O trabalho na Constituição espanhola

AutorEdilton Meireles
Páginas80-89
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IX
O TRABALHO NA CONSTITUIÇÃO ESPANHOLA
9.1. Texto Constitucional
A Constituição espanhola de 27 de dezembro de 1978(512), seguindo a tendência das suas tradicionais
coirmãs da Europa, também trata de questões relacionadas ao trabalho, ainda que de uma forma mais
parcimoniosa quando se tem em mente a Constituição portuguesa.
Contudo, a economia no trato das questões de direito do trabalho não a torna menos preocupada com
os temas relacionados a este ramo da ciência jurídica. Isso porque suas poucas regras dirigidas diretamente à
relação laboral dão a devida dimensão de sua influência na formação do Estado Social espanhol.
Para tanto, basta lembrar que, conforme o art. 35 da Constituição espanhola (CE), todos os espanhóis
“têm o dever de trabalhar e o direito ao trabalho”, além da livre escolha da profissão ou de seu ofício (art.
35.1). Esse dispositivo, ainda, assegura a promoção da personalidade humana por meio do trabalho, com uma
remuneração capaz e suficiente para satisfazer suas necessidades e de sua família (art. 35.1 c/c 40.2). Essa
regra, aliás, por si só, de promoção da personalidade humana por meio do trabalho, já seria o suficiente para,
a partir da interpretação constitucional, alcançarmos todos os benefícios, vantagens e proteções dispensados
pelo legislador infraconstitucional espanhol aos trabalhadores assalariados.
No tratamento específico dado ao direito do trabalho, a Constituição do Reino Espanhol, por óbvio,
enquanto Estado Democrático de Direito, assegurou a igualdade em razão do sexo (art. 35, in fine).
O direito ao trabalho, por sua vez, está complementado pelo art. 40, que, ao lado de estabelecer que
cabe ao Poder Público promover as condições favoráveis para o progresso social e econômico, com uma
distribuição da renda de forma mais equitativa, preceitua que se deve desenvolver uma política orientada ao
pleno emprego.
Neste sentido, cabe ao Estado fomentar uma política que garanta a formação e a readaptação profissional,
velando pela seguridade e higiene do trabalho, além de garantir o descanso necessário, mediante a limitação
da jornada laboral, e com o gozo de férias remuneradas periódicas (art. 40.2).
Além disso, conforme art. 41, cabe ao Estado manter um sistema público de seguridade social que garanta
assistência e prestações sociais suficientes ante as necessidades, especialmente em caso de desemprego. Há
referência, ainda, à proteção dos deficientes físicos, mediante uma política de integração (art. 39), o que, por
óbvio, envolve sua inserção no mercado de trabalho.
Certo, ainda, que o art. 38 da CE reconhece a liberdade de empresa, estabelecendo que compete aos
Poderes Públicos garantir e proteger seu exercício, bem como a defesa da produtividade de acordo com as
exigências da economia, inclusive em face de sua planificação.
A liberdade sindical, por sua vez, está assegurada (arts. 7º e 28), sem, entretanto, deixar de ressaltar que
aos sindicatos dos trabalhadores e às associações empresárias cabe contribuir para a defesa e promoção dos
interesses econômicos e sociais que lhes são próprios (art. 7º).
Ao lado da liberdade sindical, garante-se, ainda, o direito à negociação coletiva entre os representantes
dos trabalhadores e empresários, assim como a força vinculante dos convênios normativos (art. 37).
(512) ESPANHA. Constitución Española. 27 dez. 1978. Disponível em:
ConstitucionCASTELLANO.pdf>. Acesso em: 29 ago. 2017.
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A Constituição espanhola, ainda, assegura o direito de greve para defesa dos interesses dos trabalhadores
(art. 28, n. 2).
O art. 25.2, por sua vez, garante ao detento trabalhador o direito à remuneração pelo seu trabalho,
assim como aos benefícios da seguridade social, além do acesso à cultura e ao desenvolvimento integral de
sua personalidade.
Há referência, também, aos “Colégios Profissionais” (art. 36), enquanto entidades de defesa e fiscalização
do exercício profissional.
A todos os cidadãos, foi assegurado o acesso à seguridade social (art. 41), especialmente em caso de
desemprego, com a participação dos interessados em sua gestão (art. 129). Conferiu-se, ainda, essa mesma
participação nas atividades de todos os organismos públicos cuja função afete diretamente a qualidade de
vida e o bem-estar (art. 129.1).
Neste trilhar, cabe ao Reino Espanhol promover as sociedades cooperativas, bem como estabelecer os
meios que facilitem o acesso dos trabalhadores à propriedade dos meios de produção (art. 129.2).
O papel do Estado espanhol na proteção dos trabalhadores fica, ainda, evidente no art. 42 da CE, que
estabelece que lhe cabe velar, em especial, pelos direitos econômicos e sociais dos trabalhadores espanhóis
no estrangeiro.
Por fim, ficou reservado ao Estado (art. 149.7) a competência para estabelecer a legislação laboral, sem
prejuízo de sua execução pelas Comunidades Autônomas.
9.2. O trabalho na Constituição espanhola
A Constituição espanhola, como não poderia deixar de ser, surgida em 1978, teve como fontes de
inspiração a Constituição italiana de 1947, a Lei Fundamental de Bonn, as Constituições francesas de 1946 e
1958 e a portuguesa de 1976(513).
E, como já dito, apesar de ser uma Constituição econômica no trato do direito do trabalho(514) em relação
à antecedente Constituição portuguesa, a Constituição espanhola, ao fazer menção a temas fundamentais
relacionados ao labor, acabou por ter em relevo esse valor na formação do Estado Social da Espanha.
