joaop@gmail.com.br
https://orcid.org/0000-0002-3571-9846
A lista completa com informações dos autores está no final do artigo
RESUMO
O objetivo deste ensaio é analisar a obra Marcados, da fotógrafa Claudia Andujar, a partir da dupla temporalidade em que
ela se insere. Como inscrição e c ontinuidade da violência colonial, as noções de imagem, anacronismo, testemunho,
trauma e etnocídio serão m obilizados e articulados no desenvolvimento da argumentação. Da teia que foi construída,
sustenta-se uma hipótese de trabalho: a de que a autora quis, pela via da imagem, fazer um esforço de simbolização do
processo colonial que acometeu o Brasil desde 1500 e que continua se manifestando no presente através d e nov as
formas. Como resultado articulou-se a ideia de trauma, com as fotografias de Andujar e a experiência de colonização que
é, nessa concepção, uma experiência de etnocídio.
PALAVRAS-CHAVE: Claudia Andujar. Marcados. Trauma. Imagem. Etnocídio.
ABSTRACT
This essay aims to analyze the work Marked, by photographer Claudia Andujar, from the perspective of its dual temporality.
As an inscription and continuity of colonial violence, the notions of image, anachronism, testimony, trauma and ethnocide
will be mobilized and articulated in the development of the argument. From the woof that was built comes the working
hypothesis: the author wanted to make an effort through the images to symbolize the colonial process that has affected
Brazil since 1500 and that continues to manifest itself in t he present time through new forms. As a result, Andujar's
photographs articulated t he idea of trauma and the experience of c olonization, in this conception, an experience of
ethnocide.
KEYWORDS: Claudia Andujar. Marked. Trauma. Image. Ethnocide.
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Revista Internacional Interdisciplinar INTERthesis, Florianópolis, v. 17 p. 01-17, 2020.
Universidade Federal de Santa Catarina. ISSN 1807-1384. DOI: https://doi.org/10.5007/1807-1384.2020.e67862
1 INTRODUÇÃO: CONTATOS/CONTÁGIOS
Figura 1. Yanomami 8. In: ANDUJAR, Claudia. Marcados. São Paulo: Cosac Naify, 2009.
Entre um olhar lateral e sobrancelhas levantadas, todo um ar de desconfiança é
transmitido. De que esse índio desconfia? É da chegada do branco? Dessa máquina que o
fotografa? Do número oito pendurado em seu pescoço? Ou seria de quem lhe pendurou
um número, marcou seu corpo, e lhe deixou imóvel frente a uma câmera que iria congelar
sua imagem e deixá-la para o porvir?
Da fotografia, poucas conclusões podem ser tiradas. Entendemos que há uma
desconfiança, mesmo sem saber em relação ao que ela se configura. A imagem, também
parece provocar uma espécie de desconforto ao espectador mais sensível que especula
estar fronte a uma situação de desumanização. Não há, porém, qualquer certeza, pois não
se sabe ao certo que situação é esta, ou mesmo quem é o sujeito fotografado. Há, sim,
todo um legado de memória cultural que os símbolos da fotografia (por meio do número/da
marca, da pose de retrato) evocam, de maneira sutil e provocadora. Seria esse desconforto
fruto de um trauma histórico ou cultural que ainda espera melhor compreensão?
De imediato, o choque diante da imagem: ela provoca uma espécie de
estranhamento, evoca reações que não estão senão nisso que a fotógrafa Claudia Andujar
chamou de um terreno sensível, ambíguo, e que podem também implicar em
constrangimento e dor. A imagem em questão faz parte da série Marcados de Claudia
Andujar, composta por um conjunto de fotografias que estão desde o clique em constante
transformação, sempre em devir, sendo ressignificadas de acordo com o contexto e as
estratégias políticas adotas pela fotógrafa em sua frutífera e duradoura aliança com os
Yanomami da Amazônia. As fotografias nasceram em uma “urgência com a saúde”
Yanomami, realizando um papel de identificar sujeitos em fichas de saúde que existiram

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