A Erradicação do Trabalho Infantil e a Dignidade da Pessoa Humana. O Trabalho Infantil Doméstico

AutorDelaíde Alves Miranda Arantes
Páginas415-424

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Introdução

Foi uma grande honra ser convidada para elaborar um artigo para a obra que presta justa homenagem ao jurista e Ministro do Tribunal Superior do Trabalho Mauricio Godinho Delgado, pessoa que admiro pela ousadia das ideias, pela coerência entre a prática e o pensamento, pela dedicação integral ao Direito do Trabalho que o fez um dos nomes mais respeitados entre os autores nacionais contemporâneos.

A temática da obra inspira um desafio: como a Justiça do Trabalho poderá atuar para diminuir as desigualdades sociais e promover a efetividade dos Direitos Fundamentais?

Neste contexto, exalto também a importância do empenho da atual gestão do Tribunal Superior do Trabalho em desenvolver ações que contribuam para a erradicação do trabalho infantil - com ênfase para o trabalho infantil doméstico - uma das formas mais degradantes de trabalho existentes em nossa sociedade.

Destaco as iniciativas recentes que contribuirão para a mudança desse cenário triste que é a violação do direito fundamental a uma infância amparada, com saúde, educação e livre da exploração do trabalho infantil - sejam as desenvolvidas pelo TST, sejam as iniciativas governamentais e de organismos não governamentais.

Elenco a legislação protetiva existente, enaltecendo os avanços da Constituição Federal e da legislação nacional e internacional, a importância da igualdade de direitos entre o trabalhador doméstico e as demais categorias profissionais como medida de justiça.

Apresento alguns dados estatísticos e convido o leitor a uma reflexão: o trabalho infantil é um mal que assola, sobretudo, as camadas mais pobres da população, e somente a erradicação da miséria e a melhor distribuição de renda pode restituir a essas crianças a infância perdida, o direito de brincar e ser feliz.

Por fim, rendo minhas homenagens ao ilustre jurista Mauricio Godinho Delgado, lembrando sua obra em prol dos direitos fundamentais do trabalhador, enfatizando a doutrina em defesa do menor trabalhador e dos direitos da pessoa humana.

1. Ações do tribunal superior do trabalho pela erradicação do trabalho infantil - comissão de erradicação do trabalho infantil e de proteção ao trabalho decente do adolescente Seminário "trabalho infantil, aprendizagem e justiça do trabalho". Programa adolescente aprendiz. Carta de Brasília

É dever da família, da sociedade e do Estado assegurar à criança e ao adolescente, com absoluta prioridade, o direito à vida, à saúde, à alimentação, à educação, ao lazer, à profissionalização, à cultura, à dignidade, ao respeito, à liberdade e à convivência familiar e comunitária, além de colocá-los a salvo de toda forma de negligência, discriminação, exploração, violência, crueldade e opressão. Constituição Federal do Brasil, de 1988, art. 227.

O trabalho infantil e os compromissos do Brasil com a erradicação deste mal que atinge um grande número das

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crianças no mundo são temas que ocupam espaços quase diários na mídia. Desafiam ações do governo, da sociedade civil, de órgãos nacionais e internacionais, jurídicos, não governamentais e de direitos humanos.

São milhões de crianças submetidas a condições degradantes de vida e de trabalho, em prejuízo de seu desenvolvimento cultural, educacional, perdendo a oportunidade dessa época de ouro, que é a infância, como fundamento primeiro para uma vida adulta saudável e capaz de assegurar a competitividade do exigente mercado de trabalho.

O Tribunal Superior do Trabalho - TST e o Conselho Superior da Justiça do Trabalho - CSJT, em louváveis e acertadas medidas adotadas pela atual gestão, sob a presidência do Ministro João Oreste Dalazen, instituíram a Comissão de Erradicação do Trabalho Infantil e de Proteção ao Trabalho Decente do Adolescente - CETI - JT e realizaram o Seminário Trabalho Infantil, Aprendizagem e Justiça do Trabalho, resultando na aprovação da Carta de Brasília pela Erradicação do Trabalho Infantil, de 11.10.20121.

O Ofício CETI-JT, expedido pelo Ministro TST, Coordenador da CETI, de 7.11.2012, sintetiza a envergadura, a importância do Seminário, bem como suas resultantes imediatas expressas na Carta aprovada na plenária final do evento, ao mesmo tempo em que faz um chamamento à Magistratura Trabalhista e à Sociedade como um todo. Relevante à transcrição de parte do Ofício CETI:

Como já informado pelo Presidente do TST em Ofício encaminhado a todos os Tribunais Regionais, o Conselho Superior da Justiça do Trabalho instituiu Comissão pela Erradicação do Trabalho Infantil, composta por um(a) magistrado(a) do trabalho de cada região geográfica do País e por mim coordenada.

