Trabalho infantil esportivo

AutorZéu Palmeira Sobrinho
Páginas131-141
Trabalho infantil esportivo
Zéu Palmeira Sobrinho
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1. Juiz do trabalho, professor da UFRN, mestre e doutor em Sociologia (UFRN), pós-graduado em direito do trabalho (Universidade de
Salamanca – Espanha) e pós-doutor em sociologia jurídica (Universidade de Coimbra – Portugal). Autor de várias obras, dentre as quais
se destacam: Estabilidade (LTr), Prescrição trabalhista e previdenciária (LTr), Terceirização (LTr) Acidente do trabalho (LTr).
1. INTRODUÇÃO
O ano de 2018 é tempo de realização de mais uma Co-
pa do Mundo e é ainda o momento em que o planeta se
volta para indagar sobre quem, dentre os atuais grandes
astros do futebol mundial, serão os maiores protagonistas
e destaques a desfilar nos gramados russos. O que há de
comum entre os jogadores participantes do certame russo
que se aproxima e os demais jogadores do mundo é a his-
tória de lutas e sacrifícios, antes dos momentos de glorias
e conquistas.
Precedentes à fama, relativamente a cada renomado
atleta, existem histórias penosas e trajetórias de vidas mar-
cadas pela dor e o sofrimento de garotos e de seus fami-
liares. O percurso formativo de um atleta não tem nada
lúdico, por mais épico ou lírico que se tente ornamentar
as histórias de vida de cada um. Por mais apaixonante que
seja um jogador que faz um gol e leva a sua torcida ao
êxtase, nada pode apagar as sequelas de um processo de
profissionalização marcado pela carência e pelos abusos.
Ao se debruçar sobre o iter de formação profissional de
qualquer atleta, e mais especificamente do jogador de fu-
tebol, é oportuno retomar o debate sobre as condições em
que crianças e adolescentes são submetidos. Estes tendem
a vivenciar uma rotina de treinos, jogos, exercícios físicos,
enfim ao cumprimento de uma disciplina que os transfor-
mam em verdadeiros trabalhadores mirins. Assim, com ba-
se em tal preocupação, a pergunta de partida que inspira
o presente artigo consiste em identificar em que medida
o processo de formação do atleta profissional de futebol,
envolvendo crianças e adolescentes, afeta negativamente
o pleno desenvolvimento destes e se constitui numa das
piores formas de trabalho infantil?
Ressalte-se antecipadamente e com escopo conceitual
que, numa visão negativa, o trabalho infantil consiste na
atividade, onerosa ou não, que é considerada inadequada à
criança e ao adolescente por comprometer o pleno desen-
volvimento destes.
Por outro lado existe uma concepção positiva no to-
cante às atividades desempenhadas por crianças ou ado-
lescente, a qual é aqui denominada de AVE – Atividade
Voluntária Educativa. A AVE consiste no trabalho que,
pelo seu escopo educativo, cooperativo e socializador, ao
invés de prejudicar, serve como meio para se promover o
bem-estar e o desenvolvimento pleno da criança e do ado-
lescente que o realiza.
Este autor escreveu alhures que a linha demarcatória a
separar a AVE do trabalho infantil precisa ser claramente
evidenciada segundo critérios pragmáticos (PALMEIRA
SOBRINHO, 2015). Dentre esses critérios destacam-se os
fatores recorrência, tempo dos serviços prestados, natureza
das atividades desenvolvidas e potencial de dano, em senti-
do amplo, envolvido na atividade. A propósito, em postura
muito similar, o UNICEF vem há muito tempo identifi-
cando alguns fatores que contribuem para caracterizar o
trabalho infantil, tais como dedicação exclusiva, idade de-
masiada baixa, estresse físico, psíquico e social, compro-
metimento do acesso à escola, violação da dignidade etc.
Antes de se responder à pergunta de partida, urge de-
bruçar-se sobre a carreira futebolística não apenas como
um sonho de crianças e adolescentes, mas também como
um fenômeno social a promover uma inversão de valores.
A prática adultocêntrica está a prejudicar o interesse que
deveria ser protegido acima de todos os outros, ou seja,
está a inverter para negar aquilo que o constituinte atri-
buiu o patamar de superioridade. Com efeito, o art. 267,
da Constituição Federal, diz que as crianças e adolescentes
tem interesse superior.
A dimensão de tal superioridade de interesses está cla-
rificada de forma induvidosa na Carta Magna porque o
constituinte de 1988 disse expressamente que crianças e
adolescentes têm prioridade absoluta no acesso saúde, à
alimentação, à educação, ao lazer, à profissionalização, à
cultura, à dignidade, ao respeito, à liberdade e à convivên-
cia familiar e comunitária.
É no contexto dessa visão de superioridade dos interes-
ses da criança e do adolescente que a presente leitura in-
trodutória coloca como premissa a tese de que há em curso
uma perversão da formação do atleta mirim na atualida-
de. Esse desvio vem sendo reproduzido em larga medida,
porque em muitos casos a família do menino ou menina,
de modo “egoístico” ou premida pelas precárias condições
econômicas, acaba privilegiando os interesses econômicos

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