A tradição dos contos de fada e a sobrevivência de matrizes culturais femininas nas narrativas cinematográficas infantis

AutorHeloisa Porto Borges - Rodrigo Fonseca Rodrigues
CargoMestre em Estudos Culturais Contemporâneos pela Universidade da Fundação Mineira de Educação e Cultura, Belo Horizonte, MG, Brasil - Doutor em Comunicação e Semiótica pela Pontifícia Universidade Católica de São Paulo
Páginas109-127
R. Inter. Interdisc. INTERthesis, Florianópolis, v.15, n.2, p.109-127 Set.-Dez. 2018
ISSN 1807-1384 DOI: 10.5007/1807-1384.2018v15n3p109
Artigo recebido em: 04.04.2018 Revisado em 22.06.2018 Aceito em: 30.07.2018
Esta obra está licenciada com uma Licença Creative Commons
A TRADIÇÃO DOS CONTOS DE FADA E A SOBREVIVÊNCIA DE MATRIZES
CULTURAIS FEMININAS NAS NARRATIVAS CINEMATOGRÁFICAS INFANTIS
Heloisa Porto Borges
1
Rodrigo Fonseca Rodrigues
2
Resumo:
O principal objetivo deste artigo é o de refletir acerca dos valores culturais que são
continuamente reproduzidos pelas narrativas cinematográficas ao longo de
gerações. Estes valores que podem ser (re) construídos através das imagens e
narrativas, utilizam-se de condutas legitimadas socialmente como elos
mediadores da memória coletiva, reconectando o passado ao contemporâneo. Ao
analisarmos historicamente as produções cinematográficas dos estúdios Disney e
suas personagens de princesas, percebemos que, embora uma desconstrução de
estereótipos femininos possa ser evidenciada, persistem alguns valores tradicionais,
que podem ou não ser ressignificados à medida em que a mulher consegue se
emancipar culturalmente.
Palavras-chave: Matrizes Femininas. Princesas. Contos de Fada. Narrativas
Cinematográficas.
1 INTRODUÇÃO
A infância moderna e suas formas de entretenimento e consumo estão desde
o início do século XX entrelaçadas à magia do enredo e aos personagens que fazem
parte das produções cinematográficas infantis. Inicialmente reconhecido como
Disney Brothers Studio, os estúdios “ Disney” foram os primeiros a se diferenciaram
no mercado cinematográfico ao desenvolverem, ainda em 1923, suas primeiras
animações destinadas especificamente ao gênero infantil. Martin-Barbero (2009)
enfatiza que o gênero não deve ser percebido apenas como uma classificação da
narrativa audiovisual, mas como um mecanismo pelo qual se constrói o
reconhecimento. Sob este ponto de vista é que podemos dizer que esta
segmentação foi imprescindível ao direcionamento e ao reconhecimento dos
estúdios Disney dentro do mercado cinematográfico mundial.
1
Mestre em Estudos Culturais Contemporâneos pela Universidade da Fundação Mineira de
Educação e Cultura, Belo Horizonte, MG, Brasil E-mail: heloisapborges@hotm ail.com
2
Doutor em Comunicação e Semiótica pela Pontifícia Universidade Católica de São Paulo. Pós-
doutoramento em Ciências da Linguagem, pela Universidade Nova de Lisboa, Portugal. Professor
Adjunto da Universidade da Fundação Mineira de Educação e Cultura, Belo Horizonte, MG, Brasil E-
mail: rfonseca@fumec.br
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Visto inicialmente como arte popular, nômade e plebeu, onde se
protagonizavam os melodramas sociais sobre os teatros de arena (principalmente
através de atrações circenses), o espetáculo da interpretação só se modernizou a
partir de sua transposição para a sala escura, quando o aperfeiçoamento técnico
transformou aquilo que o olho em espetáculos tecnicamente mediados,
destinados principalmente ao consumo coletivo das massas. O cinema, portanto,
estimulou uma nova forma de consumo e de mercado, em que o comércio do
imaginário além de interligar uma cadeia econômica de interesses, passou a
influenciar nas relações entre os indivíduos e na sua percepção acerca de si
mesmos e da própria sociedade. As relações mediadas por imagens se tornaram
estímulos ao consumo, os personagens imaginários passaram também a ganhar
significações culturais. Dentro deste processo, os estúdios cinematográficos da
Disney também passaram a reforçar modelos e padrões de condutas sociais, tendo
como elemento “chave” a reformulação de personagens que possibilitem uma
conexão épica mantendo uma interlocução entre gerações.
As personagens de princesas como produtos de consumo se inseriram dentro
desse sistema e se mostraram extremamente lucrativas, sendo inclusive
transformadas em bonecas, mochilas, estojos, merendeiras e outros materiais
dentro de uma franquia própria, denominada “princesas Disney”. Este reencanto ao
mundo maravilhoso das princesas nos leva a crer que os modelos femininos estão
associados acima de tudo a questões subjetivas de conduta e admiração, e que nos
conectam à travessia de vida das próprias personagens. Este artigo, portanto,
pretende ressaltar a relação existente entre as personagens de princesa, a tradição
e os discursos sociais em que elas se inserem, além de buscar compreender os
elementos imagéticos que caracterizam estas personagens ao longo da história e a
relação projetada entre elas e as mulheres contemporâneas.
2 A TRADIÇÃO DOS CONTOS DE FADA E SUA RELEVÂNCIA COMO
MANTENEDORES DE VIRTUDES DO ESPÍRITO FEMININO.
Originária do latim traditio que remete ao conceito de "passar adiante", a
tradição é relacionada à transmissão de costumes, lendas, hábitos ou performances
que são passados de geração em geração através dos tempos. Sob este viés, a
tradição se relaciona à perpetuação cultural, ou seja, às experiências compartilhadas
entre gerações. Embora na antiguidade, o termo “cultura” se visse associado

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