Trabalho, punição e política social: notas sobre a gestão da miséria e da violência no capitalismo periférico tardio

AutorMatheus Boni Bittencourt
Páginas246-267
TRABALHO, PUNIÇÃO E POLÍTICA SOCIAL: notas sobre a gestão da miséria e da
violência no capitalismo periférico tardio
Matheus Boni Bittencourt1
Resumo:
Este artigo visa compreender, por meio de pesquisa bib liográfica e documental e abordagem da sociologia histórica, as
mudanças, no Brasil pós -autoritário, das instituições do trabalho e da punição sobre os processos de acumulação flexível e
global, de um lado, e de endurecimento punitivo, de outro. Evidencia que, no Brasil, historicamente, o desenvolvimentismo,
em versões mais ou menos democráticas ou autoritárias, populistas ou conservadoras, es truturou uma cidadan ia
estratificada. Conclui, ainda, que a transição democrática inaugurou uma concepção universalista e igualitária da cidadania,
cuja implementação foi limitada tanto pela tradição autoritária quanto pela ortodoxia macroeconômica. Dessa maneira, o
Brasil combinou inclusivismo e punitivismo, uma contradição latente que explodiu em conflito aberto com a dissolução da
coalizão lulista na crise política e econômica da década de 2010.
Palavras-chave: Cidadania. Trabalho. Punição. Política social.
WORK, PUNISHMENT AND SOCIAL POLICY: notes on the management of misery and viole nce on late peripherical
capitalism
Abstract:
This article goal is to understand, by bibliographic and documental research and the approach o f historical sociology, the
changes in the post-authoritarian Brazil of labor and penal institutions under the processes of flexible and globa l
accumulation, on the one hand, and punitive hardening, on the other. In Brazil, historically, the deve lopmentalism, in more or
less democratic or authoritarian versions, populist or conservative ways, structured a str atified citizenship. The democratic
transition inaugurated a universalist and egalitarian conception of citizenship, whose implementation was limited by both
authoritarian tradition and macroeconomic orthodoxy. In this way, Brazil combined inclusivism and punitivism, a latent
contradiction that exploded in open conflict with the dissolution of the lulist coalition into the economical and political crises of
2010s years.
Keywords: Citzenship. Labour. Punishment. Social Policy.
Artigo recebido em: 21/01/2019 Aprovado em: 04/04/2019.
DOI: http://dx.doi.org/10.18764/2178-2865.v23n1p246-267.
1 Graduado em Ciências Sociais. Doutorando em Sociologia pela Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS).
Especialista em desenvolvimento humano no governo do Espírito Santo. Pesquisador do Grupo de Pesquisa Violência e
Cidadania. Endereço: Rua Luiz Gonzalez Alvarado s/n- Ensea da do Suá, Vitória ES. CEP: 29050-380. E-mail:
matheusb2@yandex.com
Matheus Boni Bittencourt
247
1 INTRODUÇÃO
O objetivo deste artigo é analisar a conexão entre trabalho, punição e política social no
capitalismo brasileiro contemporâneo. Primeiramente procedemos a uma discussão teórica, a partir das
contribuições clássicas e contemporâneas, da teoria da punição de Durkheim aos debates atuais sobre
acumulação flexível e enrijecimento penal, passando pelo período de regulação fordista-taylorista e seu
defensivismo social. A seguir, enfocamos o processo de vinculação entre trabalho e punição no Bras il,
utilizando pesquisa bibliográfica e documental, cujas fontes incluíram de legislação, programas ( BRASIL,
2000, 2007) e estatísticas oficiais (BRASIL, 2006, 2012, 2013a, 2013b; INSTITUTO BRASILEIRO DE
GEOGRAFIA E ESTATÍSTICA, 2015) a inquéritos parlamentares (BRASIL, 2009)1 e obras literárias de
valor documental (SOARES, 2000; LINS, 2007; VARELLA, 2005, 2012, 2017). A análise desenvolvida
com base nessas fontes enquadra-se em uma perspectiva institucionalista histórica (HALL; TAYLOR,
2003).
Apesar de sofrer a influência e impacto dos processos socioeconômicos e político-penais
dos países capitalistas centrais, o passado colonial-escravista e a posição periférica na economia
internacional condicionaram peculiaridades à trajetória brasileira. O período fordista-taylorista
correspondeu, no Brasil, a um esforço nacional de modernização industrial retardatária e dependente,
baseado na substituição de importações, em versões mais ou menos populistas ou elitistas,
democráticas ou autoritárias, com suas correspondentes táticas de integração social e coerção policial-
penal. A crise do modelo de substituição de importações e a transição democrática, nos anos 1980, e a
inserção subordinada à globalização, nos anos 1990, reconfiguraram os termos do dilema: de uma
cidadania estratificada para uma tensão entre inclusivismo e punitivismo dentro das coalizões
governantes entre 2003 e 2014, que reuniam correntes políticas diversas. Contradição latente que
explodiu em conflito aberto com a crise econômica e política a partir de 2015.
2 TRABALHO, PUNIÇÃO E CAPITALISMO
A relação entre trabalho e punição foi observada na Sociologia Clássica de diferentes
perspectivas. De maneira geral, as concepções da organização do trabalho e dos dispositivos punitivos
tinham uma estreita correspondência entre si. A sociologia da ordem considerou as punições como
rituais, e os desvios como sintomas de desintegração social, considerando o trabalho como um
mecanismo de integração social. A sociologia conflitual, por outro lado, vinculou as práticas punitivas à
dominação social e o desvio como uma expressão da conflitualidade, considerando o trabalho como
organizado de maneira histórica, com destaque para as formas de exploração (na teoria crítica, alinhada
à economia marxista) ou de competição por recursos escassos no mercado (no paradigma weberiano,

Para continuar a ler

PEÇA SUA AVALIAÇÃO

VLEX uses login cookies to provide you with a better browsing experience. If you click on 'Accept' or continue browsing this site we consider that you accept our cookie policy. ACCEPT