Estabeleceu um novo marco nas relações laborais(515) em face do seu caráter social e democrático. Muito mais
do que a Constituição de 1931(516), apesar de esta dispor que a Espanha era “uma República democrática de
trabalhadores de toda classe que se organiza em um regime de liberdade e justiça” (art. 1º), já que, por não
ter esta a característica de carta social, não concretizou os ideais de proteção do trabalhador em um ambiente
verdadeiramente democrático(517).
De todo modo, essa aparente escassez(518) é compensada com a determinação constitucional de
aprovação de um “estatuto dos trabalhadores”, destinado a aperfeiçoar e substanciar os direitos trabalhistas
(513) CORREA, Jaime Montalvo. Modelo económico y social de la Constitución y relaciones laborales. In: LORENTE, Juan Antonio
Linares (Dir.). Jornadas sobre derecho del trabajo y Constitución. Madrid: IELSS, 1985. p. 241.
(514) Sobre os direitos inespecíficos dos trabalhadores, ou seja, aqueles que não somente incidem nas relações de emprego, cf. LOPEZ,
Manuel Carlos Palomeque. Los derechos laborales inespecíficos. In: Minerva — Revista de Estudos Laborais, Coimbra, n. 2, ano I, p.
173-194, 2003.
(515) OVIEDO, José Maria Martín. Las relaciones laborales en la nueva Constitución Española. Princípios, derechos, andatos y desabrollo
legislativo. In: Livro en homenaje ao maestro Mario de la Cueva. Instituto de Investigaciones Jurídicas. Estudios varios, México, n. 13,
p. 315, 1981.
(516) ESPANHA. Constitución de la República Española. 9 de dezembro de 1931. Disponível em:
edu/~chema/republica/constitucion.html>. Acesso em: 7 nov. 2017.
(517) Ademais, ao se referir aos trabalhadores de todas as classes, a Constituição espanhola de 1931 acabou por excluir dessa
categoria apenas os ociosos inveterados e os “parasitas sociais”, cf. TISSEMBAUM, Mariano R. El trabajo, protagonista de la ciencia
política constitucional y laboral. In: Livro en homenaje ao maestro Mario de la Cueva. Instituto de Investigaciones Jurídicas. Estudios
varios, n. 13. México: Universidad Autónoma de México, 1981. p. 428.
(518) Escassez em termos. Isso porque, com a Constituição de Portugal de 1978 e a Constituição grega de 1975, a Constituição
espanhola de 1978, em verdade, seguiu a tendência de incluir, cada vez mais, normas especificamente trabalhistas nas Cartas Magnas
dos países europeus, seguindo a tendência latino-americana. Diferentemente, pois, das Constituições das décadas de 1940 e 1950 do
século passado, que pouco se referiam ao direito do trabalho.
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(art. 35.2). Estatuto pensado como um sistema de proteção jurídica em favor dos trabalhadores dada sua
condição débil(519). Não uma simples lei a regular as relações de trabalho, mas uma lei concretizadora da
promessa constitucional de proteção ao trabalhador(520).
O texto constitucional espanhol de 1978, portanto, inaugurou um novo sistema de relações trabalhistas,
cuja mudança fundamental foi a potencialização da autonomia coletiva(521). Evidente que ela não é uma
Constituição socialista, nem pretendeu implantar esse regime na Espanha. Rompendo com o status quo
anterior, no entanto, ela não se mostra como sendo uma Carta totalitária, nem liberal. Revela-se como uma
Constituição compromissária, no sentido de buscar a implantação do Estado Social, que, por óbvio, não se
alcança apenas com a mudança da lei ou sua proclamação normativa.
Seguindo, porém, a trilha deixada pela Constituição portuguesa de 1976, a Carta Magna espanhola
também infiltrou o valor trabalho nos diversos ramos do direito. Ocorre, na Espanha, com a Constituição de
1978, a definitiva e irreversível constitucionalização do direito do trabalho, o que não seria novidade, por
causa dos precedentes das anteriores Cartas Sociais. Contudo, nela se percebe, tal como na Constituição
portuguesa de 1976 e nas suas congêneres latino-americanas, a “laborização” da Constituição(522), isto é, a
penetração do valor trabalho em outros setores legislados constitucionalmente.
Neste sentido, e para tanto comprovar, pode-se adotar a classificação dada por Alfredo Montoya
Melgar baseada na própria divisão posta na Constituição espanhola, quando cuida dos direitos e deveres
constitucionais. Assim, podemos dividir as novas regras constitucionais em três grandes grupos: dos direitos
fundamentais e liberdades públicas; dos direitos dos cidadãos; e dos princípios reitores da política social e
econômica(523).
No primeiro grupo — dos direitos fundamentais e liberdades públicas em matéria laboral em sentido
restrito —, podemos incluir a liberdade sindical, o direito de greve e a liberdade de escolha de profissão ou
ofício(524).
No segundo grupo — dos direitos do cidadão trabalhador —, inclui-se o direito ao trabalho, à promoção
por meio do trabalho, à remuneração suficiente, à negociação coletiva, à adoção de medidas coletivas de
conflito, à liberdade de empresa e à participação dos interessados na organização da seguridade social e na
empresa, bem como nos organismos públicos cuja função afete diretamente a qualidade de vida e o bem-estar
(art. 129.1.).
