Trabalhismo no Brasil: os sindicatos e o 'homicídio político' (steiner) do trabalhador
Autor | Maria Garcia |
Cargo | Livre-Docente pela PUC-SP |
Páginas | 93-124 |
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Trabalhismo define-se como o movimento político inspirado nas doutrinas socialistas inglesas — cujo objetivo revela-se na obtenção de condições sociais e econômicas básicas dos trabalhadores. Doutrina dos partidos trabalhistas, em especial do inglês. Doutrina do Partido Trabalhista Brasileiro1.
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Na Inglaterra, cabe ressaltar, em especial, o LabourParty, no poder de 1945 a 1951 que, sob a direção de Clement Attlee, realizou amplo programa de reformas econômicas e sociais, lançando as bases do Estado do Bem-- Estar Social (Welfare State).
No Brasil, em debates sobre "O desafio da questão social", em 1995, uma frase destacou-se entre os variados problemas tratados sobre esse tema, na explanação de Beni Veras, então Ministro da Secretaria de Planejamento da Presidência da República2:
Talvez a principal causa da pobreza no Brasil seja a baixa qualificação de uma grande parcela da força de trabalho. A baixa qualificação deste segmento da população é o mecanismo mais evidente de transmissão inter-regional da pobreza no Brasil. Objetivando atingir uma maior igualdade, o ambiente familiar deve sofrer três tipos de intervenção: melhor qualidade do ensino básico público, suporte financeiro às famílias pobres que evite a evasão escolar de seus filhos e incentivo à criação de empregos onde o treinamento e o desenvolvimento profissional do trabalhador sejam adequadamente valorizados.
Robert Castel3 refere-se à "nova questão social" tal como se manifesta, a partir do enfraquecimento da condição salarial:
A questão da exclusão que há alguns anos ocupa o primeiro plano é um de seus efeitos, essencial sem nenhuma dúvida mas que desloca para a margem da sociedade o que a atinge primeiro no coração.
(...) O salariado acampou durante muito tempo às margens da sociedade; depois aí se instalou, permanecendo subordinado; enfim, se
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difundiu até envolvê-la completamente para impor sua marca por toda parte. Mas é exatamente no momento em que os atributos vinculados ao trabalho para caracterizar o status que situa e classifica um indivíduo na sociedade pareciam ter-se imposto definitivamente, em detrimento de outros suportes da identidade, como o pertencimento familiar ou a inscrição numa comunidade concreta, que essa centralidade do trabalho é brutalmente recolocada em questão. Teremos chegado a uma quarta etapa de uma história antropológica da condição de assalariado, etapa em que sua odisseia se transforma em drama?
Sem dúvida, essa questão não admite, hoje, resposta unívoca.
(...)
O trabalho é mais que o trabalho e, portanto, o não trabalho é mais que o desemprego, o que não é dizer pouco. Também a característica mais perturbadora da situação atual é, sem dúvida, o reaparecimento de um perfil de "trabalhadores sem trabalho" que Hannah Arendt evocava, os quais, literalmente, ocupam na sociedade um lugar de supranumerários, de "inúteis para o mundo".
Castel analisa adiante o papel do Estado nessa conjuntura e a importância da mudança de suas intervenções e o próprio "sentido da mudança marca a passagem de políticas desenvolvidas em nome da integração para políticas conduzidas em nome da inserção".
São políticas de integração aquelas animadas pela busca de grandes equilíbrios, pela homogeneização da sociedade a partir do centro. São desenvolvidas através de diretrizes gerais num quadro nacional, como as atuações para promover o acesso de todos aos serviços públicos e à instrução, a consolidação da condição salarial.
Diversamente, as políticas de inserção e de quase oposição em relação àquelas, "obedecem a uma lógica de discriminação positiva: definem com precisão a clientela e as zonas singulares do espaço social e desenvolvem estratégias específicas para elas".
Ocorre aí "um déficit de integração, como os habitantes dos bairros deserdados, os alunos que fracassaram na escola, as famílias mal socializadas, os jovens mal-empregados ou não empregáveis, os que estão desempregados há muito tempo... As políticas de inserção podem ser compreendidas como um conjunto de empreendimentos de reequilíbrio para recuperar a distância em relação a uma completa integração (num quadro de vida decente, uma escolaridade 'normal', um emprego estável, etc.)".
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E assinala a suspeita de que, desenvolvidos tais esforços há aproximadamente 15 anos, "essas populações são, talvez e apesar de tudo, na atual conjuntura (1998), inintegráveis. É esta eventualidade que deve ser encarada"4.
Verifica-se, ademais, a precariedade de algumas situações de trabalho. Assim (...) a fragilidade de algumas famílias operárias que podem cair na miséria mesmo não sendo "casos sociais" nem estando privadas de emprego, mas que estão à mercê do menor acaso.
