Princípio da não-discriminação do tratamento fiscal nas relações de comércio internacional e seus efeitos em relação à contribuição para o pis/pasep e à cofins

AutorCiro Cardoso Brasileiro Borges
CargoMestre em Direito Tributário pela PUC/SP Advogado em São Paulo
Páginas1-40

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1. Introdução

O presente estudo tem por objeto o princípio da não-discriminação do tratamento fiscal nas relações de comércio internacional e seus efeitos em relação à Contribuição para o PIS/PASEP e à COFINS. Para tanto, impende seja explicitado em que termos o mesmo se encontra previsto nos tratados internacionais de que é parte signatária a República Federativa do Brasil.

Com o mesmo propósito, far-se-á referências de tipos de tratado internacional que prevêem o princípio da não-discriminação do tratamento fiscal, explicitando seu desdobramento nas vertentes do princípio da nação mais favorecida e do princípio do tratamento nacional e as especificidades dos respectivos âmbitos de irradiação de efeitos. Tais as premissas a serem desenvolvidas e indispensáveis à identificação do tratamento fiscal discriminatório nas relações de comércio internacional.

Feitos esses esclarecimentos, o princípio da nação mais favorecida e o princípio do tratamento nacional, sob o contexto das relações de comércio internacional, serão aplicados em relação às regras-matrizes de incidência da Contribuição para o PIS/PASEP e da COFINS, bem como no que toca às particularidades de seus regimes jurídico-tributários, ao longo das respectivas evoluções legislativas.

Ao final, expostas as conclusões sobre o tema, serão apresentadas propostas para o afastamento dos tratamentos fiscais discriminatórios menos favoráveis às receitas auferidas em decorrência de operações mercantis com produtos estrangeiros importados, compreendidas na hipótese de incidência da Contribuição para o PIS/PASEP e da COFINS, sob o enfoque específico do princípio do tratamento nacional nas relações de comércio internacional.

2. Princípio da não-discriminação do tratamento fiscal nos tratados internacionais sobre as relações de comércio internacional

O princípio da não-discriminação do tratamento fiscal está previsto em diversos tipos de tratado internacional, ora se referindo à renda e ao capital, ora à prestação de serviços e ora às relações de comércio internacionais, como forma de se evitar a atribuição de tratamento fiscal discriminatório.

Daí ter-se como pressuposto, para fins deste estudo, que os tratados internacionais analisados tenham atendido formalidades e procedimentos referentes às respectivas celebrações e recepções, em especial aquelas estabelecidas no artigo 49, inciso I, e no artigo 84, inciso VIII, considerando também o quanto disposto no artigo 21, inciso I, da Constituição Federal. Page 3

De acordo com o princípio da não-discriminação do tratamento fiscal, é vedado o tratamento fiscal discriminatório entre as partes signatárias do tratado internacional, de modo que não haja tratamentos fiscais menos favoráveis em relação à renda e ao capital, à prestação de serviços ou às relações de comércio internacionais.

Além dessa versatilidade relativa aos tipos de tratado internacional, deve-se ressaltar que o princípio da não-discriminação do tratamento fiscal, de maneira recorrente nos tratados internacionais, se desdobra em duas importantes vertentes, quais sejam o princípio da nação mais favorecida e o princípio do tratamento nacional.

Explicitado, então, o desdobramento do princípio da não-discriminação do tratamento fiscal no princípio da nação mais favorecida e no princípio do tratamento nacional, cumpre verificar as respectivas previsões nos tratados internacionais sobre as relações de comércio internacional, por ser este o tipo de tratado internacional objeto do presente estudo.

2.1. Previsões no GATT, no Tratado de Montevidéu de 1980 e no Tratado de Assunção

O princípio da nação mais favorecida e o princípio do tratamento nacional, desdobramentos que são do princípio da não-discriminação do tratamento fiscal estão dispostos no General Agreement on Tariffs and Trade - GATT, no Tratado de Montevidéu de 1980, que constituiu a Associação Latino-Americana de Integração - ALADI, e no Tratado de Assunção, que constituiu o Mercado Comum do Sul - MERCOSUL, dos quais é parte signatária a República Federativa do Brasil.