Por fim, no terceiro grupo — princípios reitores da política social e econômica —, se enquadram as
regras que impõem a busca do pleno emprego, a formação e readaptação profissional, a seguridade e
higiene do trabalho, a limitação da jornada laboral, os descansos e férias, a seguridade social, a proteção ao
desempregado, a proteção dos emigrantes espanhóis, o cuidado com os deficientes e com os idosos (terceira
idade), a promoção das sociedades cooperativas e a política de facilitação do acesso aos meios de produção
(art. 129.2)(525).
(519) ESPANHA. Tribunal Constitucional de España. Sentencia 22/1981, de 2 de julio ECLI:ES:TC:1981:22. 1981. Disponível em:
. Acesso em: 27 out. 2017.
(520) FUENTES, Antonio Marzal. Reflexiones impertinentes sobre la constitución española y el mundo del trabajo. In: Icade Revista
de las Facultades de Derecho y Ciências Económicas y Empresariales, Ejemplar dedicado a XXV aniversario de la Constitución Española,
Madrid, n. 58, p. 137, 2003. Há quem sustente que a expressão trabalhador constante da Constituição espanhola não deva ser
entendida apenas como trabalhador subordinado, mas, sim, como todo e qualquer trabalhador remunerado por outrem. Teríamos,
assim, um estatuto do trabalhador dependente. Cf. ZAPIRAIN, Juan Pablo Landa. Ob. cit., p. 165-170.
(521) FRANCO, Tomas Sala (Dir.). Derecho del trabajo. 9. ed. Valencia: Tirant lo Blanch, 1995. p. 68.
(522) GRAU, Antonio Baylos. La Constitución del trabajo. In: HERNANDEZ, Juan Ramón Capella (Coord.). Las sombras del sistema
constitucional español. Madrid: Trotta, 2003. p. 322.
(523) MELGAR, Alfredo Montoya. El trabajo en la Constitución (La experiencia española en el marco iberoamericano). In: MELGAR,
Alfredo Montoya (Coord.). El trabajo y la Constitución. Estudios en homenaje al Profesor Alonso Olea. Madrid: MTAS, 2003. p. 470.
(524) Alfredo Montoya Melgar inclui a liberdade de profissão no grupo dos direitos dos cidadãos, apegando-se à divisão do texto
constitucional. In: El trabajo en la Constitución (La experiencia española en el marco iberoamericano), p. 470, nota de rodapé 15.
Parece-nos, no entanto, que não devemos nos apegar à “localização da topografia” do preceito constitucional para lhe enquadrar em
blocos.
(525) Alfredo Montoya Melgar também se refere a uma classificação a depender do grau de proteção constitucional. Cf. Ejercicio y
garantías de los derechos fundamentales en matéria laboral. Revista de Política Social, Madrid, n. 121, p. 321-344, 1979.
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Nesta última categoria, se enquadram, pois, mais do que os direitos dos cidadãos trabalhadores,
verdadeiros mandados de políticas a serem implementados pelo Poder Público, constituindo-se eles, entretanto,
em autênticos direitos subjetivos, ainda que somente em face da Administração Pública, como, v. g., o direito
de exigir a implantação de uma política de promoção das sociedades cooperativas.
Vale ressaltar, porém, que alguns dos princípios ou direitos antes mencionados não se dirigem tão
somente ao cidadão-trabalhador, a exemplo da proteção aos deficientes físicos. Contudo, dada a influência
do valor trabalho, procuramos enquadrar tais princípios e regras nas categorias já referidas, conquanto que
meramente para efeito didático de compreensão e visão do reflexo do trabalho na ordem constitucional. É
certo, ainda, que nesta divisão não incluímos inúmeros direitos inespecificamente trabalhistas, quais sejam,
aqueles que se dirigem ao indivíduo enquanto tal e não ao cidadão trabalhador diretamente (especificamente)
e sobre os quais o valor trabalho não tem maior relevância em sua essência.
Como exemplo, podemos citar o direito de opinião, que se impõe em qualquer situação, salvo as
exceções pertinentes, não necessitando e sendo independente do trabalho para sua eficácia. Já o mandado
de promoção e integração do deficiente físico, por exemplo, também se faz por meio de sua inserção no
mercado de trabalho, o que revela a interferência do trabalho nesta regra de política pública. Enquanto o
direito de opinião se impõe de forma geral, inclusive no âmbito laboral, a promoção do deficiente também
se faz pelo labor. Aquele não depende do trabalho, este outro sofre influência do valor-labor, seja para
estabelecer a própria política de promoção, seja para impor limitações às relações de trabalho (cotas de vagas
para deficientes, restrição ao rompimento contratual, regras de proteção ao trabalho do deficiente etc.).
Preferimos, porém, a classificação posta por Manuel Carlos Palomeque Lopez, que divide os direitos
laborais na Constituição espanhola entre direitos laborais específicos e inespecíficos. Entre aqueles primeiros,
teríamos os direitos coletivos e os individuais.
Os direitos laborais coletivos, por sua vez, seriam divididos entre direitos relacionados à constituição e
funcionamento dos sindicatos (arts. 7º e 281); direitos de conflitos (greve e medidas de conflito coletivo —
arts. 28.2 e 37.2); direito de negociação (art. 37.1); e direito de participação (art. 129.2).
Os direitos laborais individuais seriam divididos entre os direitos dos trabalhadores e os direitos de proteção
social. Direitos individuais dos trabalhadores seriam o direito ao trabalho, à livre eleição da profissão ou ofício,
à promoção por meio do trabalho, ao salário suficiente e à igualdade salarial, à formação e readaptação
profissional, à seguridade e higiene no trabalho e ao descanso necessário; já direitos de proteção social seriam
aqueles relacionados à política de pleno emprego (art. 40.1), à seguridade social, aos direitos no estrangeiro
(art. 42) e à proteção dos deficientes (art. 49).
