Transformações societárias: repercussões no serviço social

AutorViviane Medeiros dos Santos
Páginas53-62

Page 53

DOI: http://dx.doi.org/10.1590/1982-02592020v23n1p53

DOI: http://dx.doi.org/10.1590/1982-02592017v20n2p263


ESPAÇO TEMÁTICO - SERVIÇO SOCIAL: FORMAÇÃO, TRABALHO PROFISSIONAL E TENDÊNCIAS TEÓRICAS CONTEMPORÂNEAS

Transformações societárias: repercussões no serviço social

Viviane Medeiros dos Santos1https://orcid.org/0000-0003-0274-8066

1Universidade Federal de Alagoas, Programa de Pós-Graduação em Serviço Social, Maceió, AL, Brasil

Transformações societárias: repercussões no serviço social

Resumo: O presente artigo objetiva debater os impactos e os desafios postos ao Serviço Social em face das transformações societárias no capitalismo contemporâneo que têm se refletido em todos os aspectos da vida social. A análise deste trabalho fundamenta-se na pesquisa bibliográfica através de revisão de literatura das obras de Paulo Netto, Guerra, Iamamoto e Souza. A partir das análises, evidencia-se que a crise do capital gera transformações, as quais têm demandado alterações societárias de todas as ordens e dimensões da vida social, de que não se têm esquivado as profissões, sobremodo o Serviço Social. A profissão se insere no processo de precarização tanto na formação como no exercício profissional, através de vínculos flexíveis, instáveis e, muitas vezes, destituídos de direitos trabalhistas e previdenciários. Constatam-se os ataques às políticas sociais, com a mercantilização, a seletividade e a focalização destas, bem como a reposição de práticas e teorias conservadoras, que têm achado terreno fértil à sua disseminação.

Palavras-chaves: Transformações societárias. Serviço Social. Crise.

Societal transformations: repercussions on social work

Abstract: This article discusses the impacts and challenges of social work in the context of societal transformations in modern capitalism, reflected in all aspects of social life. The analysis is based on bibliographic research through a literature review of the works by Paulo Netto, Guerra, Iamamoto, and Souza. The study observes that the crisis of capital triggers changes that have demanded broad societal transformations, including transformation in professions and, particularly, social work. The profession of social work is part of a broad process of labor precariousness, involving both training and professional practice. It is a process marked by flexible and unstable contracts, often without labor and social security rights. The study points out the attacks on social policies based on policy commodification, selectivity, and focalization. Also, it is possible to identify the resumption of conservative theories and practices, which have found fertile ground to be disseminated.

Keywords: Societal Transformations. Social Work. Crisis.

Recebido em 30.05.2019. Aprovado em 17.09.2019. Revisado em 11.11.2019.

© O(s) Autor(es). 2020 Acesso Aberto Esta obra está licenciada sob os termos da Licença Creative Commons Atribuição-NãoComercial 4.0 Internacional (https://creativecommons.org/licenses/by-nc/4.0/deed.pt_BR), que permite copiar, distribuir e reproduzir em qualquer meio, bem como adaptar, transformar e criar a partir deste material, desde que para fins não comerciais e que você forneça o devido crédito aos autores e a fonte, insira um link para a Licença Creative Commons e indique se mudanças foram feitas.

R. Katál., Florianópolis, v. 23, n. 1, p. 53-62, jan./abr. 2020 ISSN 1982-0259

53

Page 54

54 Viviane Medeiros dos Santos

Introdução

Desde o final dos anos 60 e o início dos anos 70, o mundo contemporâneo tem adentrado naquilo que István Mészáros considera como uma “crise estrutural do capital1”. Esta tem demandado alterações societárias de todas as ordens e dimensões da vida social, afetando as profissões, sobremodo o Serviço Social. A literatura acerca da profissão tem buscado entender os fenômenos atuais, muitos transvestidos de novos, mas que buscam reafirmar velhas práticas no cenário contemporâneo.

A crise tem requisitado mudanças desde a produção até o setor de serviços, como o processo de reestruturação produtiva, que tem reorganizado as formas de trabalho e gestão. O padrão que se tem em voga é o de uma intensificação da precarização do trabalho, concretizada na terceirização e quarteirização do trabalho e no trabalho temporário, no qual a flexibilização dos vínculos, a alta rotatividade e a destituição de direitos trabalhistas e previdenciários têm sido a tônica2.

Mota e Amaral (2013) argumentam ser preciso levar em consideração que a intensidade e a densidade do processo de restauração do capital dependem da conjuntura histórica de cada país e região, contudo, apresentam três processos inter-relacionados: novos mecanismos de exploração da força de trabalho, que implicam diretamente as relações e condições de trabalho; o reordenamento na atuação do Estado, nas medidas de (des)regulamentação do trabalho, na supressão de direitos sociais e nos processos de privatização/ mercantilização na esfera pública; e, por fim, as mudanças culturais e ideológicas na sociabilidade das classes trabalhadoras, no seu modo de ser e viver.

