Transgressões das regras sociais e jurídicas em Feira de Santana, 1890-1920

AutorKarine Teixeira Damasceno
CargoDoutoranda em História na Universidade Federal da Bahia (UFBA)
Páginas214-232
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DOI: http://dx.doi.org/10.5007/2175-7976.2018v25n39p214
Transgressões das regras sociais e jurídicas em Feira de
Santana, 1890-1920
Judicial and social rules transgression in Feira de Santana,
1890-1920
Karine Teixeira Damasceno*
Resumo: As mulheres pobres, trabalhadoras e negras de Feira de Santana,
entre os anos de 1890 e 1920, não produziram de próprio punho informações
sobre suas vidas; por isso, os processos-crimes foram fundamentais para que
pudéssemos reconstituir fragmentos de seu passado, o que nos permitiu saber,
por exemplo, que elas dissimulavam e se envolviam em disputas amorosas;
insistiam em fazer suas próprias escolhas sexo-afetivas e trabalhavam para
garantir a própria sobrevivência e a dos seus. Algumas, ainda, transgrediam o
modelo de feminilidade imposto ao se envolverem em conitos.
Palavras chaves: mulheres pobres; trabalhadoras; negras; família
Abstract: The poor, worker and black women from Feira de Santana, between
the years 1890 and 1920, did not produce information about their lives by
themselves; so, the crime-processes were fundamental so that we could
reconstitute fragments of their past, which allowed us to know, for example, that
they dissimulated and got involved in love disputes; they insisted on making
their own choice sex-aective and they worked to guarantee their own survival
and the survival of their dependents. Some of them, yet, infringed the imposed
feminity model when they get involved in conicts.
Keywords: poor women; workers; blacks; family
Artigo
215
Revista Esboços, Florianópolis, v. 25, n. 39, p. 214-232, jul. 2018.
Apresentação
Ao investigar as mulheres pobres, trabalhadoras e negras de Feira
de Santana do nal do século XIX e início do século XX, notamos que elas
compartilhavam a experiência comum de ocupar um lugar social subalterno,
de maneira que eram alvos preferenciais das autoridades republicanas, que,
respaldadas pelo Código Penal de 1890, estavam empenhadas em disciplinar
a população pobre, especialmente as mulheres. Com efeito, neste trabalho
buscamos reconstituir as experiências de aproximação e diferenciação
vivenciadas por nossas protagonistas e perceber como tal experiência
interferia na relação com outros sujeitos sociais de Feira de Santana, entre
1890 e 1920.
Desse modo, gênero, raça e classe são os conceitos básicos que
permeiam essas reexões. Tomamos a noção de classe adotada por E. P.
Thompson, na medida em que este compreende tal noção como relacional,
resultado de experiências comuns herdadas ou partilhadas, de modo que as
pessoas envolvidas sentem e articulam suas identidades e seus interesses diante
de outros grupos com interesses divergentes.1 Nesse sentido, as mulheres de
Feira de Santana que estudamos vivenciaram a condição de pobreza, lutaram
para sobreviver de diferentes maneiras, no mercado formal ou informal do
trabalho, e partilharam experiências comuns em seu cotidiano.2
No tocante à noção de raça, concordamos com Antonio Sérgio Alfredo
Guimarães que o conceito de raça é um dos marcadores da desigualdade e
da exclusão no Brasil, sendo que, no período que investigamos, tais aspectos
foram presentes nas relações tanto entre os sujeitos quanto entre os grupos
sociais.3 Por isso mesmo, tomamos aqui o termo “negra” como um dos
sinônimos de não branca – generalização que permite associar numa mesma
categoria as mulheres pardas e pretas. Este termo permite registrar a condição
de subalternidade que as caracteriza, mesmo que, em muitos casos, como
veremos, essas mulheres não tenham sido identicadas como “negras”. Nessas
situações, a análise da documentação nos permite inferir essa condição e
apreender alguns de seus signicados sociais.
Por sua vez, o conceito de gênero adotado aqui é inspirado na
concepção defendida por Joan Scott, para quem gênero é o saber que estabelece
signicados para as diferenças entre mulheres e homens e que varia conforme
a cultura, os grupos sociais e o tempo. Ainda de acordo com as reexões
desta autora, tal categoria sugere que as informações sobre as mulheres são
necessariamente informações sobre os homens, isto é, que o estudo de um
implica o estudo do outro, já que fazem parte do mesmo mundo e foram criados
por ele.4 O que tentamos fazer é vericar as relações que essas mulheres
estabeleceram com outras mulheres e com os homens com os quais conviviam.
Por se tratar de um grupo heterogêneo, as mulheres que investigamos,
em vários momentos de suas vidas, demonstraram que agiam e reagiam de

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