Por fim, os direitos inespecíficos seriam aqueles assegurados a qualquer indivíduo e, que, portanto, também
são garantias dos trabalhadores, com eficácia nas relações de emprego, ainda que entre particulares(526).
Tal divisão, pois, bem revela a importância dada ao trabalho pela Constituição da Espanha de 1978. Daí
por que concordamos com Antonio Baylos, para quem não há dúvida de que os “propósitos da Constituição
espanhola de 1978 eram a democratização das relações de trabalho como condição necessária de um
sistema democrático em seu conjunto. A modificação dos pressupostos básicos sobre os quais se assentava o
franquismo era um dos objetivos do novo marco constitucional”(527). Ela acaba sendo “um modelo da realidade
tal como a queremos”(528), ainda que fruto dos embates surgidos entre as ideias totalitárias que prevalecia até
a queda do regime franquista com o pensamento democrático que se sobrepôs(529). A norma constitucional,
(526) LOPEZ, Manuel Carlos Palomeque. Los derechos laborales en la Constitución Española. Cuadernos y Debates, Madrid, n. 28, p.
23-34, 1991.
(527) GRAU, Antonio Baylos. El reconocimiento constitucional del derecho del trabajo en el ordenamiento español. In: UMBERTO,
Romagnoli et al. Studi in onore dioi giorgi Ghezzi. Milão: CEDAM, 2005, v. I, p. 253. Também não tenho dúvida de que a Constituição
brasileira de 1988 teve por propósito os mesmos fins, à semelhança da Constituição portuguesa de 1976. Relembre que as Constituições
brasileira, portuguesa e espanhola, assim como suas antecedentes italiana e alemã, surgiram logo depois do fim de um período político
autoritário.
(528) MELGAR, Alfredo Montoya. El trabajo en la Constitución. Foro — Revista de Ciencias Jurídicas y Sociales. Nueva Época, Madrid,
n. 0, p. 10, 2004.
(529) FUENTES, Antonio Marzal. Ob. cit., p. 128.
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assim, impôs “uma profunda reorganização” do ordenamento trabalhista então existente(530). A partir da nova
Carta Constitucional, se descobre a “nova fisionomia” do ordenamento laboral, com a construção, em parte,
“de novas categorias ou instrumentos conceituais que lhe dão solidez e coerência”(531).
Ela, desenhou, ao certo, um modelo democrático de relações de trabalho, ante a liberdade sindical,
o direito à negociação coletiva e a incidência dos direitos fundamentais(532). Acabou, assim, por estabelecer
um “ambicioso” programa de legislação laboral com objetivo de assegurar uma existência digna aos
trabalhadores(533).
É certo, ainda, que, assim como outras Constituições pós-Segunda Guerra Mundial, a Carta Magna
espanhola, enquanto lei suprema, dirige-se e afeta os mais diversos ramos do direito. Contudo, isso não
significa que todos são afetados da mesma maneira. E, tal como em outros países, a Constituição espanhola
se dirige de forma desigual aos diversos setores ou ramos do direito, “de acordo com o grau de ligação ou
dependência desses elementos fundamentais do direito constitucional”(534).
Assim é que, em relação aos ramos do ordenamento jurídico que cuidam dos interesses do Estado,
“a Constituição não é apenas a norma básica, mas também um instrumento regulatório das suas questões
específicas”. “As normas da Constituição sobre as instituições políticas são, muitas vezes, pois específicas e
detalhadas o suficiente para bem elaborar o perfil dos mesmos, reduzindo até mesmo, às vezes, o órgão
legislativo a uma mera função ou desenvolvimento complementar”(535).
Em outros setores (de direito privado), porém, “a Constituição continua a ser, naturalmente, a regra
básica ou fundamento de toda a política, mas como uma regra de fundo, limita a estabelecer as bases ou
princípios gerais em que assenta o direito de tais relacionamentos”(536). A Constituição assume, aqui, “um
papel de configuração ou de conformação em relação à sociedade civil”, sem adentrar em minúcias(537).
Já em uma posição intermediária, a Constituição assume um papel mais relevante, no qual ela não
chega a conformar por completo a estrutura normativa, mas apossa-se de uma posição maior do que simples
“cimento ou base de sustentação”(538). Neste grupo, a qual se insere o direito do trabalho por excelência, “as
normas constitucionais jogam como uma espécie de marco de regulação, que remete ao legislador o traçado
das instituições, pelo que delimita e antecipa consideravelmente o conteúdo da norma jurídica”(539). Neste
grupo do sistema jurídico, a Constituição assume a tarefa de estabelecer o regulamento substantivo das
instituições pertencentes ao respectivo ramo do direito.
E “a chave para esta posição do direito do trabalho na norma constitucional se encontra em uma
qualidade dos Estados contemporâneos que a Constituição espanhola (seguindo a Constituição alemã, que é
a sua principal inspiração) se encarrega também de destacar em seu artigo 1.1: a qualidade de Estado Social.
Como é sabido, de acordo com esta qualidade ao Estado cabe ordenar a economia e o trabalho de forma
que garanta um mínimo de meios de vida aos cidadãos, e que se compense a posição débil de determinadas
classes ou grupos na estrutura da sociedade. Entre estes grupos ou classes, figuram em lugar de destaque
os trabalhadores assalariados, cuja posição no mercado de trabalho geralmente é desvantajosa em relação
aos empregadores ou empresários, por razões bem conhecidas(540). Não admira, portanto, que essas ideias de
segurança e meios de subsistência e de correção das desigualdades do poder econômico foram traduzidas em
(530) VALVERDE, Antonio Martín. El ordenamiento laboral en la jurisprudencia del Tribunal Constitucional. Revista de Política Social,
Madrid, n. 137, p. 107, jan./mar. 1983.