Nesse processo, o Estado tem se adequado às requisições e demandas do mercado. Em consonância com os preceitos neoliberais, tem atuado com vistas à reposição das taxas de lucro do capital, abrindo caminhos para a exploração do capital em áreas até então de sua responsabilidade. Tal processo tem se dado com a privatização de empresas estatais e das políticas sociais; como exemplo, a entrega de serviços de saúde para serem geridos pelo setor privado, com o financiamento do Estado; bem como com as isenções e subvenções aos planos privados de saúde. No que se refere à educação, com o Programa Universidade para Todos (PROUNI), mediante o qual o Estado subsidia bolsas em instituições de ensino superior privadas, ao invés de ampliar as vagas nas universidades públicas.

Outro aspecto a ser pontuado refere-se à manifestação ideológica, ao conhecimento, à concepção de mundo e sociedade prevalente. Segundo Maranhão (2013), neste novo cenário atual, o mundo vive sob o impacto das transformações de um capitalismo em crise global, em que o pensamento irracionalista tem ganhado cada vez mais espaço nas ciências humanas e sociais.

A partir das reflexões de Lukács, Souza (2016) observa que nos momentos de crise o capital tende a reforçar a perspectiva anti-histórica, negando a historicidade e metamorfoseando-a num tipo de pensamento que tende à destruição da razão. As relações sociais mediatizadas pela efemeridade e pelo fetiche da mercadoria, em que a razão tende a mistificar a realidade, e a apreensão dos fundamentos dos fenômenos passam a ser negadas.

O Serviço Social tem vivenciado esse processo de precarização (na formação e no exercício profissional) em face da mercantilização das políticas sociais, com a reposição de práticas e teorias conservadoras, o que se reflete tanto na formação como no exercício profissional. Os enfrentamentos das transformações societárias têm se tornado um desafio diante dos dilemas intrínsecos à profissão, o que Paulo Netto (2018) conceitua como “sincretismo”, propiciando o retorno de velhas práticas presentes na profissão, como também do conservadorismo, o qual tem ganhado terreno e aliados.

Transformações societárias em tempos de crise do capital

Para entender as profundas transformações societárias presentes em nossa sociedade, é preciso levar em consideração a crise do capital, que segundo Paulo Netto (2013) emerge desde os anos 1970 e tem redesenhado o perfil do capitalismo contemporâneo, o qual apresenta traços novos e inéditos. Conforme o autor, “estas transformações estão vinculadas às formidáveis mudanças que ocorreram no ‘mundo do trabalho’ e que chegaram a produzir as equivocadas teses do ‘fim da sociedade do trabalho’ e do ‘desaparecimento do proletariado como classe’” (2013, p. 20). Todavia, as transformações apesar de terem intrínseca relação com a produção, envolvem toda totalidade social.

São próprias deste sistema as crises cíclicas que, desde a segunda década do século XIX, ele vem experimentando regularmente. E que, seja dito de passagem, não conduzem o capitalismo a seu fim: sem a intervenção de massas de milhões de homens e mulheres organizados e dirigida para a sua destruição,

R. Katál., Florianópolis, v. 23, n. 1, p. 53-62, jan./abr. 2020 ISSN 1982-0259

Page 55

Transformações societárias: repercussões no serviço social

o capitalismo, mesmo em crise, deixado a si mesmo só resulta em mais capitalismo (PAULO NETTO, 2013,
p. 20, grifo do autor).

Ressalta o autor que há um tipo de crise que o capitalismo experimentou integralmente, por duas vezes, até hoje: “a chamada crise sistêmica, que não é uma mera crise que se manifesta quando a acumulação capitalista se vê obstaculizada ou impedida. A crise sistêmica se manifesta envolvendo toda a estrutura da ordem do capital” (PAULO NETTO, 2012, p. 415).

Localizando historicamente, o citado autor revela que a primeira dessas crises ocorreu em 1873, tendo a Europa como centro, e durou 23 anos, sendo marcada por uma depressão que se prolongou por mais de duas décadas. A segunda crise sistêmica deu-se em 1929, tendo se espraiado por todo o globo terrestre durante 16 anos.

Para Paulo Netto (2012), a crise que se vivencia tem natureza sistêmica. Foi sinalizada com a crise da Bolsa de Nova Iorque, em 1987, embora aparentemente aparecesse como crises localizadas. Ainda de acordo com este autor, as crises que se seguiram, a dos Tigres Asiáticos, a crise da Bolsa de Nasdaq, a crise da bolha imobiliária e, mais recentemente, a crise do Euro, consideradas isoladas e independentes, fazem parte de uma só crise:

São indicadores da emergência de uma nova crise sistêmica do sistema capitalista e que apresenta traços inéditos em relação às duas anteriores. Aqueles que não compreenderem estas particularidades da crise contemporânea provavelmente vão considerar que há remédios para...

Para continuar a ler

PEÇA SUA AVALIAÇÃO

VLEX uses login cookies to provide you with a better browsing experience. If you click on 'Accept' or continue browsing this site we consider that you accept our cookie policy. ACCEPT