O trabalho infantil na colheita do açaí na ilha do marajó - PA

AutorSuzy Elizabeth Cavalcante Koury
Páginas49-55

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1. Introdução

O presente artigo busca analisar os resultados de pesquisa patrocinada pelo Programa Trabalho Seguro do TRT da 8ª Região, entre março de 2015 e maio de 2016, com o objetivo de investigar a ocorrência de trabalho infantil na atividade de extração do açaí de várzea na Ilha do Marajó, ao longo do Rio Canaticu, no Município de Curralinho, no Estado do Pará.

O açaí é uma palmeira típica da floresta amazônica que sempre fez parte da cultura alimentar do Estado do Pará, mas, atualmente, tornou-se um produto muito valorizado e utilizado por pessoas de todo o Brasil e de outros países do mundo.

O trabalho restringe-se à análise da colheita do açaí de várzea, manejado pelas populações tradicionais, que difere do açaí plantado em terras firmes, muitas vezes desmatadas, em que os açaizeiros têm uma altura bem menor, o que permite que a colheita seja feita com o uso de escadas ou de um gancho artesanal, colocado em uma vara, que possibilita prender e coletar os frutos, sem que seja necessário subir no açaizeiro (CANTO, 2001).

A intensificação do cultivo, especialmente no Estado do Pará1, refletiu no mundo do trabalho, especifica-mente, no de crianças e adolescentes, o que é justificado pelo fato de serem pequenos e leves, condições físicas ideais para subir nos finos e frágeis açaizeiros.

Isso se deve à descoberta de que, além de carboidratos, o açaí tem fibras, proteínas, lipídios e boas quantidades das vitaminas C, E, B1 e B2, reduzindo o colesterol e ajudando o sistema imunológico, entre outros benefícios2.

A pesquisa realizada pela FUNDACENTRO e pelo Instituto PEABIRU (2016), apesar de não ter tido como foco o trabalho infantil, detectou-o e ressaltou a necessidade de seu estudo, esclarecendo que:

A questão do trabalho infantil não foi objeto do trabalho, mas mostrou-se presente no ambiente, necessitando ser estudada na cadeia de valor do açaí, pois numa atividade tradicional. O mais ágil, leve e ousado, sobe rapidamente e colhe o necessário para o consumo diário da família. E, diante de um mercado crescente, quem antes subia diariamente uma ou duas vezes no açaizeiro, agora sobe dez ou mais vezes e, ainda, pula, de uma árvore a outra.

A fim de buscar responder à questão norteadora acima exposta, partir-se-á de uma breve análise acerca

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da proteção existente em nosso ordenamento jurídico contra o trabalho de crianças e de adolescentes.

Após, analisar-se-á a colheita do açaí no Município de Curralinho, ao longo do Rio Canaticu, na Ilha do Marajó, local onde foi realizada a pesquisa (FUNDACENTRO; PEABIRU 2016) que subsidia este estudo, que revela que, no universo pesquisado, composto por 72 pessoas, sendo 92% delas homens e 8% mulheres, com idade média de 40 anos, dependem do açaí na percentagem de 50% a 75% de sua renda mensal, comercializando-o, principalmente, por meio de atravessadores, que fixam o preço.

Quanto à mão de obra, 93% dos entrevistados relataram que é apenas familiar e que, no período de janeiro a junho, que corresponde à entressafra, as famílias fazem a limpeza dos açaizais em regime de mutirão.

Embora a pesquisa tenha sido mais ampla, pois visava a analisar a questão da segurança do trabalho na colheita do açaí e não se tenha detido ao trabalho infantil, detectou-o e deu ensejo a esse estudo, que buscará tecer considerações específicas a seu respeito.

A escolha da área foi justificada pelos seus realizadores (2016) pelo fato de a Mesorregião do Marajó ser o maior arquipélago fluviomarinho do planeta e uma das regiões mais pobres do país.

