Instituição do estado transexual (o Direito de 4.ª geração) - Transexual state institution (the fourth generation right)

AutorFernando Carlomagno
CargoAcadêmico de Direito da Faculdade de Direito Prof. Damásio de Jesus (FDDJ).

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Daniel Jorge de Freitas

Instituição do estado transexual (o Direito de 4.ª geração)

COELHO, Fábio Ulhoa. Comentários à Nova Lei de Falências. São Paulo: Saraiva, 2005.

NEGRÃO, Ricardo. Aspectos objetivos da Lei de Recuperação de Empresas e de Falências. São Paulo: Saraiva, 2005.

PROENÇA, José Marcelo Martins. Direito comercial 2. São Paulo: Saraiva, 2005.

TOLEDO, Paulo F. C. Salles de; ABRÃO, Carlos Henrique. Comentários à Lei de Recuperação de Empresas e Falência. São Paulo: Saraiva, 2005.

VERÇOSA, Haroldo. Do administrador judicial e do Comitê de Credores. In: SOUZA JUNIOR, Francisco Satiro de; PITOMBO, Antonio Sérgio A. M. (Coord.). Comentários à Lei de Recuperação de Empresas e Falência. São Paulo: RT, 2005.

INSTITUIÇÃO DO ESTADO TRANSEXUAL (O DIREITO DE 4.ª GERAÇÃO)

TRANSEXUAL STATE INSTITUTION (THE FOURTH GENERATION RIGHT)

Fernando Carlomagno*

Resumo: o presente trabalho tem como núcleo central a problemática do transexualismo, mais especificamente a carência legislativa no que se refere ao tema. Salvaguarda-se, entretanto, o direito da instituição do estado transexual nos indivíduos portadores desse distúrbio mental curável, embasando-se, simplesmente, nas garantias e nos direitos fundamentais expressos na Constituição Federal.

Palavras-chave: Legalidade. Instituição. Estado transexual.

Abstract: this work has as its main issue the transsexuals. It covers specifically the lack of laws related to this subject. However, the right to institute the transsexual condition in those holders of this curable metal disorder is guaranteed, based simply on the Federal Constitutional guaranties and fundamental rights.

Keywords: Legality. Institution. Transexual state.

“Tudo é permitido ao homem, em relação a si mesmo, exceto se expressamente proibido no Direito” (GOMEZ DE AMESCUA, Tractats de Potstaten se ipsun, em 1604).

1. INTRODUÇÃO

Os fatos e os valores sociais são dinâmicos. O Direito é ciência que objetiva regrar e impor limites aos anseios sociais, sendo, portanto, aquele comprometido com o avanço do outro, fato este transcrito na expressão: ubi jus, ibi societas; ubi societas, ibi jus.

Diante dessa situação, há que se notar a impossibilidade de o Direito ser matéria estática, devendo se adequar para regulamentar situações cotidianas. Dentre essas situações, encontra-se o núcleo do presente trabalho: o transexualismo, analisando-se as questões psicológicas, psiquiátricas, sociais e legais envolvidas acerca do tema.

* Acadêmico de Direito da Faculdade de Direito Prof. Damásio de Jesus (FDDJ).

Revista Jurídica Logos, São Paulo, n. 2, p. 81-94, 2006

Revista Jurídica Logos, São Paulo, n. 2, p. 95-114, 2006

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2. ESTADO DA PESSOA HUMANA E SUAS VARIABILIDADES

O estado da pessoa humana é o modo pelo qual um sujeito se dispõe (entenda-se: comporta-se) perante a sociedade. O estado da pessoa humana considerado normal é aquele que se amolda ao comportamento padrão e quase geral da sociedade na qual o indivíduo vive. Trata-se, então, do chamado homem médio. Frise-se que o estado padrão de cada indivíduo varia de acordo com o local onde vive, sofrendo, assim, inúmeras influências do meio externo.

Na sociedade brasileira, predominantemente cristã e monogâmica, pregase o bom relacionamento dos cidadãos entre si e, também, entre o Estado e os cidadãos. Prova disso é a Constituição Federal de 1988, que traz uma grande gama de direitos e garantias dos cidadãos.

Não são vistos com bons olhos na sociedade nacional, porém, os indivíduos que possuem qualquer distúrbio de natureza sexual exacerbada. Dessa forma, o transexualismo, um distúrbio curável de identidade, não é bem aceito pelos brasileiros.

O transexualismo é uma variabilidade do estado da pessoa humana. É, portanto, uma inconstância do modo pelo qual o indivíduo se dispõe perante a sociedade.

O tema núcleo deste trabalho é o direito à instituição do estado transexual em indivíduos que sofrem desse distúrbio. Assim, para o desenvolvimento saudável da leitura, é necessário focar, primeiramente, no significado da expressão “estado transexual”. Entende-se como estado do transexual, portanto, a adequação do sexo morfológico ao sexo psicossocial por meio da cirurgia de adequação e da redesignação do nome e do estado sexual no Registro Civil.

3. CONSIDERAÇÕES PRIMORDIAIS

3.1. FORMAS DE IDENTIFICAÇÃO SEXUAL

Para efeitos jurídicos, há, no Brasil, dois gêneros de seres humanos, a saber: a) o do sexo masculino; b) o do sexo feminino. São eles considerados para efeitos de exercício do Direito, ao passo que cada um tem suas garantias e obrigações inerentes à sua sexualidade.

