Trabalho Escravo: Construindo um Conceito

AutorNelson Mannrich
Páginas143-146

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Nelson Mannrich 1

Agradeço o convite da professora Martha Monsalve de aproveitar esse livro para uma justa homenagem ao Professor Cássio de Mesquita Barros Jr., professor de todos nós e modelo de homem público e jurista festejado.

O tema proposto envolve exame do trabalho escravo à luz do Direito Internacional — em especial das diretrizes da OIT, e do ordenamento jurídico brasileiro.

Diversos instrumentos internacionais2, muitos ratificados pelo Brasil, apresentam dire-triz única: erradicar a escravidão, em todas as suas formas, incluindo o trabalho forçado ou obrigatório3.

Mas, o que se deve entender por trabalho escravo? De acordo com o art. 2º da Convenção n. 29, da OIT, corresponde a “todo trabalho ou serviço exigido de um indivíduo sob ameaça de qualquer penalidade e para o qual ele não se ofereceu de espontânea vontade”4.

Por outro lado, a Convenção Suplementar sobre Abolição da Escravatura, da ONU, conceitua expressões como escravidão, escravo, pessoa de condição servil. Segundo referida Convenção, entende-se por escravidão “o estado ou a condição de um indivíduo sobre o qual se exercem todos ou parte dos poderes atribuídos ao direito de propriedade”; por escravo “o indivíduo em tal estado ou condição”; e, por pessoa

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de condição servil, a pessoa sujeita à servidão por dívidas, à servidão, ao casamento forçado ou ao trabalho infantil.

O Brasil tem se destacado na erradicação do trabalho escravo, em especial com o advento da Declaração de 1998, acima referida em nota. Há um arcabouço jurídico invejável, seja no plano constitucional, seja em matéria de direito penal. Não bastasse isso, importantes iniciativas, como atos normativos são protagonizados pelo Ministério do Trabalho, apesar das duras críticas a respeito de sua constitucionalidade, quando deveria o legislador traçar diretrizes claras por meio de lei específica estabelecendo distinção clara entre trabalho escravo e descumprimento de obrigações trabalhistas. As ações do Ministério do Trabalho em matéria de resgate de trabalhador em condições análogas à de escravo são exemplares e devem ser cada vez mais prestigiadas.

A Constituição da República, de 1988, tutela o indivíduo da escravidão, não apenas proibindo a exploração de mão de obra escrava, como proclamando o valor do trabalho como princípio fundante da República, com base na dignidade da pessoa natural e liberdade de trabalho. No art. 243 (Emenda Constitucional n. 81/2014) há referência expressa à vedação ao trabalho escravo5. O dispositivo constitui hipótese de desapropriação sancionatória6.

O tolhimento do direito de propriedade foi a sanção mínima eleita pelo constituinte derivado para penalizar aquele que exerce sobre outro ser humano poderes atribuídos ao direito de propriedade, sem prejuízo de outras sanções a serem estipuladas em lei.

A conduta de reduzir alguém à condição análoga à de escravo está presente no ordenamento penal desde o Decreto-Lei n. 2.848/1940. Mesmo sendo signatário de diversos instrumentos concebidos à luz do Direito Internacional para combater o trabalho em condições análogas à de escravo, o Brasil preferiu alargar o conceito, assumindo posição considerada de vanguarda por alguns. Em 2003, com a Lei n. 10.803, o tipo penal se tornou ainda mais impreciso. A pergunta “o que seria condição análoga à de escravo” foi substituída por outras tantas: “o que seria trabalho forçado”, “o que seria jornada exaustiva”, “o que seriam condições degradantes de trabalho”, “qual seria a relação entre restrição de locomoção e dívidas contraídas perante o suposto empregador”7. O baixo índice de condenações penais ressalta as lacunas subjacentes aos elementos do tipo8.

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Coube ao Ministério do Trabalho enfrentar a deficiência conceitual de trabalho escravo na esfera penal. Os atos normativos9 acabaram gerando insegurança jurídica, dado o alto grau...

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