O Trabalho Infantil no Brasil

AutorCamila Izis Avila Barbosa Paul
CargoAdvogada. Pós-graduanda em Direito do Trabalho e Processo do Trabalho (Curso Professor Luiz Carlos - Centro de Estudos Jurídicos)
Páginas18-27

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1. O que é o trabalho infantil?

O trabalho infantil fio desempenho de atividades de qualquer natureza por crianças e adolescen-tes e que não tenha a finalidade educativa ?, embora atualmente seja condenado na maioria dos países, ainda faz parte do cotidiano de milhões de crianças no mundo inteiro.

Esta é uma questão que envolve o entendimento de fatores culturais e sociais. Definir, então, trabalho infantil, implica conhecer primeiro, na perspectiva social, o que é infância e o que é trabalho.

1. 1 Conceito de infância

Pensar a infância, definir essa fase da vida humana que é preocu-pação dos mais diferentes âmbitos sociais e do Estado, não é tarefa fácil. Fácil é, talvez, determinar faixas etárias e "encaixotar" crian-ças, adolescentes, jovens, nessas caixas! Mas pensar a infância como protagonista de uma história em construção é tarefa um pouco mais complexa.

O reconhecimento desse período da vida esteve sempre ligado à sociedade e à cultura. Assim, crianças de hoje diferem daquelas que viveram na Idade Média e mesmo crianças da atualidade, vivendo em diferentes espaços, também diferem, pois, "cada momento (e espaço) da história humana propõe àqueles que o vivem diferentes desafios, coloca-os diante de dificuldades e premências que lhe são próprios" (Silva, 2008, p. 10).

Segundo Aires (1986), este conceito de infância passou a existir a partir da idade moderna, visto que a infância antigamente era entendida como o período até o qual a criança precisava de cuidados apenas físicos para garantir a sua existência. Nessa época a mortalidade infantil era muito alta e a criança era muito desvalorizada como indivíduo, de forma que muito rapidamente se via obrigada a começar a viver na vida adulta.

"A passagem dos indivíduos pelo mundo da infância era, por-tanto, extremamente rápida e eles passavam precocemente a conviver com a realidade dos adultos, sendo vistos apenas como adultos em escala reduzida" (Chahad e Santos, 2006, p. 97).

Nesse olhar sobre a trajetória dessa fase da vida, a literatura infantil pode nos mostrar diferentes prismas sobre a infância em diferentes épocas. No Brasil, segundo Resende (1988), "se questionarmos a produção literária nacional anterior a Monteiro Lobato, [...] sentiremos o ranço forte do texto destinado ao público infantil, no qual era preciso incutir bons princípios e valores, como: obediência, trabalho, honestidade, patrio-tismo".

Já nas narrativas de Monteiro Lobato, encontramos uma repre-sentação da infância na "voz que constrói caminhos de fantasia capazes de conduzir seus leitores ao encontro com eles mesmos, com a aventura e com a liberdade de escolher e de sentir, e que, em muito se diferencia dos escritos da épo-ca" (Silva, 2008, p. 9).

Continuando no terreno da poesia, encontramos em Manoel de

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Barros talvez a representação da criança mais condizente com o que entendemos que devesse ser a in-fância:

"Remexo com um pedacinho de arame nas minhas/ memórias fósseis./ Tem por lá um menino a brincar no terreiro/ entre conchas, osso de arara, sabugos, asas de caçarolas, etc./(...) / O menino também puxava, nos becos de sua aldeia, por um barbante sujo, umas latas tristes./ (...) O menino hoje é um homem douto que trata com/ física quântica./ Mas tem nostalgia das latas./ Tem saudades de puxar por um barbante sujo/ umas la-tas tristes.(...) Aos parentes que fica-ram na aldeia esse homem/ encomendou uma árvore torta.../ Para caber nos seus passarinhos./ De tarde os passarinhos fazem árvore nele" (Barros, 2013, p. 340).

Um dos fatores de desumanização da infância é, com certeza, aquele que, ao obrigar os pequenos ao trabalho, retira a possibili-dade, justamente, de uma infância vivida com sensibilidade, criativi-dade e sentido.

Assim, "a criança ganhou espaço na modernidade, assumindo um papel na sociedade de acordo com a condição social em que vi-via. Instalou-se, dessa forma, um novo paradoxo: de um lado, havia a criança vista como objeto de marketing, com a economia dire-cionada a ela (a criança que con-some); de outro, a criança que, a serviço dessa mesma economia, tinha sua infância dizimada pelo trabalho (a criança que produz)" (Silva, 2008, p. 27).

