O Direito do Trabalho como instrumento de inclusão social

AutorÉrica Fernandes Teixeira
Ocupação do AutorDoutora e mestre em Direito do Trabalho pela PUC Minas
Páginas44-61

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3.1. Consideraçõesiniciais

A inserção dos direitos trabalhistas no Capítulo II do Título II da Constituição Brasileira, que dispõe sobre os Direitos e Garantias Fundamentais do cidadão, revela o grande interesse público na tutela dos direitos sociais, tratando-os como Direitos Fundamentais do cidadão. No sistema democrático contemporâneo, a Relação de Emprego, regulada pelo Direito do Trabalho, torna-se um instrumento ainda mais valioso de inserção social. Através dela, o cidadão torna-se efetivamente um ator no sistema democrático, eis que se integra ao sistema capitalista, viabilizando a necessária justiça social e distribuição de riquezas.

Os princípios do Direito do Trabalho traduzem os direitos do cidadão trabalhador e revelam os ideais de justiça social que direcionam a essência desse ramo jurídico. Inquestionavelmente, os princípios cumprem um papel descritivo "como proposições ideais informadoras da compreensão do fenômeno jurídico" e um papel normativo subsidiário, conforme prevê o art. 8º da CLT, assim como o art. 4º da Lei de Introdução às normas do direito brasileiro. (DELGADO, 2012, p. 169) Também se destaca a função normativa concorrente inerente aos princípios de relevante valor. Como "alicerces da ciência" (CRETTELA JÚNIOR, 1998, p. 7), "verdades fundantes" (REALE, 2002, p. 305), "mandamento nuclear de um sistema" (MELLO, 2003, p. 817) ou "proposições fundamentais que informam a compreensão do fenômeno jurídico" (DELGADO, 2012, p. 183), os princípios do Direito do Trabalho são valiosos para demonstrar a dimensão desse ramo jurídico como imprescindível instrumento na promoção da inclusão de cidadãos à sociedade capitalista.1

O lapidar ensinamento de Celso Antônio Bandeira de Mello explicita: "a desatenção ao princípio implica ofensa não apenas a um específico mandamento obrigatório, mas a todo sistema de comandos. É a mais grave forma de ilegalidade ou inconstitucionalidade [...]." (MELLO, 2003, p. 818).

A valorização da pessoa humana, em especial através do trabalho digno, recebeu destaque principiológico na Constituição Federal de 1988. Assim, asseverou que os

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fundamentos da República Federativa do Brasil são, também, a dignidade da pessoa humana e o valor social do trabalho (inciso IV, art. 1º) e seus objetivos, a construção de uma sociedade livre, justa e solidária; a redução das desigualdades sociais; a erradicação da pobreza e da marginalização social; bem como a promoção do bem de todos (incisos I, III e IV do art. 3º). A ordem social tem como base o primado do trabalho e como objetivo a justiça social (art. 193), enquanto a ordem econômica funda-se na valorização do trabalho, consoante dispõe o caput e inciso VIII do seu art. 170.

Como nos ensina Delgado, o núcleo basilar dos princípios especiais do Direito do Trabalho incorpora a essência da função teleológica desse ramo jurídico, como também possui abrangência ampliada e generalizante, sem, contudo, confrontar de maneira inconciliável com importantes princípios jurídicos gerais externos. (DELGADO, 2012). Assim, demonstra a vertente inclusiva amplamente possibilitada por esse ramo jurídico.

O fundamento do princípio da proteção insere-se na essência do Direito do Trabalho, na medida em que este ramo somente se justifica diante da finalidade de tutelar os interesses do empregado, parte hipossuficiente do pacto laboral.

Uma vez constatada a desigualdade entre as partes contratantes, o Direito do Trabalho instituiu em seu âmago um aparato de normas e institutos com o objetivo precípuo de proteger o obreiro, na tentativa de reduzir ou até mesmo eliminar o desequilíbrio fático inerente ao contrato de trabalho.

Preleciona Delgado acerca de tal princípio:

[...] efetivamente há ampla predominância nesse ramo jurídico especializado de regras essencialmente protetivas, tutelares da vontade e interesses obreiros; seus princípios são fundamentalmente favoráveis ao trabalhador; suas presunções são elaboradas em vista do alcance da mesma vantagem jurídica retificadora da diferenciação social prática. Na verdade, pode-se afirmar que sem a ideia protetivo-retificadora, o Direito Individual do Trabalho não se justificaria histórica e cientificamente. (DELGADO, 2012, p. 198).