Na biologia mundial, subsistem inúmeras maneiras de identificação sexual, dentre elas destacam-se: a) sexo cromossômico; b) sexo gonádico; c) sexo morfológico.

O sexo cromossômico define-se com a união entre o cromossomo sexual “X”, existente no óvulo, e o cromossomo sexual “Y”, contido no

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espermatozóide. Quando há a hibridez do indivíduo, isto é, quando há junção do cromossomo “X” com o cromossomo “Y”, haverá a gestação de um ser humano masculino e, havendo a união entre dois cromossomos “X”, gestarse-á um indivíduo feminino.

Já o sexo gonádico (ou gonadal) determina se o indivíduo é do sexo masculino ou feminino por meio da predominância hormonal. Dessa forma, se predominar a testosterona, o indivíduo será do sexo masculino; por outro lado, se predominar o estrogênio, classifica-se o indivíduo como do sexo feminino.

Por fim, o sexo morfológico diz respeito à aparência de um ser no seu aspecto genital, ou seja, será do sexo masculino o indivíduo que possuir como caracteres primários da sexualidade o pênis, o escroto e os testículos, enquanto o indivíduo que possuir a vagina, o útero, as trompas e os ovários é do sexo feminino.

Há, entretanto, duas espécies de sexo que são indiretamente abrangidas, em conjunto, pela Biologia, Direito e Psicologia. São eles: a) o sexo legal, jurídico ou civil; b) o sexo psicossocial.

O sexo legal, jurídico ou civil é o mesmo utilizado pelo sistema médico, isto é, o gonádico, ao passo que a predominância hormonal é fator definidor do sexo do indivíduo. Essa espécie de sexo é demonstrada mediante a anotação no Registro de Nascimento, feito no Cartório de Registro Civil de Pessoas Físicas. Ele versa na deliberação do sexo de um indivíduo em suas relações na sociedade.

O sexo psicossocial diz respeito à

reação psicológica do indivíduo frente a determinados estímulos. É aquele em que o indivíduo, realmente, acredita pertencer, sendo resultante do intercâmbio genético, fisiológico e psicológico que se formou dentro de uma determinada atmosfera sociocultural (ASSIS, 2004).

A importância da análise do sexo psicossocial é fundamental para o discorrer sobre o assunto em tela, pois os indivíduos transexuais crêem pertencer ao sexo oposto ao que efetivamente pertencem nas classificações biológicas para o sexo. É, portanto, uma maneira de identificação sexual divergente das demais.

3.2. BREVES CONSIDERAÇÕES SOBRE O SEXO JURÍDICO E O SEXO PSICOSSOCIAL

O vocábulo sexo observa diversos significados, a saber:

(lat sexu) 1 Zool Conjunto de caracteres, estruturais e funcionais, segundo os quais um ser vivo é classificado como macho ou fêmea. 2

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Conjunto de pessoas que têm a mesma organização anátomo-fisiológica no que se refere à geração: Sexo masculino, sexo feminino. 3 Instinto genésico, atração sexual ou sua manifestação na vida e na conduta: Problemas do sexo. 4 Conjunto de qualidades físicas que despertam o apetite sexual. 5 Os órgãos sexuais. 6 Bot Caráter ou estrutura das plantas ou de seus órgãos de reprodução, que as diferencia em masculinas e femininas. S. anal: relação sexual que envolve a introdução do pênis no ânus do(a) parceiro(a). S. forte: os homens. S. fraco: o belo sexo, as mulheres. S. oral: relação sexual que envolve o uso da boca para estimular os genitais do(a) parceiro(a). Ter o sexo na cabeça: só pensar em assuntos sexuais (DICIONÁRIO..., 2006).

Frise-se que a doutrina da psicologia considera sexo como duas vertentes. A primeira delas entende-o como “a parte física da relação sexual” (SILVA, 1983,
p. 7). O outro entendimento pressupõe sexo “como o status sexual, masculino ou feminino” (CHAVES, 1994, p. 126).

Para a ciência jurídica, determinar o sexo do indivíduo é de suma importância, posto que dele decorrem direitos e deveres para com a sociedade.

A determinação do sexo jurídico não se dá somente com a mera observação externa do órgão genital do nascituro. De fato, é o primeiro fator determinante, mas nem sempre se dá com essa exclusiva observação, pois há a possibilidade de o ser humano nascer com ambos os sexos – são os indivíduos denominados hermafroditas. Eles nascem com ambos os órgãos genitais, mas só será possível determinar o sexo efetivo da pessoa para fins jurídicos após o seu crescimento, quando, então, haverá a predominância dos hormônios definidores do sexo morfológico.

O sexo psicossocial é mais complexo que uma simples observação da predominância hormonal. Ele, apesar de sofrer influência pré-natal, é fortemente entusiasmado e marcado durante o desenvolver do indivíduo na sociedade, pois

nessa fase as influências recebidas são responsáveis pela estruturação do comportamento da pessoa e pela sua identificação sexual, podendo o ambiente psicossocial em que a criança se desenvolve se encarregar de manter diferenças entre masculino e feminino ou estimulá-las (PERES, 2001, p. 85-87).

O produto final do sexo psicológico será, então, “a percepção do indivíduo de si mesmo, como homem ou mulher” (PERES...

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