O trabalho dos professores além da sala de aula, a pretensão de sua remuneração e a evolução da jurisprudência

AutorDelaíde Miranda Arantes
Páginas402-407

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1. A remuneração extraclasse: a justa pretensão dos professores e professoras brasileiros, reivindicação de mais de quatro décadas o direito ao salário em pagamento dos serviços prestados

Essa não é uma tarefa fácil: pesquisar e elaborar sobre a remuneração extraclasse de professores, na condição de ministra do Tribunal Superior do Trabalho, quando a jurisprudência está praticamente consolidada em sentido contrário à minha convicção pessoal quanto ao tema, que é, em verdade, uma reivindicação dos professores e professoras brasileiros há mais de quatro décadas, como será visto na abordagem da evolução jurisprudencial.

Tenho acompanhado o trabalho desenvolvido ao longo dos anos pelos trabalhadores e as respectivas entidades associativas e de representação sindical em busca da remuneração dos serviços prestados fora da sala de aula, a denominada remuneração extraclasse. Na condição de advogada trabalhista por mais de trinta anos, antes de ingressar na magistratura, atuei como assessora jurídica da Contee, a Confederação Nacional dos Trabalhadores em Estabelecimentos de Ensino, quando tive a oportunidade de participar de Sessão do Supremo Tribunal Federal, de julgamento da Ação Direta de Inconstitucionalidade n. 4.167, do Distrito Federal, em que alguns Estados da Federação arguiram a inconstitucionali-dade da Lei n. 11.738/2008, de regulamentação da alínea "e" do inciso III do caput do art. 60 do Ato das Disposições Constitucionais Transitórias, da Constituição Federal que instituiu o piso salarial profissional nacional para os profissionais do magistério público e disciplinou a remuneração da atividade extraclasse.

Pontuo, ainda, que iniciei a minha carreira atuando por algum tempo como advogada do Sindicato dos Professores de Goiás. Em razão da atuação profissional, do exercício de funções no Conselho da OAB e Associação de Advogados Trabalhistas, diversas vezes, participei ativamente de discussões, organizações de eventos e de elaborações relativas a esse e temas da maior relevância referentes ao salário dos professores, ou seja, o pagamento (ou não) da remuneração relacionada à efetiva prestação de trabalho, com espeque em normas especiais aplicáveis aos professores, da Seção XII, da Consolidação das Leis do Trabalho, no contexto de um mundo em constantes mudanças, em meio a crescentes avanços tecnológicos e exigências cada vez maiores do mercado de trabalho e do capital, que avançam a passos largos no espaço do ensino público, ensejando campanhas de representação sindical dos trabalhadores no sentido de demonstrar que o trabalho não é mercadoria.

Nesta elaboração, pude aproveitar a experiência e o conhecimento decorrentes da oportunidade de atuar também no magistério superior, ministrando aulas de Direito do Trabalho e de Prática Processual Trabalhista no curso de dois anos, na Pontifícia Universidade Católica de Goiás - PUC-GO, uma das vivências das mais importantes da minha vida e da carreira profissional.

Esta experiência permitiu-me vivenciar e observar a luta dos professores, ao lado das preocupações dos entes associativos de representação, dos próprios trabalhadores, de empregadores em determinadas situações, como por ocasião de negociações coletivas de trabalho ou no curso de uma ação trabalhista, na Justiça do Trabalho. Por abalizados fundamentos jurídicos e por conhecimentos colhidos inclusive da

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prática profissional, tenho firmado minha convicção sobre o legítimo direito à remuneração extraclasse dos professores.

Sob qualquer ângulo que se analise, tanto das garantias da Constituição Federal de 1988, que têm como pilares fundamentais a dignidade da pessoa humana e a valorização do trabalho, quanto dos dispositivos da Consolidação das Leis do Trabalho, sobre o direito à contraprestação do trabalho, a conclusão há de ser a mesma: todo serviço decorrente da força de trabalho em favor do empregador deve ter a correspondente remuneração, ainda mais considerando a evolução das formas de trabalho, com as novas tecnologias, avançando até para regulamentação do trabalho prestado fora das dependências físicas do empregador. E são várias as modalidades e formas de serviços comprovadamente executados pelos professores além da sala de aula, incluindo os destinados ao hoje proliferado ensino a distância.