(531) Ibidem, p. 108.
(532) LÓPEZ, Manuel Carlos Palomeque. Los derechos laborales en la Constitución Española, p. 15.
(533) Ibidem, p. 10.
(534) VALVERDE, Antonio Martín. La Constitución como fuente del derecho del trabajo. Revista Española de Derecho del Trabajo,
Madrid, n. 33, p. 55-67, 1988.
(535) Idem.
(536) Idem.
(537) Idem.
(538) Idem.
(539) Idem.
(540) Idem.
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todo texto constitucional em preceitos que correspondem ao campo normativo do direito do trabalho, erigido
assim como instrumento principal (embora não exclusivamente) do Estado Social”(541).
O catálogo de direitos trabalhistas — coletivos, individuais e de proteção social —, estabelecidos na
Constituição espanhola, pois, “pretendia ser completo e acoplar-se aos standarts típicos do conceito de Estado
Social”(542). Não à toa, se diz que a Constituição é a expressão autêntica das regras pelas quais um povo quer
ser ordenado(543).
Neste sentido, na Espanha, o direito do trabalho encontra “seus princípios e instituições fundamentais
e seus objetivos estabelecidos na Constituição”. Ele se insere num modelo de economia social de mercado,
“baseada na liberdade de empresa e na propriedade privada que cumpre uma função social, e, desde logo,
em um sistema de liberdades públicas e direitos individuais e coletivos em que se insere também a liberdade
de trabalho”(544).
Assim é que, inclusive como instrumento de concretização do Estado Social, a Constituição espanhola
estabelece os valores, os princípios e os objetivos de caráter material que também devem se realizar por meio
do direito do trabalho, a exemplo da não discriminação, do estabelecimento de um salário satisfatório, da
defesa da segurança e higiene no trabalho, do direito ao descanso etc.(545).
Observe-se, inclusive, que as rendas eficazes para oferecer suficientes meios de vida do indivíduo —
mínimo vital — são obtidas pelo trabalho ou pelas “rendas sociais” (prestações dadas pelo Estado). E é óbvio
que se deva privilegiar a renda oriunda do trabalho e não aquela repassada pelo Estado por meio de programas
de assistência e seguridade sociais ou de verdadeiros programas estatais de distribuição de rendas (a exemplo
dos programas de renda mínima etc.), até porque, sem trabalho, o Estado não terá como arrecadar rendas
suficientes para sua redistribuição. Daí por que surgir o direito ao trabalho e à remuneração satisfatória como
instrumentos indispensáveis à realização do Estado Social.
Indo além, a Constituição espanhola oferece mecanismos ou procedimentos de proteção e defesa dos
direitos e interesses laborais, especialmente por meio da garantia da tutela judicial efetiva (art. 24) e da
coletivização dos direitos trabalhistas(546).
Aliás, já os primeiros intérpretes da Constituição Espanhola de 1978 colocaram em destaque a importância
dada aos direitos sociais na referida Carta, cuja maior parte são estritamente jurídico-laborais(547).
Essa importância, ainda, podia ser medida em face da quantidade de demandas envolvendo questões
trabalhistas apreciadas pelo Tribunal Constitucional espanhol. Neste diapasão, passada a primeira década de
vigência da Constituição de 1978, das primeiras 1.636 decisões, nada mais nada menos que 550, uma terça
parte, portanto, referia-se ao direito do trabalho. Daí por que se chegou a afirmar que “não é possível falar
em jurisprudência constitucional, mas sim em jurisprudência constitucional-laboral”(548).
Diga-se, inclusive, que a jurisprudência constitucional na Espanha acabou por contribuir, sobremaneira,
para afirmar e garantir a eficácia dos direitos fundamentais nas relações de trabalho(549). Em suma, a valorização
e a disciplina do direito do trabalho pela Constituição espanhola acabou por “laborizar” a jurisprudência
constitucional castelhana(550) e esta, por sua vez, constitucionalizou o contrato de emprego, invadindo uma
(541) Idem.
(542) GRAU, Antonio Baylos. El reconocimiento constitucional del derecho del trabajo en el ordenamiento español, p. 253.
(543) VADILLO, Enrique Ruiz. Ob. cit., p. 293.
(544) BRAVO-FERRER, Miguel Rodriguez-Piñero y. Justicia constitucional y derecho del trabajo. In: CARACUEL, Manuel-Ramón Alarcón
(Coord.). Constitución y derecho del trabajo: 1891-1991 (Análisis de diez años de jurisprudencia constitucional). Madrid: Marcial Pons,
1992. p. 428-429.
(545) Idem.
(546) Ibidem, p. 429.
(547) CARACUEL, Manuel-Ramón Alarcón. Estado social y derecho del trabajo. In: CARACUEL, Manuel-Ramón Alarcón (Coord.).
Constituición y derecho del trabajo: 1891-1991 (Análisis de diez años de jurisprudencia constitucional). Madrid: Marcial Pons, 1992.
p. 9.
(548) Idem.
(549) CORREA, Jaime Montalvo. La cláusula de Estado Social en el texto constitucional. In: BAAMONDE, María Emilia Casas et al.
(Coords.). Las transformaciones del derecho del trabajo en el marco de la Constitución Española. Madrid: La Ley, 2006. p. 235.
(550) CARACUEL, Manuel-Ramón Alarcón. Ob. cit., p. 10.
