O trabalho na Constituição francesa

AutorEdilton Meireles
Ocupação do AutorDesembargador do Trabalho (TRT/BA). Doutor em Direito (PUC/SP). Professor da UFBa e da UCSal
Páginas80-85

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7.1. Texto Constitucional

A Constituição da França de 1958225, relativa à da Quinta República, foi aprovada por referendo em 28 de setembro de 1958, tendo sido promulgada em 4 de outubro de 1958. Ela já foi alvo de algumas revisões parciais. A mais importante foi efetuada pela Lei Constitucional de 6 de novembro de 1962, que, basicamente, introduziu a eleição do presidente da República pelo sufrágio universal. Sua última revisão ocorreu em 2008.

Ela cuida, em especial, assim como a de 1946, de organizar a estrutura do Estado e do governo e as suas relações, estabelecendo as suas atribuições e responsabilidades, determinando os procedimentos a serem adotados e as competências legislativas. A Carta francesa, aliás, sequer contém cláusula garantindo os “direitos fundamentais”, não fazendo sequer referências aos “princípios fundamentais” ou aos “direitos de liberdade”.

Contudo, a Carta francesa trabalha com as categorias históricas “direitos humanos” e “liberdades civis”, daí porque a Constituição da V República incorpora uma série de disposições que dizem respeito principalmente aos textos históricos relativos aos direitos e liberdades, quais sejam, a Declaração dos Direitos do Homem e do Cidadão de 1789, o Preâmbulo da Constituição de 1946 e, mais recentemente, da Carta do Meio Ambiente de 2004226.

Todavia, como um efeito “dominó”, o Preâmbulo de 1946 se refere aos princípios fundamentais reconhecidos pelas leis da República, ou seja, os princípios estabelecidos pelas principais leis republicanas, incluindo as da Terceira República.

Assim, sustenta-se que não só todos os direitos republicanos ativos relativos à proteção dos direitos e liberdades incorporados na Constituição vigente, mas

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também os direitos e deveres que dizem respeito a questões novas e consideradas essenciais, tais como a proteção ambiental, são regras constitucionais.

Ocorre, porém, que todas essas regras de natureza e nível constitucional, no sentido pleno do termo, consistem em peças de diferentes épocas. Daí resulta que certas inconsistências podem aparecer entre elas. Basta citar que, no bloco de constitucionalidade, incluem-se, por exemplo, os princípios da Declaração dos Direitos do Homem e do Cidadão de 1789, inspirados pelo individualismo liberal, e os princípios mencionados no Preâmbulo da Constituição de 1946, marcados por forte tendência social. É certo, porém, que a solução dos problemas daí surgidos se torna uma questão de interpretação da Constituição.

Aliás, é de se ressaltar que, na evolução da jurisprudência francesa, denominou-se esse conjunto de regras e princípios de valor constitucional como “bloco de constitucionalidade”, ou seja, um conjunto de diplomas com status constitucional em face da força normativa conferida ao Preâmbulo da Constituição de 1958, que proclamou “solenemente a sua adesão aos Direitos Humanos e aos princípios da soberania nacional tal como foram definidos pela Declaração de 1789, confirmada e complementada pelo Preâmbulo da Constituição de 1946”.

É certo, entretanto, que esse bloco de constitucionalidade está em constante mudança227, tanto que, mais recentemente, a ele foi incorporada a Carta Ambiental de 2004. E isso decorre, ainda, do fato de o Preâmbulo da Constituição de 1946 se referir aos “princípios fundamentais reconhecidos pelas leis da República”. Ou seja, pela via oblíqua do Preâmbulo da Constituição de 1948 se inserem no bloco de constitucionalidade os “princípios fundamentais reconhecidos pelas leis da República”.

Tais princípios seriam “inlocalizados, princípios de geometria variável, princípios de conteúdo elástico ou de efeitos aleatórios”228, conquanto a Corte Constitucional seja restritiva no reconhecimento desses princípios fundamentais reconhecidos pelas leis da República229, impondo-se as seguintes condições para lhes conferir status constitucional: deve tratar-se de uma legislação republicana, aprovada antes da vigência do Preâmbulo de 1946 e não deve haver nenhuma exceção à tradição da regra respectiva230.

O que nos interessa, no entanto, é que a Carta francesa em vigor, em si mesmo, pouco se refere ao trabalho, conquanto, a partir da definição da República como democrática e social, possa-se alcançar, por meio dos princípios, as regras de proteção do labor. No texto constitucional, no entanto, apenas há referência à

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competência do Parlamento para dispor sobre o direito do trabalho, sindical e da seguridade social, a qual deverá estabelecer seus princípios fundamentais (art. 34)231.

Contudo, tendo em vista o bloco de constitucionalidade, ou seja, o conjunto de regras que compõem o arcabouço constitucional da República francesa, conforme já referido acima (Preâmbulo da Constituição de 1946, a Declaração dos Direitos do Homem e do Cidadão de 1789, a Constituição de 1958 e a Declaração do Meio Ambiente de 2004)232, temos algumas referências ao direito do trabalho233.

As referências ao direito do trabalho, no entanto, são extraídas em sua maior parte do Preâmbulo da Constituição de 1946234. Nele é que se encontra, na França, enfim, uma consagração efetiva, mas tímida, por assim dizer, dos direitos trabalhistas235.

Assim é que ele (Preâmbulo da Constituição de 1946) faz referência ao dever de trabalhar e ao direito ao trabalho (droit ‘a l’emploi)236, ao princípio da igualdade no trabalho e de acesso à formação profissional, à liberdade sindical (principe de la liberté syndicale), ao direito de greve, à negociação coletiva237 e à participação na gestão da empresa (principe de participation). Veda, ainda, que a pessoa possa ser lesada no seu trabalho ou no seu emprego por causa de suas origens, opiniões ou crenças. Da mesma forma, garante a todos a proteção da saúde, a segurança material, o descanso e a recreação (lazer), o que reflete nas limitações à jornada de trabalho (principe de sécurité matérielle)238.

7.2. O trabalho na Constituição francesa

O processo de constitucionalização do direito do trabalho na França, em verdade, é fruto da evolução jurisprudencial, em especial, nas duas ou três últimas

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décadas do século XX. “Fruto de um processo muito lento e difuso”239...

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