Trabalho da criança e do adolescente artista: vedação à luz da Constituição

AutorLívia Mendes Moreira Miraglia e Lília Carvalho Finelli
Páginas218-226

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1. Especificidades do trabalho do artista

No presente artigo, faremos uma retrospectiva da legislação internacional e nacional que proíbe em geral o trabalho das crianças e dos adolescentes menores de 16 anos de idade. Especificamente, trataremos do trabalho artístico, conceituando-o inicialmente, para depois analisar a possibilidade de utilização desse contrato aos menores de dezesseis anos de idade.

O trabalho do artista empregado é contrato especial de trabalho, regido pela Lei n. 6.533/1978 e subsidiariamente pela Consolidação das Leis do Trabalho (CLT). Sua conceituação legal indica que este profissional cria, interpreta ou executa obra de caráter cultural de qualquer natureza, seja para exibição ou divulgação pública, através de meios de comunicação de massa ou em locais onde se realizam espetáculos de diversão pública (art. 2º, I, da Lei n. 6.533/78).

Também são abrangidos pela lei os manequins e mode-los2, além dos técnicos responsáveis pelos espetáculos, que elaboram, registram, apresentam ou conservam programas, espetáculos ou produções (art. 2º, I, da Lei n. 6.533/78), com exceção daqueles que prestam serviços a empresas de radio-difusão, destinatários de norma específica.

É exigido para o exercício da profissão registro prévio no Ministério do Trabalho e Emprego (art. 9º), que deve ser submetido com os seguintes documentos:

Art 7º Para registro do Artista ou do Técnico em Espetáculos de Diversões, é necessário a apresentação de:

I - diploma de curso superior de Diretor de Teatro, Coreógrafo, Professor de Arte Dramática, ou outros cursos semelhantes, reconhecidos na forma da Lei; ou

II - diploma ou certificado correspondentes às habilitações profissionais de 2º Grau de Ator, Contra-regra, Cenotécnico, Sonoplasta, ou outras semelhantes, reconhecidas na forma da Lei; ou

III - atestado de capacitação profissional fornecido pelo Sindicato representativo das categorias profissionais e, subsidiariamente, pela Federação respectiva.

O contrato é diferenciado, uma vez que, embora preencha os requisitos da relação empregatícia, a execução da atividade possui elementos específicos no que tange à subordinação, como nos informa Alice Monteiro de Barros:

O produto de seu trabalho é uma criação que, de certo modo, lhe pertence; em outras palavras, o artista possui determinados direitos sociais sobre seu trabalho, sejam morais, exclusivos, compreendendo aqui a faculdade de autorizar a reprodução, tradução

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ou radiodifusão e, ainda, direitos pecuniários. Esse vínculo com a obra está presente em outros poucos trabalhadores como arquitetos, cientistas, inventores de jornalistas.

O artista distingue-se, ainda, dos demais trabalhadores porque, por meio de sua obra, comunica-se com o público. Em consequência, surgem novos fatores no exercício de sua profissão, como o risco da censura e as pressões provenientes do fato de se encontrar muito exposto a elogios ou a críticas, nos meios de comunicação. Logo, o êxito ou o fracasso de cada atuação repercutirá, sem dúvida, nas suas perspectivas de emprego. Ademais, à medida que as técnicas de gravação e radiodifusão se generalizam, o artista não só tem que competir com estes meios, para sobreviver, como também acaba por depender deles para transmitir sua mensagem.3

Com relação ao contrato em si, tem-se que o prazo poderá ser determinado ou indeterminado, mas requer forma solene, com visto do sindicato em dois dias4, constando o local de trabalho, título do programa, jornada, remuneração, forma de pagamento, dia de folga, ajuste sobre viagens e deslocamento, dentre outros (art. 10). Há ainda a possibilidade de ajustar cláusula de exclusividade, para impedir o trabalho concorrente, que comprometeria a audiência do espetáculo e a imagem do trabalhador (art. 11).

A jornada de trabalho é variada e depende do tipo de atividade5, no entanto, no caso da jornada de oito horas, deverá ser dividida em dois turnos, cada qual com no máximo 4 horas, respeitado o intervalo intrajornada6. Caso haja trabalho prestado para além das limitações da tabela acima, esse será considerado extraordinário, sendo aplicáveis os arts. 59 a 61 da CLT.

Ressalte-se que há antecedência mínima de 72 horas do início dos trabalhos para que sejam entregues ao artista os textos destinados à memorização, o roteiro de gravação ou o plano de trabalho, possibilitando o preparo adequado (art. 30). Caso a execução dos serviços seja fora do local da contratação, cabe ao empregador o pagamento das despesas de transporte, alimentação e hospedagem (art. 23), além, é claro, do guarda-roupa e outros recursos necessários ao cumprimento das tarefas (art. 26).