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relação privada na qual, nem sempre, são respeitados os direitos fundamentais do cidadão trabalhador. Já
nesta primeira década de vigência, pois, verificou-se que a constitucionalização do direito do trabalho (e
que seria de sua própria essência) acabou por contribuir sobremaneira para maior penetração dos valores
superiores de justiça e igualdade no mundo laboral e para realização do Estado Social e Democrático de
Direito(551).
A novel Constituição espanhola, outrossim, acabou por servir de “ponto de partida para a reelaboração
do direito do trabalho”, pois a maioria de suas instituições e conceitos foi revisada desde o ponto de vista
constitucional(552), especialmente na perspectiva do respeito da dignidade humana(553).
É certo, porém, que a CE reconhece a liberdade de empresa (art. 38), o que, a princípio, estaria em
confronto com os valores essenciais do direito do trabalho. Contudo, não se pode perder de vista que o direito
do trabalho é inerente à liberdade de empresa; o direito do trabalho existe porque há a liberdade de empresa,
pois sem o empregador, por óbvio, não haveria empregado.
O direito do trabalho surge, contudo, justamente para limitar a liberdade de empresa e de contratação.
E tal característica se extrai justamente da cláusula do Estado Social (art. 1.1) agasalhada pela CE, pois, por
meio dele, o Estado se compromete a estabelecer mecanismos compensatórios às desigualdades sociais que
são produzidas pelo mercado.
Entretanto, a Constituição espanhola foi mais longe ao admitir, neste desiderato, que o “Estado,
mediante lei, poderá planificar a atividade econômica geral para atender às necessidades coletivas, equilibrar
e harmonizar o desenvolvimento regional e setorial e estimular o crescimento da renda e da riqueza e sua mais
justa distribuição” (art. 131.1).
Planificar, se necessário, “a fim de equiparar o nível de vida de todos os espanhóis” (parte final do
art. 130.1), até porque “toda a riqueza do país em suas distintas formas e seja qual for sua titularidade
está subordinada ao interesse geral” (art. 128.1). Neste sentido, cabe ao Estado, inclusive, zelar pelo pleno
emprego(554).
Não à toa, a própria Constituição espanhola, em seu art. 9.2, estabelece que cabe ao Poder Público
promover as condições para que a liberdade e a igualdade do indivíduo e dos grupos em que se integra
sejam reais e efetivas, removendo os obstáculos que impedem ou dificultem sua plenitude e facilitando a
participação de todos na vida política, econômica, cultural e social (similar ao disposto no segundo parágrafo
do art. 3º da Constituição italiana).
Neste mesmo trilhar, a Constituição espanhola não adotou, em matéria de direito do trabalho, a “paridade
de armas”(555) ou paridade de luta, de igualdade no trato ou de paralelo entre as medidas que podem ser
adotadas nos conflitos(556). Tanto que assegurado o direito de greve enquanto direito fundamental (art. 28.2)
e o lockout como medida geral (art. 37.2), e este somente pode ser exercido no conflito coletivo enquanto
direito cívico, mas desde que não esvazie o conteúdo do direito constitucional de fazer greve ou se apresente
como barreira impeditiva(557).
E tal decorre do fato de a greve ser “um ‘contrapeso’, que tem por objetivo permitir que as pessoas em
estado de dependência salarial estabeleçam uma nova relação de forças em um sentido mais favorável para
(551) Ibidem, p. 11.
(552) ALONSO, Miguel Angel Campos. La negociación colectiva en la Constitución. In: LORENTE, Juan Antonio Linares (Dir.). Jornadas
sobre derecho del trabajo y Constitución. Madrid: IELSS, 1985. p. 390.
(553) Sobre o princípio da dignidade da pessoa na jurisprudência laboral da Corte Constitucional espanhola, cf. AVILÉS, Antonio
Ojeda; MIRÓ, María Teresa Igartua. La dignidad del trabajador en la doctrina del Tribunal Constitucional. Algunos apuntes. Revista del
Ministério de Trabajo y Asuntos Sociales, Madrid, n. 73, p. 147-169, 2008.
(554) FUERTES, Juan Velarde. La constitución y el modelo económico español. IcadeRevista de las Facultades de Derecho y Ciencias
Enconómicas y Empresariales. Ejemplar dedicado a XXV aniversario de la Constitución Española, Madrid, Comillas, n. 58, p. 86, 2003.
(555) “Waffengleichheit” (igualdade de armas) ou “Kampfparität” (paridade de luta) na doutrina alemã.
(556) ESPANHA. Tribunal Constitucional de España. Sentencia 11/1981, de 8 de abril. ECLI:ES:TC:1981:11. 1981. Disponível em:
. Acesso em: 27 out. 2017.
(557) ESPANHA. Tribunal Constitucional de España. Sentencia 11/1981, de 8 de abril. ECLI:ES:TC:1981:11. 1981. Disponível em:
. Acesso em: 27 out. 2017.
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elas. Tende a estabelecer o equilíbrio entre as partes de força econômica desigual. Em contrário, o lockout é
uma maior dose de poder que se outorga a uma pessoa que tem poder já desde antes. Daí por que o regime
jurídico não pode ser idêntico”(558).
Neste sentido, a doutrina espanhola bem destaca que a empresa “não é só uma unidade econômica
que produz e vende mercadorias, ou distribui ou presta determinados serviços. É uma comunidade humana,
por meio da qual obtêm satisfação, para determinados interesses legítimos, os homens que nela se integram,
proprietários do capital, dirigentes e trabalhadores, em uma variada gama que compreende desde a tarefa
intelectual até o trabalho manual, desde a direção à mera execução”(559). E é, pois, no seu seio, enquanto
verdadeira comunidade humana, que a dignidade do homem não pode ser agredida, daí por que as medidas
compensatórias para efetiva igualdade material.