No caso dos professores, a cada dia, somam-se novas exigências de melhorias da qualidade de ensino, do crescente e competitivo mercado do ensino particular e em razão dos avanços tecnológicos e do ensino a distância.

Trata-se de uma luta de quatro décadas da categoria, como será visto na abordagem da evolução de jurisprudência, e por meio da qual o que pretendem é tão somente a remuneração dos serviços efetivamente prestados pelos professores fora da sala de aula, trabalho essencial e indispensável para o desempenho da nobre e essencial função de ensinar, de minis-trar aulas.

Concordo com a reivindicação dos professores no que se refere à remuneração extraclasse, porém, na condição de integrante de um órgão colegiado, tenho o dever de respeito à jurisprudência predominante, no momento de votar uma tese com precedentes de decisões em praticamente todas as Turmas do TST. É que neste âmbito prevalece a interpretação no sentido de que já integra a hora-aula do professor, o trabalho de preparação de aulas, correção de provas e trabalhos e outros trabalhos afins, como poderá ser aferido por meio dos precedentes pesquisados no Tribunal Superior do Trabalho para fins de elaboração deste artigo.

Com o objetivo de uma melhor compreensão sobre o tema, antes de discorrer a respeito da evolução da jurisprudência trabalhista, considero relevante para o debate a análise sobre pontos importantes da decisão do Supremo Tribunal Federal ao apreciar a Ação Direta de Inconstitucionalidade da Lei n. 11.738/2008, já referida neste texto.

2. Constitucionalidade da Lei n 11.738/2008, ação direta de inconstitucionalidade n. 4.167 e a remuneração extraclasse do magistério público, na jurisprudência do tribunal superior do trabalho

... em virtude dos avanços organizacionais e tecnológicos, as pessoas poderão e terão de trabalhar menos. É preciso que a ordem jurídica institucionalize esse avanço propiciado pela tecnologia, permitindo que a sociedade continue a ser a sociedade do trabalho, porém não do trabalho extenu-ante (In Constituição da República e Direitos Fundamentais - Dignidade da Pessoa Humana, Justiça Social e Direito do Trabalho, Mauricio Godinho Delgado e Gabriela Neves Delgado, LTr, SP, 2012, p. 94.)

Alguns Estados da Federação, por meio da ADI n. 4.167, arguiram a inconstitucionalidade da Lei n. 11.738/2008, que regulamentou a alínea "e" do inciso III do caput do art. 60 do ADCT da Constituição de 1988 que instituiu o piso salarial profissional nacional para os profissionais do magistério público e disciplinou a remuneração da atividade extra-classe. O STF julgou constitucional a reserva de um terço da carga horária de professoras para a realização de atividades extraclasse, como planejamento pedagógico e outros serviços correlatos, atinentes à função.

Em decorrência da posição adotada pelo Supremo Tribunal Federal, em Acórdão publicado em 24.8.2011, foi julgado pela Sétima Turma, do TST, em 19.3.2014, quando ainda a integrava, o Processo RR-990-46.2012.5.09.0017, tendo como relator o Ministro Luiz Philippe Vieira de Mello Filho e, na composição da Turma, também o Ministro Cláudio Bran-dão, acórdão publicado no DEJT de 21.3.2014, entre as partes Lucimara Antunes Pimentel e Município de Jacarezinho.

A íntegra do acórdão é bastante relevante para a compreensão sobre o tema ora em debate, principalmente porque trouxe importantes fundamentos fulcrados na ADI/STF; em Parecer do Deputado Eudes Xavier, relator do Projeto de Lei n. 3.776/2008, que deu origem à Lei em comento, na Comissão do Trabalho, sobre o disciplinamento relativo à jornada e à remuneração do trabalho extraclasse do professor, no magistério público.

O relator do processo se manifestou quanto ao desrespeito à norma prevista no art. 2º, § 4º, da Lei n. 11.738/2008, referente ao não pagamento da remuneração pela totalidade dos serviços prestados pelos professores. E, em...

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