1. 2 Conceito de trabalho

1.2.1 O aspecto sociológico do trabalho

A história do trabalho tem origem na premência do ser humano de satisfazer suas compulsões biológicas e de sobrevivência. Assim, na pré-história, o homem caçava até que suas necessidades alimentares estavam supridas, só voltando a esta atividade quando carecia de mais alimentos para si e sua família.

A medida que o ser humano deixou a condição de nômade, passou a produzir no próprio local de moradia, porém decidindo o que e quando produzir, e a que ritmo. Assim, a medida que sua subsistência estava assegurada, novas relações de necessidade fo-ram sendo criadas, demandando do ser humano novas formas de satisfazê-las.

O significado de trabalho só piorou no decorrer da história. A própria etimologia da palavra en-dossa isto. No vocábulo latino, trabalho remonta a tripalium, um instrumento de tortura que consistia em três paus entrecruzados, que eram colocados no pescoço de uma pessoa a quem se intencionava castigar ou subjugar, na condi-ção de escravo.

No mundo greco-romano (do século II a.C. ao século V), perí-odo que serviu de berço cultural para a civilização ocidental atual, o trabalho era uma tarefa relegada às classes inferiores e aos escra-vos. As profissões eram descritas como "sórdidas artes". O trabalho era desprezado, visto como algo indecente, imoral, encarado como punição.

Ainda na antiguidade, os ho-mens eram valorizados pelo ócio, como entre gregos e romanos. Até mesmo Aristóteles e Platão, dois grandes filósofos e pensadores, desprezavam o trabalho manual e viam no trabalho um castigo do ponto de vista moral-religioso.

Já na idade média, os escravos foram substituídos pelos servos. O sistema mudou, mas a mentali-dade da escravidão permaneceu a mesma.

Estes dois períodos da história têm em comum o fato de que apenas a classe dominante formada por poucos homens livres, nobres, senhores de terras e o clero podia processar significados existenciais. Escravos e servos não tinham tempo para isso; afinal, quando não estavam trabalhando, o que normalmente acontecia durante grande parte do tempo, estavam ocupados demais tentando sobreviver às dificuldades do período.

Já segundo Liberati e Dias (2006), foi com a expansão da "fe-bre industrial" do final do século XVIII e início do século XIX e o consequente fortalecimento do capitalismo industrial que o trabalho passou a ter um valor existen-cial. Assim tal atividade tornou-se fonte geradora de capital, ou seja, possibilitou um maior acúmulo de artigos, dinheiro e mercadoria. Desta forma, para todo o trabalho existe uma contraprestação pecu-niária.

A expansão do capitalismo tirou da humanidade a forma reduzida e exploradora através da qual homens e mulheres produziam suas vidas, reduzindo a atividade vital humana ao trabalho, princi-palmente na forma de emprego.

Nesse contexto de um capita-lismo desenfreado, em que os trabalhadores estavam submetidos a um liberalismo irresponsável, em 15 de maio de 1891 o Papa Leão XIII escreveu uma carta aberta aos bispos tratando sobre a condição dos operários, a encíclica Rerum Novarum.

A bula papal tratava de ques-tões levantadas durante a evolução industrial, sobre as condições das classes trabalhadoras, apoiando o direito dos trabalhadores, defendendo os princípios éticos e valores morais ignorados naquele tempo.

O documento refere-se a alguns princípios que deveriam ser usa-

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dos na procura de justiça na vida social, econômica e industrial, como a melhor distribuição de riqueza, a intervenção do Estado na economia a favor dos mais pobres e desprotegidos e a caridade do pa-tronato à classe operária.

Para a Organização Internacional do Trabalho (OIT), o conceito do termo trabalho é definido como "atividade econômica, englobando a produção voltada para o mercado, relacionada frequentemente com trabalho remunerado, e aquela não voltada para o mercado, associada ao trabalho não remunera-do". Logo o conceito de trabalho para a OIT apresenta duas versões, uma restrita que exclui da análise os indivíduos que realizam trabalhos domésticos dentro do próprio domicílio, e uma ampliada, que inclui estes trabalhadores (Chahad e Santos, 2006, p. 100).

Uma vez conceituados os termos infância e trabalho, é possível definir o trabalho infantil.

O trabalho infantil refere-se ao início precoce da criança e do adolescente no mercado de trabalho, desenvolvendo atividades econô-micas.

Segundo Maria de Lourdes Leiria:

pode-se definir o trabalho infantil como todo trabalho realizado em desrespeito às normas cogentes que limitam a idade para o trabalho, que prejudicam a educação e o desenvolvimento físico, mental e moral da criança, que restrinjam sua liberdade e a exponha a riscos. No Brasil trabalho infantil é o prestado por criança e adolescente de até dezesseis anos incompletos, exceto quando regularmente prestado na...

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