A tradução dos suportes fáticos

AutorKarem Jureidini Dias
Páginas183-234
183
CAPÍTULO V
A TRADUÇÃO DOS SUPORTES FÁTICOS
“A feição característica de todo povo livre é o direito de tributar
a si mesmo”
Rui Barbosa210
1. Introdução
Na empreitada de analisar pragmaticamente a tradução
dos suportes fáticos, iniciamos por retomar o conceito que
adotamos de suporte fático. Apesar de nos valermos insis-
tentemente dos ensinamentos de Pontes de Miranda – na
premissa de que não entendemos que a incidência ocorre
de forma automática e infalível e na premissa de que só po-
demos tratar daquilo que vertido em linguagem jurídica –,
quando discorremos sobre o suporte fático, estamos discor-
rendo sobre algo que está no plano jurídico. Tomamos por
suporte fático apenas aquilo que está demonstrado em lin-
guagem jurídica, único meio de transferir o acontecimento
social para o campo deôntico. Bom deixar claro que o Direi-
to pode colher inúmeras materialidades por suporte fático,
desde que correspondam a uma versão jurídica. O suporte
fático pode ser fato, ato, norma ou relação.
210.
Obras Completas, Vol. II, Tomo I, Rio de Janeiro, Ministério da Cultura, 1987, p. 244.
184
KAREM JUREIDINI DIAS
Não tratamos o suporte fático como um dado da realidade
marcado pelo jurídico, mas recebemos o suporte fático como
uma versão aferida pelo conjunto dos seus critérios identifi-
cadores, em face da valoração semântica de seus conceitos
normatizados. A relação de validade, então, reporta-se a uma
verdadeira tradução, porque equivale a uma comparação de
enunciados: o enunciado do suporte fático ou do conjunto de
suportes fáticos e o enunciado do fato jurídico tributário.
O enfoque intranormativo subdivide-se na análise de
contradição ou contrariedade entre a proposição anteceden-
te e a consequente (interproposicional) e no interior da cada
uma delas (intraproposicional).211 Não há que se admitir
enunciados contrários ou contraditórios relativos aos supor-
tes fáticos, isto é, relativamente a cada um ou entre eles, des-
de que sejam todos necessários à configuração do conjunto
suficiente de suportes fáticos, sob pena de comprometer a
proposição do fato jurídico tributário.
Quando o fisco analisa os suportes fáticos, não tem ele
competência para invalidá-los juridicamente, salvo se tais su-
portes correspondem também a fato jurídico tributário sob
mesma competência e, mesmo assim, muitas vezes necessário
procedimento prévio e autônomo de contestação do suporte
fático enquanto fato jurídico. Noutras palavras, o fisco sempre
toma o suporte fático com a validade jurídica ou o resultado
juridicizado (no caso de experiência colateral juridicizada)
sem contestá-lo para efeito da relação jurídica dele decorren-
te, tão comumente estabelecida no âmbito do Direito Privado.
Mas, ainda que incompetente para constituir ou desconstituir
direito noutra esfera jurídica ou tratar de outra ciência, cum-
pre ao sujeito revisor a tradução do suporte fático no contexto
inteiro do ordenamento jurídico e segundo as regras interpre-
tativas próprias do Direito Tributário.
211. As proposições tautológicas não são recomendáveis pela lógica, mas não enten-
demos que invalidam o fato jurídico, porquanto não implicam exclusão de proposi-
ção verdadeira e necessária.
185
FATO TRIBUTÁRIO:
REVISÃO E EFEITOS JURÍDICOS
Um fato ou ato jurídico que compõe o suporte fático do
fato jurídico tributário tem presunção de validade enquanto
prova do que representa, prova esta que só pode ser elidida
mediante contraprova. Se a contraprova não for suficiente, a
validade daquele elemento de suporte fático surtirá seus efei-
tos, na proporção da importância que o fato ou ato jurídico
representa no conjunto de suportes fáticos, para implicar ou
impedir tributação, como elemento constitutivo ou impediti-
vo do fato jurídico tributário.
Custódio da Piedade Ubaldino Miranda212 estabelece uma
relação do fato ou ato jurídico com o seu sentido, asseverando
que, “para que se possa saber se o fato (comum ou negócio
jurídico) concreto, real é ou não do tipo previsto, é mister rea-
lizar-se uma operação lógica de subsunção (do fato concreto à
hipótese prevista em abstrato)”. Essa operação de subsunção,
que permite aferir a qualificação jurídica do fato ou do ato
jurídico, é uma valoração jurídica, que pode ter por objeto vá-
rias provas, em especial as declarações, os documentos ou os
comportamentos, desde que disciplinados pelo Direito e dota-
dos de relevância jurídica.
Debates se instauraram sobre a competência para desca-
racterização ou desconstituição de ato jurídico no âmbito do
Direito Tributário. Os fatos jurídicos em sentido amplo entram
para o Direito Tributário como suportes fáticos. O suporte fá-
tico não é nulo, nem anulável, tampouco passível de qualquer
consequência jurídica própria na seara fiscal. Nessa mesma
seara, o suporte fático é simplesmente suficiente ou não en-
quanto prova, ele só ou em conjunto, para a constituição ou
para o impedimento de constituição do fato jurídico tributário.
Apesar de o fato jurídico ser sempre o que é, indepen-
dentemente da seara jurídica, ele pode ser tomado sob diver-
sas perspectivas – como produto (fato jurídico tributário) ou
como suporte fático – e analisado conforme a finalidade, nos
212. Interpretação e integração dos negócios jurídicos, São Paulo, Editora Revista
dos Tribunais, 1989, p. 98.

Para continuar a ler

PEÇA SUA AVALIAÇÃO

VLEX uses login cookies to provide you with a better browsing experience. If you click on 'Accept' or continue browsing this site we consider that you accept our cookie policy. ACCEPT