Transexualidade no stj: desafios para a despatologização à luz do debate Butler-Fraser

AutorMaria Eugenia Bunchaft
CargoProfessora do Programa de Pós-Graduação em Direito da UNISINOS
Páginas343-376
R N E J - E, V. 21 - . 1 - - 2016
ISSN E 2175-0491
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D: 10.14210/nej.v21n1.p343-376
Transexualidade no
sTJ: desafios para a
despaTologização à luz
do debaTe buTler-fraser
TRANSEXUALIDAD EN EL STJ: RETOS PARA LA DESPATOLOGIZACIÓN A LA LUZ DEL
DEBATE BUTLER-FRASER
TRANSEXUALIDAD EN EL STJ: RETOS PARA LA DESPATOLOGIZACIÓN A LA LUZ DEL
DEBATE BUTLER-FRASER
Maria Eugenia Bunchaft1
1 Professora do Programa de Pós-Graduação em Direito da UNISINOS. Pós-Doutora em
Filosoa pela UFSC. Doutora e Mestre em Teoria do Estado e Direito Constitucional pela
PUC-Rio. Professora de Direito Constitucional da Graduação em Direito da UNISINOS.
Orientadora de Mestrado. Autora do livro “Ativismo Judicial e minorias: Filosoa Consti-
tucional do Reconhecimento. Curitiba: Juruá, 2014” e “Patriotismo Constitucional: Jürgen
Habermas e a Reconstrução da Ideia de Nação na Filosoa Política Contemporânea. Curi-
tiba: Juruá, 2015. mbunchaft@ig.com.br
Esse artigo é resultado da coordenação de dois projetos de pesquisa. O primeiro projeto é
intitulado “Direitos fundamentais de grupos estigmatizados na jurisprudência do STJ, STF e
Suprema Corte norteamericana à luz da losoa do reconhecimento”, nanciado pela UN-
ISINOS. O segundo projeto é relativo à coordenação do Projeto aprovado e nanciado pela
FAPERGS, intitulado “Judicialização, Deliberação e Minorias LGBT: uma reexão sobre os
contextos brasileiro e norteamericano”, relativo ao Edital Pesquisador Gaúcho 02/ 2014.
D : www.univali.br/periodicos
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Resumo: Este artigo analisa os direitos de transexuais na
jurisprudência do Superior Tribunal de Justiça (STJ) à luz do
debate Butler-Fraser. O debate Butler-Fraser é fundamental para
a compreensão da discussão sobre os direitos fundamentais
de transexuais, expressa no julgamento do Recurso Especial n.
1.008.398-SP, elucidando a estratégia argumentativa implícita no
voto da Ministra Nancy Andrigui que, embora seja um passo na
trajetória da despatologização na jurisprudência brasileira, ainda
mantém o binarismo de gênero como uma estrutura teórica de
decisão.
Palavras-chave: Transexualidade. Reconhecimento. Gênero.
Butler. Fraser.
Abstract: This essay analyzes the rights of transsexual people in
the jurisprudence of the Superior Court of Justice, in light of the
Butler-Fraser debate. This debate is fundamental to understanding
the discussion of the fundamental rights of transsexuals
expressed in the judgment of Special Appeal n. 1.008.398-SP,
elucidating the argumentation strategy implicit in the vote of
Minister Nancy Andrigui which, although it is a step on the path
to depathologization in Brazilian jurisprudence, still maintains
gender binarism as a theoretical framework for decision-making.
Keywords: Transsexuality. Recognition. Gender. Butler. Fraser.
Resumen: Este artículo analiza los derechos de los transexuales en
la jurisprudencia del Superior Tribunal de Justicia (STJ) a la luz del
debate Butler-Fraser. El debate Butler-Fraser es fundamental para
la comprensión de la discusión sobre los derechos fundamentales
de los transexuales, expresada en el juzgamiento del Recurso
Especial n. 1.008.398-SP, elucidando la estrategia argumentativa
implícita en el voto de la Ministra Nancy Andrigui que, aunque
sea un paso en la trayectoria de la despatologización en la
jurisprudencia brasileña, todavía mantiene el binarismo de género
como una estructura teórica de decisión.
Palabras clave: Transexualidad. Reconocimiento. Género. Butler.
Fraser.
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Introdução
A
transexualidade é um dos temas mais controversos da bioética. A
temática é encoberta por autocompreensões assimétricas de mundo
vinculadas a uma moralidade tradicional religiosa as quais terminam por
minimizar a necessidade de desconstrução do binarismo de gênero. Em face dessa
interpretação, alguns tribunais têm partido de uma leitura moral do ordenamento
jurídico e de uma perspectiva reconstrutiva, superando visões assimétricas de
mundo. O objetivo geral do presente trabalho, portanto, se concentra em investigar
a efetivação dos direitos fundamentais de transexuais na jurisprudência do Superior
Tribunal de Justiça (STJ), à luz do debate Butler-Fraser.
Diante dessa estrutura conceitual, os estudos contemporâneos sobre sexualidade
demonstram que a concepção binária de gênero do Ocidente e o alinhamento
automático entre sexo anatômico e identidade sexual conguram categorias
construídas culturalmente. A pluralidade de identidades de gênero, que não se
enquadra no binarismo convencional, não pode ser utilizada como fundamento para
a sua patologização, a qual potencializa estigmas e incrementa a discriminação.
Assim, a losoa do reconhecimento de Nancy Fraser se desvela como
essencial para a desconstrução da concepção binária de gênero. De outro lado,
o livro Problemas de Gênero, de Judith Butler, traz uma contribuição teórica
fundamental que reete a “terceira onda” do Movimento Feminista. Butler sublinha
que a identidade da mulher, sustentada pelo movimento feminista, assume
uma dimensão excludente, posto que inexistem atributos sexuais humanos que
sejam estáveis e permanentes. Ademais, analisa as identidades de gênero que se
encontram submetidas a estruturas de poder - como gays, lésbicas e transgêneros.
A ideia é questionar o binarismo de gênero.
Contudo, por que motivo se faz imprescindível a compreensão acerca do debate
Butler-Fraser na análise da temática dos direitos de transexuais na jurisprudência
do STJ? Recentes decisões judiciais do STJ na regulamentação do direito à
mudança de prenome e de sexo por transexuais inspiram uma possível discussão

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