O acesso ao Município de Curralinho, que integra a mesorregião e dista da capital Belém 149,79 km em linha reta, ocorre apenas por meio de embarcações ou aeronaves, sendo a sua maior fonte de renda a extração do açaí.

O Rio Canaticu é um dos grandes rios do Município de Curralinho, contando com cerca de 6.000 habitantes, que coletavam o açaí e o entregavam a atravessadores, situação alterada com a organização das lideranças locais, que criaram uma Central de Associações do Rio Canaticu. Essa Central passou a concorrer com os atravessadores com portos próprios e conseguiu elevar o preço da rasa3 do açaí em um ano de R$ 1,00 para R$ 15,00 (FUNDACENTRO; PEABIRU 2016).

As famílias também vêm se organizando por meio da Cooperativa Sementes do Marajó a fim de criar uma reserva de dinheiro para o período da entressafra em nome de cada uma delas, por meio da coleta de R$ 1,00, que fica sob a guarda do responsável pelo porto pertencente às associações para o escoamento do açaí, funcionando como uma espécie de poupança, que normalmente é resgatada em dezembro, mês que antecede o início da entressafra (FUNDACENTRO; PEABIRU 2016).

O que se espera com o presente estudo é lançar luz sobre o trabalho de crianças e adolescentes na colheita do açaí, a fim de que seja efetivamente combatido por meio da adoção de políticas públicas das quais participem todos os atores envolvidos, não se restringindo ao poder público.

2. O trabalho de crianças e adolescentes e a sua proteção jurídica

A Constituição de 1988 trouxe um claro avanço no que diz respeito à proteção jurídica da infância e da adolescência4 ao aderir à doutrina da proteção integral, consagrada pela Declaração Universal dos Direitos da Criança (1959), aprovada em 1959 pela Assembleia Geral das Nações Unidas. Os trechos abaixo transcritos são relativos à proteção contra a exploração no trabalho:

Princípio VIII – A criança deve – em todas as circunstâncias – figurar entre os primeiros a receber proteção e auxílio. Direito a ser protegida contra o abandono e a exploração no trabalho.

Princípio IX – A criança deve ser protegida contra toda forma de abandono, crueldade e exploração. Não será objeto de nenhum tipo de tráfico.

Não se deverá permitir que a criança trabalhe antes de uma idade mínima adequada; em caso algum será permitido que a criança dedique-se, ou a ela se imponha, qualquer ocupação ou emprego que possa prejudicar sua saúde ou sua educação, ou impedir seu desenvolvimento físico, mental ou moral.

Contudo, a efetiva implementação da Declaração só ocorreu 20 (vinte) anos depois, a partir da instituição de um grupo de trabalho na Comissão de Direitos Humanos da Organização das Nações Unidas (ONU), o que, conforme destaca Rodrigues (2015), refletiu-se no Brasil e deu ensejo a uma Emenda Popular, em 1987, denominada de “Criança Prioridade Absoluta”, que foi incorporada à Constituição de 1988, em seu art. 2275.

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A proteção integral, consoante a qual os interesses das crianças e dos adolescentes subordinam os interesses da família, da sociedade e do Estado, é instrumentalizada pelos princípios da prioridade absoluta e do respeito à condição de pessoa em processo de desenvolvimento.

O art. 4º do Estatuto da Criança e do Adolescente (Lei n. 8.069/1990) deixa claro que a prioridade absoluta compreende: a) primazia de receber proteção e socorro em quaisquer circunstâncias; b) precedência de atendimento nos serviços públicos ou de relevância pública; c) preferência na formulação e na execução das políticas sociais públicas nas áreas relacionadas com a proteção da infância e da juventude.

A Constituição de 1988 proíbe o trabalho de menores de 16 (dezesseis) anos, de modo que Dutra (2007) afirma que se define como infanto-juvenil o trabalho executado por pessoas que se encontrem abaixo dessa idade mínima básica, exceto na condição de aprendizes.

Caber referir, ainda, à Convenção n. 182 da Organização Internacional do Trabalho (OIT) sobre a proibição das piores...

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