Trabalho Invisível e Ilícito: reflexões criminológicas críticas e feministas do aumento do encarceramento de mulheres por tráfico de drogas no Brasil

AutorCarla Benitez Martins
CargoProfessora efetiva no curso de Direito da Universidade Federal de Jataí. Doutora em Sociologia pela Universidade Federal de Goiás
Rev. Direito e Práx., Rio de Janeiro, V. 11, N. 4, 2020, p. 2635-2668.
Carla Benitez Martins
DOI: 10.1590/2179-8966/2020/50281| ISSN: 2179-8966
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Trabalho Invisível e Ilícito: reflexões criminológicas críticas e
feministas do aumento do encarceramento de mulheres por
tráfico de drogas no Brasil.
Invisible and Illicit Work: critical and feminist criminological reflections on the increase
in the incarceration of women for drug trafficking in Brazil.
Carla Benitez Martins1
1 Universidade Federal de Jataí, Jataí, Goiás, Brasil. E-mail: carla.benitez.martins@gmail.com.
ORCID: https://orcid.org/0000-0002-1365-560X.
Artigo recebido em 18/04/2020 e aceito em 7/06/2020.
This work is licensed under a Creative Commons Attribution 4.0 International License.
Rev. Direito e Práx., Rio de Janeiro, V. 11, N. 4, 2020, p. 2635-2668.
Carla Benitez Martins
DOI: 10.1590/2179-8966/2020/50281| ISSN: 2179-8966
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Resumo
Diante de um aumento vertiginoso do encarceramento de mulheres por tráfico de drogas,
este artigo visa colaborar na análise das múltiplas determinantes deste fenômeno desde o
diálogo entre pensamento criminológico crítico e teorias feministas marxis tas, tendo como
central a afirmação da condição destas mulheres enquanto trabalhadoras do tráfico e a
compreensão da dinâmica de seus lugares na produção e reprodução social do capital.
Palavras-chave: Encarceramento de mulheres; Guerra às drogas; Divisão sexual do trabalho;
Reprodução social.
Abstract
Faced with a dizzying increase in the incarceration of women for drug trafficking, this article
aims to collaborate in the analysis of the multiple determinants of this phenomenon from the
dialogue between critical criminological theory and Marxist feminist theories, with the
affirmation of the condition of trafficking workers as central of these women and the
understanding of the dynamics of their places in the pr oduction and social reproduction of
capital.
Keywords: Imprisonment of women; War on drugs; Sexual division o f labor; Social
reproduction.
Rev. Direito e Práx., Rio de Janeiro, V. 11, N. 4, 2020, p. 2635-2668.
Carla Benitez Martins
DOI: 10.1590/2179-8966/2020/50281| ISSN: 2179-8966
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1. Introdução
Partindo da reunião de três importantes áreas do pensamento - quais sejam reflexões de
pesquisadoras e pesquisadores das criminologias críticas, das criminologias feministas e das
teorias feministas marxistas1 - e tendo como fio condutor a divisão sexual e racial do trabalho,
desde uma leitura da relação entre produção e reprodução social -, buscaremos realizar neste
artigo uma contribuição ao estudo dos elementos determinantes do boom do
encarceramento feminino por tráfico de drogas.
Antes de tudo, justificamos a pertinência do estudo. A população em situação de
prisão no Brasil ultrapassou 770 mil pessoas. M ais do que isso, a velocidade do
encarceramento e a sua quantificação proporcional também são elevadas, em comparação
com o resto do mundo. Deste cenário destacamos a existência de um problema histórico ainda
maior quanto aos dados da realidade do aprisionamento de mulheres, que, ainda que tenham
se tornado um dos bodes expiatórios privilegiados do sistema, continuam sendo
numericamente mino ritárias são 37.129, totalizando 4,94% d o total da população
penitenciária -, o que faz com que as informações sobre elas, assim como políticas específicas
às mesmas, sejam invisibilizadas.
Para nós, mais do que elemento pe rtinente de análise, compreender o fenômeno
do aumento do encarceramento das mulheres nos últimos quinze anos é uma importante
tradução da conjunção de fatores determinantes da onda punitiva neste período. É uma
expressão significativa do impacto do Estado penal contemporâneo, desde o polo que mais
diretamente pode sentir os efeitos dos tempos de barbárie permanente: as mulheres
periféricas e superexploradas, predominantemente negras. Do mesmo modo, é também um
retrato elucidativo do que significam as reconfigurações da interdependência entre produção
e reprodução social na etapa de crise estrutural do capital e como isso impacta a vida das
mulheres trabalhadoras.
Para entender a dramaticidade do vivido, vale destacar que a proporção de mulheres
presas subiu vertiginosamente neste período, sendo que 56,16% delas estavam presas por
1 Buscando realizar um delicado diálogo entre as autoras da consubstancialidade das relações sociais de gênero,
classe e raça com aquelas que reivindicam, desde uma Teoria Unitária, a Teoria da Reprodução Social.

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