A noção de inserção, acresce, designa esse modo original de intervenção e se dá com o contrato sua metodologia: construir um projeto que engaje a dupla responsabilidade de quem recebe a subvenção e da comunidade, e desembocar na reinscrição do beneficiário no regime comum"5.
Castel aponta, assim, uma nova face da questão social, além da condição dos trabalhadores: um número crescente de "não empregáveis (...) para muitos dentre eles, a inserção não é mais uma etapa: tornou-se um estado".
Em Perspectivas do Direito do Trabalho6, Amauri Mascaro Nascimento traça linhas vigorosas sobre o assunto, mostrando como essa área jurídica encontra-se numa readaptação das suas funções e os seguintes dilemas: segundo Wolfgang Döubler, (a) o Direito do Trabalho está em situação de crise; (b) novas estruturas são necessárias; (c) suas formas e conteúdo permanecem obscuros; (d) mudaram os valores principais da disciplina; (e) o seu princípio básico se mantém: todos os que trabalham não devem ser tratados como mercadoria e têm direito a uma vida digna.
Para Jean-Claude Javillier, são: "(a) estatuto versus contrato; (b) rigidez versus flexibilidade; (c) individualização ou coletivização da relação de trabalho; (d) articulação ou prioridade do contrato individual com a convenção coletiva". E propõe: "(a) uma nova relação entre direitos do indivíduo e direitos coletivos; (b) uma nova relação entre contrato individual e legislação do trabalho; (c) o primado da lei como expressão da ordem pública; (d) o reco-
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nhecimento da autonomia da vontade; (e) a diferença entre ordem pública e autonomia individual.
Mudanças são normais no Direito", pondera. "O Direito do Trabalho está exposto à pressão dos fatos sociais, à mesma renovação dos valores, a uma realidade mais ampla na qual estão presentes fatores de ordem econômica, política e social dos quais resultam as normas jurídicas. O Direito do Trabalho tem sido mais vivido do que conceituado. Nada há de surpreendente nisso. Suas normas não são estáticas. Desenvolvem-se numa perspectiva de mútua exigência que dá origem à formação de estruturas normativas que sintetizam as tensões concretizadoras de uma realidade multifacetada."
Javillier7 mesmo refere que a desregulamentação não é a solução:
Desregulamentando, alguns têm a impressão de poder reduzir a influência de uma tecnocracia que pesa bastante sobre o destino de cada um, desenvolvendo uma mentalidade de assistido de todos os lados. Entretanto, a fragilidade das sociedades aparece de forma mais pronunciada do que nunca. O critério de uma desregulamentação não saberá jamais ser o único 'custo' de uma norma, ou pior, de uma instituição, em um certo momento, sem levar em conta os dados gerais e os grandes equilíbrios de uma democracia.
Da desregulamentação ao desregular de uma sociedade pode haver menos que um passo. Vai do direito à informática: num momento, palavras e normas podem ser apagadas, o que exigirá tempo e habilidade jurídica e social para restabelecer.
As normas, como as instituições, não carregam seu real sentido e não têm a verdadeira influência senão levando em conta a idade. Na alvorada do terceiro milênio, não se pode esquecer, nem apagar; mais do que nunca é preciso memorizar, saber guardar e adaptar nosso direito.
Sobre O futuro do Direito do Trabalho, Cássio Mesquita Barros8 sublinha primeiramente a necessária associação entre o social e o econômico e a mudança de paradigma: "quando o direito do trabalho começa a se consolidar como matéria de direito no século XX, o mundo do trabalho não
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se parece mais com o mundo em que o direito se inspirou. (...) Poder-se-ia até dizer, como observa Rolf Birk, que no século XXI essa situação pode ser considerada a questão central".
Traço fundamental apontado é a sua constitucionalização e a questão que se coloca é: "em que medida a Constituição há de ser um degrau para a organização das relações de trabalho? Isso não é evidente porque os direitos fundamentais e os princípios de base da Constituição se dirigem ao Estado e não aos particulares. Nesse contexto, uma pesquisa sobre os fundamentos teóricos da constitucionalização em outros domínios mostra que facilmente se torna instrutiva e se sobrepõe aos seus efeitos práticos".
Nas suas conclusões, deixa claro que o Direito do Trabalho tem e terá campo próprio e que "as suas funções não podem ser realizadas por outras disciplinas jurídicas.
Todavia, no futuro, o direito do trabalho terá um outro aspecto para sobreviver como regramento aplicável, eficaz e razoável.
O direito do trabalho deverá seguir as mudanças das relações de trabalho. Se essa adaptação não for realizada, o direito do trabalho não fará mais parte da realidade do mundo do trabalho.
Com frequência se diz que o direito do trabalho está em crise. Mas desafio não significa necessariamente a crise. Os meios de reagir às mudanças no mundo do trabalho, de ordem regional...
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