Este cardeal princípio da proteção, com sua ampla influência em todos os segmentos da seara justrabalhista individual, informa uma teia de proteção ao hipossuficiente na relação de emprego, objetivando retificar - ou atenuar -, no plano jurídico, o desequilíbrio inerente ao contrato de trabalho. Através dessa diretriz indutora, assim como de outros princípios especiais como o princípio da norma mais favorável, princípio da imperatividade das normas trabalhistas, princípio da indisponibilidade dos direitos trabalhistas, princípio da condição mais benéfica, princípio da inalterabilidade contratual lesiva, princípio da intangibilidade salarial, princípio da primazia da realidade sobre a forma e princípio da continuidade da relação de emprego, o Direito do Trabalho exprime sua importância em toda sociedade. Lado outro, tendo atacadas essas proposições fundamentais que o informam, a noção central do Direito do Trabalho é fortemente comprometida, tolhendo do indivíduo parte significativa de sua dignidade e possibilidade de inclusão econômico-social. (DELGADO, 2012).

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3.2. Direito do trabalho: papéis na sociedade e na economia capitalistas

O ramo justrabalhista busca uma finalidade precípua. Por ser instituído pela atuação

da classe trabalhadora no século XIX, em reação à exploração excessiva e desenfreada do trabalho humano, o Direito do Trabalho tem uma direção valorativa e finalística própria, na qual se sustentam os fundamentos para sua afirmação e perpetuação. Também, as próprias funções desse ramo jurídico retratam seu forte caráter social, mormente na regulação da relação de emprego, que se traduz na principal relação que vincula o cidadão ao sistema capitalista. (DELGADO, 2012). Por isso podemos afirmar que o Direito do Trabalho é o mais eficaz instrumento de realização do princípio da Dignidade da Pessoa Humana, previsto no art. 1º, inciso III da nossa Carta Magna, sendo, pois, dimensão dos direitos humanos. (ALVARENGA, 2009).

Segundo lição de Jean-Claude Javillier, o Direito do Trabalho possui duas finalidades distintas, que são a proteção dos assalariados e a promoção das relações profissionais. (JAVILLIER, 1998, p. 30-33). Dessa forma, entende que a tutela dos trabalhadores assalariados consiste na sua função principal, já que trabalho não é uma mercadoria, devendo ser protegido contra as várias formas de exploração que possa sofrer.

Tomando como foco a doutrina de Delgado (2012), a função central do ramo jurídico trabalhista consiste na "melhoria das condições de pactuação da força de trabalho na ordem socioeconômica". O autor afirma que:

Tal função decisiva do ramo justrabalhista realiza, na verdade, o fundamental intento democrático e inclusivo de desmercantilização da força de trabalho no sistema socioeconômico capitalista, restringindo o livre império das forças de mercado na regência da oferta e da administração do labor humano. (DELGADO, 2012, p. 58).

E, através dessa desmercantilização do labor humano, o ramo justrabalhista enobrece e beneficia o trabalho com regras distintas dos meros ditames do mercado, objetivando sempre atenuar o conflito entre capital e trabalho.

Imperioso ressaltar que a função aqui destacada, em atenção ao interesse público, deve ser tomada em consideração ao universo mais global de trabalhadores, prevalecendo o ser coletivo sobre o trabalhador isolado, conforme destacado até mesmo no art. 8º da CLT.

Ao longo da década de 1990, a disseminação de correntes de precarização do trabalho e de desprestígio à proteção do ramo justrabalhista resultou em elevado índice de concentração de renda.2 Essa fase de tentativa de desarticulação das

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normas trabalhistas foi marcada também por uma transição democrática, com o surgimento da Constituição Brasileira de 1988. Trata-se do reflexo um pouco tardio da crise vivenciada na Europa Ocidental a partir de meados da década de 1970.

Dados oficiais do MTE (Ministério do Trabalho e Emprego) indicam uma elevação no número de empregados com carteira assinada a partir do ano de 2001 - quando se registravam 23 milhões de cidadãos. No período de 2003 a 2010, os dados da RAIS apontaram uma geração de 15,384 milhões de empregos formais. Apenas no ano de 2010 houve a criação de 2,590 milhões de vínculos celetistas e 270,4 mil estatutários, o que resultou em uma elevação na participação do emprego celetista no total do emprego formal de 79,84% para 80,53% (e consequente redução da participação de vínculos estatutários, de 20,16% para 19,47%). De janeiro de 2011 a junho de 2012, o crescimento foi de 8,54%, representando um aumento de 3.064.257 vagas. Com isso, a quantidade de trabalhadores com carteira assinada teve uma alta de 2,76% sobre a quantidade registrada em dezembro de 2011. (BRASIL, 2011c).

Trata-se de um montante inédito na história do emprego formal num intervalo de nove anos sucessivos, o que indicam a elevação do valor-trabalho e a valorização da relação de emprego regulamentada em nosso País.

Esse favorável desempenho deve-se também a alguns outros fatores econômicos como o fortalecimento da demanda interna, proporcionado pela elevação real da massa salarial em 8,2%; expansão do crédito do sistema financeiro, com recursos livres para pessoas físicas, de 17,6% em termos nominais; e aumento dos investimentos de 21,8% - a maior taxa acumulada em quatro trimestres da série iniciada em 1986. Tal resultado positivo do PIB teve certamente reflexos sobre o trabalho formal, que registrou a geração de 2,861...

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