Títulos executivos extrajudiciais

AutorHumberto theodoro júnior
Ocupação do Autordesembargador aposentado do tribunal de justiça de minas gerais. professor titular aposentado da faculdade de direito da ufmg. doutor em direito
Páginas151-207

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75. Execução de sentença e ação executiva

O Código de 1973, em seu feitio originário, teve o nítido propósito de abolir a velha distinção entre ação executória, baseada em sentença de condenação, e a ação executiva, fundada em títulos extrajudiciais. Desde sua entrada em vigor, passou a existir uma só execução forçada que poderia, por isso mesmo, merecer a denominação única de ação executiva ou ação de execução, e que, indistintamente, podia ser fundada em título judicial e extrajudicial. Com a reforma da Lei nº 11.232/2005, cujo sistema o Código de 2015 manteve em linhas gerais, a execução civil voltou a observar procedimentos diferentes, conforme o título seja judicial ou extrajudicial. No primeiro caso, não há necessidade de uma ação executiva autônoma, tudo se resolvendo numa simples fase do processo em que a sentença foi proferida. Apenas os títulos extrajudiciais continuaram a se submeter a ação de execução, nos moldes tradicionais. A força de ambos os títulos, porém, é a mesma, e os atos executivos são também os mesmos, variando apenas o modo de o credor dar início à atividade processual executiva, e de a defesa do executado ser processada.

O natural e lógico é que primeiro se acerte e liquide a obrigação para depois exigir seu cumprimento. A precedência do processo de conhecimento sobre o de execução é a regra. Existe, porém, previsão em lei de casos em que o acesso do credor à tutela

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executiva é direto, sem necessidade de submeter seu crédito à prévia certificação por sentença. Só a lei, no entanto, pode abrir semelhante exceção; e quando o faz, o documento formado extrajudicialmente se apresenta dotado de força executiva em tudo igual à da sentença pronunciada pela autoridade judicial no processo de conhecimento.

A força da vontade das partes não é suficiente para outorgar ao negócio privado a qualidade de título executivo. Tampouco tem a possibilidade de excluir tal autoridade aos documentos que a lei insere no rol de títulos executivos extrajudiciais. A matéria é de competência exclusiva da lei, de modo que agindo em sentido contrário, as partes produzem negócio ineficaz1O critério do legislador para a instituição de título executivo extrajudicial é de conveniência prática, predominando, geralmente, a relevância das atividades do comércio e dos instrumentos necessários à eficácia e à segurança imediata de seus negócios, bem como o interesse público que se encontra na solução célere de alguns créditos de natureza e importância especiais.

É assim que, "quando as circunstâncias são de molde a fazer crer que o direito de crédito existe realmente, quando o instrumento de obrigação se encontra revestido de formalidades que dão a garantia de que a execução movida com base nele não será injusta, atribui-se ao título eficácia executiva e poupa-se ao credor o dispêndio de atividade, tempo e dinheiro que representa o exercício da ação declarativa".276. Impossibilidade de conversão de execução forçada em ação ordinária de cobrança

Na sistemática do Código de Processo Civil de 1973, não era mais possível a conversão da ação executiva (execução forçada) em ordinária de cobrança, por duas razões:

  1. Não se destinando a execução forçada a condenar o devedor, mas apenas a realizar o direito líquido e certo atestado pelo título do credor, o pedido que a provoca é específico. Dessa forma, a lide deduzida em juízo é apenas de pretensão insatisfeita, e não de pretensão contestada, como acontece com o processo de cognição. Por isso, o conhecimento do pedido executivo como pretensão de condenação importa julgamento extra petita, atingindo matéria estranha ao objeto do processo.