O repouso semanal remunerado é tema controverso quando se trata do artista subordinado, sendo certo que é comum a existência de dias ao longo da semana que compensariam o dia posterior ao sexto trabalhado. Ressalte-se que, com relação ao trabalho nos domingos, o próprio Decreto n. 27.048/49 exclui a escala de revezamento no caso dos elencos teatrais e congêneres (art. 6º, § 2º).

O artista poderá ser contratado como prestador de serviços se seu trabalho for de substituição a outro empregado, situação na qual a duração não pode ser superior a 7 dias consecutivos, ficando o empregado proibido de utilizar seus serviços nos 60 dias subsequentes (art. 12).

A acumulação de funções dentro da mesma atividade implica o pagamento de adicional mínimo de 40%, com base na maior remuneração (art. 22), sendo vedada a acumulação de mais de duas funções dentro do mesmo contrato.

Existe ainda o trabalhador que presta atividades como figurante, ou seja, é convocado "pela produção para se colocar a serviço da empresa, em local e horários determinados para participar, individual e coletivamente, como complementação de cena"7. Sua contratação esporádica pode ser feita com indicação conjunta dos sindicatos dos empregados e dos empregadores, excluindo a necessidade de registro prévio no MTE. No entanto, se seu contrato contiver os pressupostos da relação empregatícia, será considerado emprego e disciplinado pela Lei n. 6.533/78 e pela CLT.

Previsão importante é a proteção à integridade física e moral do artista, do art. 27 da Lei n. 6.533/78, que dita que "nenhum Artista ou Técnico em Espetáculos de Diversões será obrigado a interpretar ou participar de trabalho possível de pôr em risco sua integridade física ou moral", sob pena de pagamento de indenização por danos morais.

Com relação especificamente às crianças e adolescentes, deve-se compreender que o trabalho dos menores de 16 anos é proibido, salvo na condição de aprendizes a partir dos 14 anos (art. 7º, XXXIII, CR/88). No caso dos adolescentes que têm entre 16 e 18 anos, o trabalho é permitido mediante

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autorização do representante legal e, nessa hipótese, aplicam-se as disposições específicas acima discriminadas.

Trataremos no presente artigo do trabalho artístico da criança e do adolescente com menos de 16 anos, que não está na condição de aprendiz, mas sim trabalhando com pessoali-dade, não eventualidade, onerosidade e subordinação, o que é terminantemente proibido pelo ordenamento, conforme demonstraremos a seguir.

2. Limites ao trabalho da criança e do adolescente
a ) vedações constitucionais

O trabalho infantil e adolescente é proibido, de forma genérica, pelo ordenamento jurídico nacional e internacional. As razões para tal vedação são diversas, incluindo principal-mente as possibilidades de dano à saúde física, psicológica e espiritual destes. No âmbito de nossa Constituição da República de 1988 (CR/88), dita o art. 7º:

Art. 7º São direitos dos trabalhadores urbanos e rurais, além de outros que visem à melhoria de sua condição social:

[...]

XXXIII - proibição de trabalho noturno, perigoso ou insalubre a menores de dezoito e de qualquer trabalho a menores de dezesseis anos, salvo na condição de aprendiz, a partir de quatorze anos;

Ademais, foi introduzido ainda o princípio da proteção integral:

Art. 227. É dever da família, da sociedade e do Estado assegurar à criança, ao adolescente e ao jovem, com absoluta prioridade, o direito à vida, à saúde, à alimentação, à educação, ao lazer, à profissionalização, à cultura, à dignidade, ao respeito, à liberdade e à convivência familiar e comunitária, além de colocá-los a salvo de toda forma de negligência, discriminação, exploração, violência, crueldade e opressão.

§ 1º O Estado promoverá programas de assistência integral à saúde da criança, do adolescente e do jovem, admitida a participação de entidades não governamentais, mediante políticas específicas e obedecendo aos seguintes preceitos:

[...]

II - criação de programas de prevenção e atendimento especializado para as pessoas portadoras de deficiência física, sensorial ou mental, bem como de integração social do adolescente e do jovem portador de deficiência, mediante o treinamento para o trabalho e a convivência, e a facilitação do acesso aos bens e serviços coletivos, com a eliminação de obstáculos arquitetônicos e de todas as formas de discriminação.

[...]

§ 3º O direito à proteção especial abrangerá os seguintes aspectos:

I - idade mínima de quatorze anos para admissão ao trabalho, observado o disposto no art. 7º, XXXIII;

II - garantia de direitos previdenciários e trabalhistas;

[...] (grifos nossos)

A Constituição é, assim, cristalina em sua interpretação sobre o trabalho dos menores de 16 anos, salvo na condição de aprendizes a partir dos 14 anos, e esse entendimento é, sem...

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