Para atingir esse fim, a Constituição espanhola, seguindo suas fontes anteriores, acabou também por
assegurar o direito ao trabalho, ao lado do dever de trabalhar. Ela buscou incorporar ao ordenamento jurídico
espanhol um instituto progressivamente aceito pelos textos internacionais e constitucionais surgidos na
segunda metade do século XX.
É bem verdade que, mais remotamente, esse direito foi mencionado na Constituição espanhola de 1931
(art. 46), ao preceituar que o trabalho era uma obrigação social (e, portanto, também direito)(560). Contudo,
somente com a Constituição de 1978 surge de forma enfática o direito social ao trabalho(561).
Óbvio, porém, que essa cláusula não pode ser interpretada como geradora do direito subjetivo ao
emprego, nem de maneira a se exigir a obrigação de trabalhar de forma absoluta.
Outrossim, a referência ao dever de trabalhar surge muito mais como uma cláusula que impõe a tarefa
do trabalho como uma função a ser desempenhada por toda e qualquer pessoa em benefício da sociedade.
Dela se retira a função social que a pessoa deve desempenhar no Estado Social, inclusive por meio do trabalho,
cuja obrigatoriedade deve ser averiguada em cada caso concreto.
Com a cláusula do direito ao trabalho, ocorre semelhante consequência, pois por ela não se garante um
posto de trabalho a toda e qualquer pessoa, mas, sim, a obrigação de se adotar uma política voltada para
o pleno emprego(562). Exceção se pode ter em relação aos penitenciários, a quem a Constituição assegura o
direito a ter um trabalho remunerado (art. 25.2, parte final)(563), e como o dador do trabalho é o Estado, a
este cabe tornar eficaz essa garantia constitucional; já em relação aos particulares, ao Estado cabe adotar uma
política de incentivo ao emprego, na sua manutenção etc.
Em suma, pode-se afirmar que o direito do trabalho na Constituição espanhola se funda em três pilares:
economia de mercado, pluralismo social e proteção do trabalho, que é a base própria ou específica para esta
área do direito(564).
Reconhece a economia de mercado como campo das relações de trabalho e como mecanismo de
alocação dos recursos humanos. Aceita a Constituição espanhola o pluralismo social, revelado na possibilidade
dos grupos de ação social intermediária entre o indivíduo e o Estado, como responsável por representar
os interesses dos grupos ou projetos de natureza diversa que exigem certa concentração ou coordenação
(558) ESPANHA. Tribunal Constitucional de España. Sentencia 11/1981, de 8 de abril. ECLI:ES:TC:1981:11. 1981. Disponível em:
. Acesso em: 27 out. 2017, fundamento 22.
(559) CAMPOS, Juan Muñoz. Significación del trabajo en la Constitución. In: LORENTE, Juan Antonio Linares (Dir.). Jornadas sobre
derecho del trabajo y Constitución. Madrid: IELSS, 1985. p. 319.
(560) ESPANHA. Constitución de la República Española. 9 de dezembro de 1931. Disponível em:
edu/~chema/republica/constitucion.html>. Acesso em: 7 nov. 2017.
(561) Sobre os trabalhos constituintes relacionados a esse dispositivo, cf. DALMASSO, Elsa Inés. O direito ao trabalho na Constituição
Espanhola. In: Novos Estudos Jurídicos, v. 8, n. 1. Itajaí: Univale, 2003. p. 175-195.
(562) BAZÁN, José Cabrera. El derecho al trabajo. In: ALLEVA, Piergiovanni et al. Scriti in onose di Giuseppe Federico Mancini. Milão:
Giuffrè, 1998. v. I, p. 155-156.
(563) LOPEZ, Manuel Carlos Palomeque. Ob. cit., p. 27.
(564) VALVERDE, Antonio Martín. La constitución como fuente del derecho del trabajo, p. 55-67.
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de esforços. E “a tradução do pluralismo social no campo das relações de trabalho é a autonomia coletiva,
que a Constituição espanhola prevê, uma versão leve, longe do laissez-faire coletivo, e com forte apoio ou
assistência em instituições do Estado”(565).
Por fim, o terceiro pilar repousa na regulamentação constitucional do direito do trabalho, baseada na
tutela do trabalho, ideia esta que tem duas facetas: “a valorização do trabalho como recurso produtivo criador
de riqueza e fator de desenvolvimento da personalidade do indivíduo e a consideração dos trabalhadores
como um grupo social que necessita de proteção ou defesa dos interesses que compensem sua provável
situação desvantajosa no mercado. Esta ideia de proteção do trabalho é uma das principais concentrações do
Estado Social, Estado que se caracteriza por sua vocação para garantir meios de subsistência para todos os
cidadãos e de favorecer a igualdade de oportunidades entre os mesmos”(566).
As três bases constitucionais do direito do trabalho, por sua vez, estão inter-relacionadas da seguinte
maneira: “a ideia de tutela ou de proteção do trabalho serve de fundamento às intervenções públicas no
mercado de emprego para garantir uma utilização equitativa das forças de trabalho. Esta mesma ideia de
proteção do trabalho permite a atribuição de meios especiais de autodefesa dos trabalhadores assalariados.
Ao mesmo tempo, a ideia do pluralismo social tem também incidência lógica ao reconhecer a presença ativa
no mercado de trabalho das organizações representativas de categorias profissionais e econômicas. Pluralismo
social e proteção do trabalho também estão intimamente ligados entre si, dado que o trabalho de defesa dos
interesses laborais pode ser feito pelo Estado e pelos próprios interessados através das organizações e meios
de autodefesa”(567).