A Comissão atual firma na convicção de que é dever institucional da Justiça do Trabalho participar ativamente da implementação de políticas públicas que visem à erradicação do trabalho infantil e proteção do adolescente em sua formação profissional.

Acolhendo sugestões da Comissão, o TST e o CSJT realizaram, no período de 9 a 11 de outubro de 2012, em Brasília, o Seminário "Trabalho Infantil, Aprendizagem e Justiça do Trabalho", que contou com mais de mil e quinhentos inscritos, entre eles duzentos juízes. Como resultado desse evento, foi divulgada a Carta de Brasília (...) chamando a atenção para o combate a essa grave violação dos direitos humanos (...).

Esse passo inicial reafirma o compromisso da Justiça do Trabalho com a erradicação do trabalho infantil, hoje elevado à condição de objetivo estratégico institucional. Nós, integrantes da Comissão, estamos certos de que, com o necessário concurso das Magistradas e Magistrados do Trabalho de todas as instâncias e regiões do país, outros passos exitosos surgirão, cada um deles reafirmando o indelével compromisso da nossa Instituição com a afirmação dos direitos de crianças e adolescentes como prioridade absoluta.

A Carta de Brasília, resultante do Seminário, é composta de 12 itens, todos da maior importância rumo à erradicação do trabalho infantil, cabendo destacar aqui, em consonância com os propósitos do presente artigo, os itens de ns. 4, 6, 7, 9, 10, 11 e 12, a saber:

  1. Exigir o cumprimento das normas das Convenções ns. 138 e 182 da Organização Internacional do Trabalho, ratificadas pelo País, equivalentes à lei interna;

  2. Encarecer, de todos os envolvidos, a cabal implementação do Plano Nacional de Prevenção e Erradicação do Trabalho Infantil;

  3. Enfatizar que a aplicação da proteção integral e prioritária à criança e ao adolescente assegurará reação suficiente e válida contra as tentativas reiteradas de exploração do trabalho infantil;

  4. Proclamar que é necessário democratizar o acesso à aprendizagem e, em especial, introduzir egressos do trabalho infantil nos cursos do sistema "s";

  5. Repudiar o trabalho infantil doméstico, que atinge particularmente o universo infantil feminino;

  6. Rechaçar a aprovação dos Projetos de Emenda Constitucional ns. 18 e 35 de 2011, que propõe a redução da idade mínima de trabalho para catorze anos, em inaceitável retrocesso social;

  7. Convocar toda a sociedade brasileira, por ocasião deste 12 de outubro, dia da criança, para lutar unida e com todas as forças pela erradicação do trabalho infantil!

Em consequência dos pioneiros atos anteriormente promovidos pela Justiça do Trabalho, foi anunciado, no encerramento do Seminário, e de imediato instituído, o "Programa Adolescente Aprendiz" destinado à formação técnico-profissional, com vistas à preparação de adolescentes para o ingresso no mercado de trabalho, o que se deu no ato da Presidência do Tribunal Superior do Trabalho GDGSET/ GP n. 682/2012.

Ao abrir o Seminário Trabalho Infantil, Aprendizagem e Justiça do Trabalho, o Presidente do TST e do CSJT enfatizou muito bem que:

O Brasil assumiu compromisso com a OIT de eliminar o trabalho infantil até 2020. Para isso, é urgente a união do Estado e da sociedade. O primeiro passo reclama uma revolução cultural. Não se pode mais aceitar, em pleno século 21, argumentos equivocados sobre a relação entre criança e trabalho, fruto de preconceito ou desinformação. Entre o crime e a fábrica, o lugar de criança é na escola e

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nas brincadeiras, a fim de preparar-se para a vida adulta saudável.

O passo de maior dificuldade é a superação das desigualdades sociais.

Apenas o equilíbrio de uma sociedade justa e solidária porá fim a esse cenário (...). Ninguém pode ficar indiferente, pois está em jogo o nosso futuro como nação civilizada. Bem assinalou a poetisa chilena Gabriela Mistral: "Muitas das coisas de que necessitamos podem esperar. As crianças não podem. Agora é o momento: seus ossos estão em formação, seu sangue também e seus sentidos estão se desenvolvendo. A elas nós não podemos responder amanhã, seu nome é hoje".2

O evento realizado pelo TST contou com a contribuição dos mais ilustres participantes nacionais e internacionais, a maioria deles incansáveis...

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