O GATT foi recepcionado no ordenamento jurídico pátrio pela Lei 313/1948, que autorizou o Poder Executivo a aplicá-lo na forma da redação constante da Ata Final da Segunda Reunião da Comissão Preparatória da Conferência das Nações Unidas sobre Comércio e Emprego, assinada pelos Estados Unidos do Brasil e outros países, em Genebra, em 30 de outubro de 1947, e prevê o princípio da nação mais favorecida e o princípio do tratamento nacional, respectivamente, em seus artigos I e III, in verbis:

Artigo I

Tratamento Geral de Nação Mais Favorecida

  1. Qualquer vantagem, favor, imunidade ou privilégio concedido por uma parte contratante em relação a um produto originário de ou destinado a qualquer outro país, será imediata e incondicionalmente estendido ao produto similar, originário do território de cada uma das outras partes contratantes ou ao mesmo destinado. Êste dispositivo se refere aos direitos Page 4

    aduaneiros e encargos de tôda a natureza que gravem a importação ou a exportação, ou a elas se relacionem, aos que recaiam sôbre as transferências internacionais de fundos para pagamento de importações e exportações, digam respeito ao método de arrecadação dêsses direitos e encargos ou ao conjunto de regulamentos ou formalidades estabelecidos em conexão com a importação e exportação bem como aos assuntos incluídos nos §§ 1 e 2 do art. III.

    ...........................................................................................................................

    Artigo III

    Tratamento Nacional em Matéria de Impostos e de Regulamentação Internos

  2. Os produtos de qualquer Parte Contratante importados no território de outra Parte Contratante serão isentos da parte dos tributos e outras imposições internas de qualquer natureza que excedam aos aplicados, direta ou indiretamente, a produtos similares de origem nacional. Além disto, nos casos em que não houver no território importador produção substancial de produto similar de origem nacional, nenhuma Parte Contratante aplicará tributos internos novos ou mais elevados sôbre os produtos de outras Partes Contratantes com o fim de conceder proteção à produção de produtos, diretamente competidores ou substitutos, não taxados de maneira semelhante; os tributos internos dessa natureza, existentes, serão objeto de negociação para a sua redução ou eliminação.

    A propósito, enfatiza André Lipp Pinto Basto Lupi1:

    O princípio fundamental para o sistema multilateral do comércio é o da não-discriminação, visando alcançar condições de concorrência o mais igualitárias possível.

    ...........................................................................................................................

    O princípio assume várias formas no acordo, sendo as duas mais relevantes a cláusula da nação mais favorecida (cláusula NMF) e o princípio do tratamento nacional. A primeira está prevista no artigo I do GATT e o segundo no artigo III.

    A ALADI, por sua vez, foi constituída por ocasião do Tratado de Montevidéu de 1980, firmado pela República Federativa do Brasil em 12 de agosto de 1980, recepcionado pelo Decreto Legislativo 66/1981, tendo sido depositado o respectivo instrumento de ratificação em Montevidéu, em 15 de janeiro de 1982, e promulgado pelo Decreto 87.054/1982, que impõe a regência do princípio do tratamento nacional, de acordo com o seu artigo 46, transcrito abaixo:

    Artigo 46

    Em matéria de impostos, taxas e outros gravames internos, os produtos originários do território de um país-membro gozarão no território dos Page 5 demais países-membros de um tratamento não menos favorável do que o tratamento que se aplique a produtos similares nacionais.

    E o MERCOSUL teve sua constituição com o Tratado de Assunção, celebrado pela República Federativa do Brasil em 26 de março de 1991, recepcionado pelo Decreto Legislativo 197/1991, tendo sido depositada a respectiva carta de ratificação em Assunção, em 30 de outubro de 1991, e promulgado pelo Decreto 350/1991, que também estabelece observância ao princípio do tratamento nacional, nos termos do seu artigo 7, reproduzido a seguir:

    Artigo 7

    Em matéria de impostos, taxas e outros gravames internos, os produtos originários do território de um Estado Parte gozarão, nos outros Estados Partes, do mesmo tratamento que se aplique ao produto nacional.

    Diante desses dispositivos, não há dúvida de que as relações de comércio internacional configuram hipótese em relação à qual o princípio da não-discriminação do tratamento fiscal deve ser observado por parte dos países signatários do tratado internacional, nas suas vertentes do princípio da nação mais favorecida e do...

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