Sucessão trabalhista em face das privatizações e a responsabilidade trabalhista da administração pública

AutorJouberto De Quadros Pessoa Cavalcante/Francisco Ferreira Jorge Neto
Ocupação do AutorProfessor da Faculdade de Direito Mackenzie/Desembargador Federal do Trabalho (TRT 2ª Região)
Páginas190-292

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4.1. Aquisição de Direitos e a Sucessão

Os seres humanos encontram-se em constantes relacionamentos. É inegável que a vida em sociedade assume uma eterna ebulição de contatos e interações. Dessas interações surgem as relações sociais, as quais envolvem vários fatos sociais, a saber: econômicos, genéticos, estéticos, éticos, jurídicos, religiosos, políticos etc.

O Direito é imanente a uma sociedade, daí o adágio ubi societas, ibi ius, como fator de manutenção da ordem social, disciplinando os comportamentos e as atitudes dos seres humanos. As relações sociais repercutem na órbita jurídica, fazendo com que se tenha o fenômeno da aquisição de direito, que representa o ato pelo qual a pessoa, física ou jurídica, adquire a titularidade de um direito real ou pessoal, seja em razão da lei ou da convenção.

O termo “direito” tem vários significados, tais como: direito objetivo (como norma jurídica) e direito subjetivo (como faculdade de agir); porém, quando se fala na aquisição, a ideia mais sensata é a idealização do direito como um fenômeno humano.

Nesse sentido, Evaristo de Moraes Filho1 pondera: “Direito como norma e direito como faculdade, direito objetivo e direito subjetivo, pensa Donati, são como os lados côncavo e convexo da mesma realidade. O direito é, em suma, sempre, em qualquer de seus aspectos, um fenômeno humano, ou subjetivo, por excelência.”

A relação jurídica surge da vida em sociedade, dos comportamentos humanos e de suas interações; entretanto, como bem assevera Evaristo de Moraes Filho:2 “... não existem como tais na essência da natureza humana, já que se originam de fora, anexando-se a ela. Somente o germe destas relações, isto é, a possibilidade e a sua necessidade, se encontra no fundo

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desta natureza; mas o seu desenvolvimento possui caráter individual e contingente, manifestado na variedade indefinida que se nota na extensão dos direitos de cada qual.”

Como ocorre na natureza, os direitos subjetivos nascem, passam por transformações e se extinguem. Os direitos, quanto à aquisição, podem ser divididos em originários e derivados. O direito, na aquisição originária, nasce no momento em que o titular apropria-se do bem de maneira direta, sem haver a intermediação de outra pessoa. Como exemplos, temos a ocupação de coisa abandonada, a caça e a pesca etc. Já a aquisição derivada tem como pressuposto a existência de uma relação jurídica, pois implica a transmissão de titularidade do direito de uma pessoa a outra. É importante salientar que ninguém pode transmitir mais direitos do que aqueles que possui.

Podemos concluir que, na aquisição originária, “o direito é admitido sem quaisquer ônus supervenientes, com o conteúdo e a eficácia que lhe consignou o próprio fato que o produzir. Nos derivados, transfere-se o direito tendo em consideração o conteúdo e os encargos do precedente. Ninguém pode transmitir um direito melhor do que aquele que possui. Os vícios e os encargos acompanham o direito que gravam”3.

Por sua vez, a aquisição derivada pode ser dividida em: a) translativa — representa a aquisição derivada típica na medida em que o adquirente substitui o antigo titular na plenitude de seus direitos, como ocorre na cessão de crédito ou na alienação de uma propriedade; b) constitutiva — não leva ao fenômeno completo da substituição, havendo somente uma passagem parcial dos direitos. O direito que se adquire é distinto, porém deriva do direito do antigo titular. Como exemplos, temos a constituição do usufruto ou de uma servidão predial.

A vida social faz com que os direitos originários ou derivados sejam transmitidos de forma constante. Tudo o que representa um bem da vida, uma utilidade ou um valor econômico, seja móvel ou imóvel, pode ser objeto de direito, logo, passível de ser transferido de um titular para outro. Dessa forma, em tese, todos os direitos são transmissíveis, passando de um titular a outro, refletindo a própria dinâmica da vida em sociedade, trazendo repercussões na órbita jurídica.

A sucessão ou transmissão de direitos pressupõe uma modificação subjetiva, a mudança do sujeito de direito, seja ativo ou passivo. Em sentido amplo, a sucessão representa a substituição de uma pessoa por outra na mesma relação jurídica.

Evaristo de Moraes Filho entende que a sucessão deve ser analisada em um sentido mais restrito, excluindo a ideia da aquisição originária, mantendo a derivada constitutiva e a translativa.

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Sobre isso, preleciona: “Sem dúvida nenhuma, o caso típico, perfeito e completo de sucessão se dá exemplarmente na aquisição derivada-translativa. Nesta, a sucessão se apresenta com todos os seus caracteres, em toda a sua plenitude, devendo ser aqui surpreendida para melhor compreensão e isolamento como conceito básico da ciência do direito. Mas, sem forçar muito, pode ser encontrado na relação derivada-constitutiva.”4No sentido restrito, a sucessão tem os seguintes requisitos:

  1. existência de uma relação jurídica — em outras palavras, a presença de direitos e obrigações entre credor e devedor;

  2. substituição de um sujeito por outro, o que pode ocorrer tanto nos direitos como nas obrigações;

  3. imodificabilidade do objeto e conteúdo do vínculo. Desenvolvendo a temática desse último item, Evaristo de Moraes Filho aponta as discussões, enfatizando as posições doutrinárias de Bernhard Windscheid e de G. Kuntze. Assim, a sucessão, na visão de Windscheid, implica somente a substituição do sujeito, mantendo-se inalterados o objeto e o conteúdo. O direito transmitido não se altera quando se tem a substituição de sua titularidade. Por outro lado, Kuntze entende que não se pode falar em sucessão a título particular. O direito subjetivo é o vínculo ideal entre a pessoa e o bem; logo, com a alteração do sujeito, transmuda-se a própria relação. Essa posição valoriza o ideal do direito romano, onde só ocorria a sucessão quando a transferência fosse a título universal. A sucessão a título particular ou singular, no direito romano, implicava a transferência da coisa. Deixando-se de lado as discussões doutrinárias, o importante para Evaristo de Moraes Filho5 é que o conceito de sucessão “depende sempre do ordenamento positivo vigente. A sucessão não é um simples fato, é mais do que isso, é a qualificação jurídica de certos pressupostos de fato, é preciso que, além de determinados elementos empíricos, esteja também presente o reconhecimento formal, fazendo com que se estabeleça o vínculo de sequência, de continuidade entre uma posição e outra. A identidade das posições dos dois sujeitos, ante-cessor e sucessor, é relativa, e isso é o suficiente para os fins práticos do direito, já que é ele próprio quem assim o quer e determina”;

d) a...

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