  2. Entre a ação ordinária e a execução forçada, a diferença não é apenas de rito ou procedimento, mas de processo. E, como ensina J. J. Calmon de Passos, "... inexiste possibilidade de conversão de um processo (impróprio) em outro (próprio), na mesma espécie de processo (cognição, execução ou cautelar). Assim, pode adaptar-se o procedimento ordinário ao sumaríssimo, ou vice-versa, como se pode converter uma execução por quantia certa em

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    outro tipo de procedimento executivo, mas não será viável, em nenhuma hipótese, converter-se um processo de cognição em processo de execução ou vice-versa, porquanto, na espécie, o próprio pedido é que estaria sendo modificado, o que não é admissível na sistemática do Código".377. Posição do título executivo extrajudicial no atual regime processual brasileiro

    Doutrinariamente4, a situação e as características da execução do título extrajudicial têm sido assim esquematizadas:

  3. para provocar diretamente a execução forçada, a posição do título extrajudicial é idêntica à da sentença condenatória;

  4. só nos casos especialmente definidos em lei, o título de crédito pode ensejar diretamente a execução;

  5. a execução de título extrajudicial pode referir-se a cumprimento de qualquer obrigação (pagar quantia, fazer, não fazer ou entregar coisa), desde que certa, líquida e exigível;5d) nos embargos, o devedor por título extrajudicial pode alegar defesa ampla, arguindo tudo o que ao réu é lícito invocar no processo de cognição (CPC/73, art. 745, V).6Não sofre, portanto, as limitações do devedor por título judicial (CPC/73, arts. 741 e 475-L);7e) os embargos são ação incidental autônoma de eficácia constitutiva negativa (visam desconstituir a força executiva do título);

  6. não havendo embargos, não há condenação do devedor nos autos da execução. O juiz apenas decidirá em torno dos acessórios: juros, custas e honorários. Quando houver embargos, estas questões serão apreciadas na sentença que os julgar8;

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  7. a obrigação a ser executada deve sempre decorrer de documento escrito, embora em alguns casos inexista o reconhecimento expresso do devedor (encargos de condomínio, duplicata sem aceite e dívida ativa fiscal);

  8. desapareceu a exigência de acertamento judicial em ação especial (ação executiva) para completar ou ratificar a força do título executivo extrajudicial por meio de sentença.

78. Classificação

Podem os títulos executivos extrajudiciais ser classificados em particulares e públicos. Particular é o título originado de negócio jurídico privado e elaborado pelas próprias partes. Público é o que se constitui por meio de documento oficial, emanado de algum órgão da administração pública.

Só a lei, porém, estipula quais são os títulos executivos e fixa seus característicos formais indispensáveis. Inexiste, em nosso sistema jurídico, a executividade por mera convenção das partes. Só os documentos descritos pelo legislador (no Código ou em leis especiais) é que têm essa força.9Segundo o art. 784, do NCPC10são os seguintes os títulos executivos extrajudiciais:

I - a letra de câmbio, a nota promissória, a duplicata, a debênture e o cheque;

II - a escritura pública ou outro documento público assinado pelo devedor;

III - o documento particular assinado pelo devedor e por 2 (duas) testemunhas;

IV - o instrumento de transação referendado pelo Ministério Público, pela Defensoria Pública, pela Advocacia Pública, pelos advogados dos transatores ou por conciliador ou mediador credenciado por tribunal;

V - o contrato garantido por hipoteca, penhor, anticrese ou outro direito real de garantia e aquele garantido por caução;

VI - o contrato de seguro de vida em caso de morte;

VII - o crédito decorrente de foro e laudêmio;

VIII - o crédito, documentalmente comprovado, decorrente de aluguel de imóvel, bem como de encargos acessórios, tais como taxas e despesas de condomínio;

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IX - a certidão de dívida ativa da Fazenda Pública da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios, correspondente aos créditos inscritos na forma da lei;

X - o crédito referente às contribuições ordinárias ou extraordinárias de condomínio edilício, previstas na respectiva convenção ou aprovadas em Assembleia-Geral, desde que documentalmente comprovadas;

XI - a certidão expedida por serventia notarial ou de registro, relativa a valores de emolumentos e demais despesas devidas pelos atos por ela praticados, fixados nas tabelas estabelecidas em lei;

XII - todos os demais títulos aos quais, por disposição expressa, a lei atribuir força executiva.

O Código de 1973 incluía nesse rol o "crédito de serventuário de justiça, de perito, de intérprete, ou de tradutor, quando as custas, emolumentos ou honorários forem aprovados por decisão judicial" (CPC/73, art. 585, VI). O NCPC, contudo, colocou esses créditos na condição de título executivo judicial no art. 515, V. Constitui título executivo extrajudicial, segundo a nova codificação, a certidão relativa a emolumentos das serventias notariais e de registro, documentadas em certidão por elas expedida (NCPC...

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