Importante, ainda, destacar o realce dado à coletivização dos direitos trabalhistas, em especial, ao
preceituar sobre a possibilidade de as próprias partes interessadas disporem sobre as condições de trabalho
com força vinculante (art. 37). Daí por que, atualmente, a regulação laboral espanhola repousa em maior
medida sobre a autonomia coletiva(568).
Nesse campo, ainda, cabe destacar o papel conferido ao sindicato, enquanto sujeito político(569), isto é,
entidade, “antes que econômica, uma instituição política, entendida por uma dupla ordem de considerações”.
Isso porque a conduta “dos sindicatos na indústria não só ocorre em função, portanto, dos interesses
parciais de vendedores da força de trabalho, senão também, muito particularmente, da orientação política
da organização, do comportamento do movimento obreiro em seu conjunto e de outros fatores de caráter
ideológico”(570). E isso fica claro, já no art. 7º da Constituição, em seu Título Preliminar, que dispõe que os
sindicatos de trabalhadores, com as associações empresariais, “contribuem para a defesa e promoção dos
interesses econômicos e sociais que lhes são próprios”.
Ao sindicato, assim, foi conferido um papel de “pilar” do sistema social e econômico(571). E, enquanto
sujeito político, cabe-lhe a representação dos trabalhadores e se constitui para “a autotutela coletiva dos
interesses gerais do trabalho assalariado, é dizer, em termos constitucionais, para ‘a defesa e promoção
dos interesses econômicos e sociais que lhes são próprios’ (art. 7º, da CE). Os sindicatos são, assim, pois,
‘formações sociais com relevância constitucional’(572), a quem a norma suprema reconhece o caráter de
‘organismos básicos do sistema político’(573), de ‘componentes básicos ou instituições essenciais do sistema
(565) Idem.
(566) Idem.
(567) Idem.
(568) MURCIA, Joaquín García. Las reformas laborales en Espana: últimas manifestaciones. Minerva — Revista de Estudos Laborais.
Coimbra, ano I, n. 2, p. 195, 2003.
(569) LOPEZ, Manuel Carlos Palomeque. El sindicato como sujeto político. In: Estudios de derecho del trabajo en memoria del professor
Gaspar Bayón Chacon. Madrid: Tecnos, 1980.
(570) Ibidem, p. 553. Também cf. LOPEZ, Manuel Carlos Palomeque. El sistema de relaciones sindicales en España: un balance general
del marco jurídico y del funcionamiento de la práctica sindical en el sistema social. Madrid: Fundación Alternativas, 2009. p. 20-23.
(571) GRAU, Antonio Baylos. La Constitución del trabajo, p. 329.
(572) ESPANHA. Tribunal Constitucional de España. Sentencia 18/1984, de 7 de febrero. 1984. Disponível em:
hj.tribunalconstitucional.es/HJ/pt/Resolucion/Show/271>. Acesso em: 27 out. 2017.
(573) ESPANHA. Tribunal Constitucional de España. Sentencia 11/1981, de 8 de abril. ECLI:ES:TC:1981:11. 1981. Disponível em:
. Acesso em: 27 out. 2017.
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constitucional espanhol’(574). Tanto que ‘peças econômicas e sociais indispensáveis’ para a defesa coletiva do
trabalho assalariado, os sindicatos não são ‘unicamente associações privadas representantes de seus afiliados’
e, por isso, sua função não é só ‘a de representar a seus membros, através dos esquemas de apoderamento
e de representação de Direito privado”(575).
Além disso, o papel político do sindicato é destacado na Constituição ao lhe assegurar a participação
na definição de políticas públicas relacionadas a questões que não lhes são próprias necessariamente. Nesta
trilha, cumpre-lhe um papel de assessoramento e colaboração com o Governo na elaboração dos projetos de
planificação da economia (art. 131.2), além do direito de participação no Conselho respectivo (art. 131.2,
parte final).
Tais lições, pois, revelam que, apesar de tratar menos quantitativamente sobre o direito do trabalho,
em relação à Carta portuguesa, a Constituição espanhola destaca o valor do trabalho como instrumento de
construção do Estado Social.
(574) ESPANHA. Tribunal Constitucional de España. Sentencia 101/1996, de 11 de junio. ECLI:ES:TC:1996:101. 1996. Disponível em:
. Acesso em: 27 out. 2017.
(575) LOPEZ, Manuel Carlos Palomeque. El sistema de relaciones sindicales en España: un balance general del marco jurídico y
del funcionamiento de la práctica sindical en el sistema social, p. 20-21. ESPANHA. Tribunal Constitucional de España. Sentencia
70/1982, de 29 de noviembre. ECLI:ES:TC:1982:70. 1982. Disponível em:
Show/112>. Acesso em: 27 out. 2017. ESPANHA. Tribunal Constitucional de España. Sentencia 197/1990, de 29 de noviembre.
ECLI:ES:TC:1990:197. 1990. Disponível em: . Acesso em: 27 out.
2017. ESPANHA. Tribunal Constitucional de España. Sentencia 217/1991, de 14 de noviembre. ECLI:ES:TC:1991:217. 1991. Disponível
em: . Acesso em: 27 out. 2017. ESPANHA. Tribunal Constitucional
de España. Sentencia 210/1994, de 11 de julio. ECLI:ES:TC:1994:210. 1994. Disponível em:
Resolucion/Show/2727>. Acesso em: 27 out. 2017.

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