Títulos de crédito: uma análise das principais disposições do novo Código Civil

AutorJean Carlos Fernandes
Páginas150-156

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1. Introdução

O novo Código Civil Brasileiro — Lei 10.406, de 10.1.2002 — entrou em vigência em 11.1.2003, dedicando o seu Título VIII, arts. 8S7 a 926, à disciplina "Dos Títulos de Crédito", dividindo-o em quatro capítulos: Disposições Gerais; Do Título ao Portador; Do Título à Ordem; Do Título Nominativo.

Na realidade, o novo Código Civil veio regular "papéis outros" diversos dos títulos de crédito hoje existentes, e que continuarão a existir com a sua entrada em vigor. Assim, a impropriedade do novo Código é gritante ao intitular o seu Título VIII como "Dos Títulos de Credito".

O Professor da Universidade Federal de Minas Gerais, Doutor Wílk Duarte Costa, jã alertara que o novo Código Civil somente repetiu inúmeros preceitos contidos em leis especiais, servindo apenas para confundir o intérprete e beneficiar expedientes protelatórios de devedores, concluindo que "aquela parte intitulada títulos de crédito deve ser excluída do novo Código, pois ela é de uma inutilidade a toda prova".1

Mas o que realmente sofreu alteração com a entrada em vigor do novo Código Civíi? Quais os pontos polémicos que serão instaurados? Como resolver a controvérsia?

Tais questionamentos fazem, desde já, com que a doutrina mergulhe na análise do tema, buscando uma melhor adequação da realidade jurídica que envolve os títulos de crédito e as novas regras dispostas pelo Código Civil em vigor.

2. A importância dos títulos de crédito

Não podemos olvidar que a criação dos títulos de crédito trouxe novos contornos às práticas comerciais, na medida em que valorizou a figura do crédito, dando-lhe posição de destaque no fomento das atividades desenvolvidas pelos comerciantes e os modernos empresários.

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De fato, em dado momento, as operações comerciais necessitaram tornar-se mais rápidas e mais amplas. Para isso, o crédito ocupou ponto de destaque, pois possibilitou que uma pessoa pudesse gozar de imediato da mercadoria ou serviços oferecidos no momento da transação, relegando o respectivo pagamento para o futuro.

O crédito traz implícitos os elementos confiança e tempo. Confiança de quem aceita, em troca de sua mercadoria, a promessa de pagamento futuro; tempo entre a prestação presente e atual e a prestação futura.

A modernização das práticas comerciais, impulsionadas pela figura do crédito, necessitou ainda de que a obrigação futura em troca de um valor ou mercadoria atual fosse exteriorizada em um documento2 — o título de crédito — com o escopo de incorporá-la e dar garantia ao credor.

A par da multiplicação das atividades comerciais, o título surgiu como um mecanismo perfeito e eficaz da mobilização da nqueza e da circulação do crédito, influenciando todos os negócios jurídicos, principalmente os de natureza económica.3

Borges4 destaca o entusiasmo de economistas c comercialistas que chegaram a afirmar que os títulos de crédito "têm contribuído mais que todas as minas do mundo para o enriquecimento das nações. Por meio deles, o direito consegue vencer tempo e espaço, transportando com facilidade bens distantes e materializando no presente — atualizando-as — as possíveis riquezas futuras".

3. Conceito e princípios dos títulos de crédito

Na clássica definição de Cesarc Vivan-te, título de crédito5 "é o documento necessário para o exercício do direito, literal e autónomo, nele mencionado".6

Extrai-se desse conceito que o título de crédito é um documento necessário ao exercício dos direitos nele mencionados; é literal; é autónomo.

Primeiramente, para ser título de crédito é necessário que a declaração obriga-cional esteja exteriorizada cm um documento escrito, corpóreo, em geral uma coisa móvel.7 Tal documento é necessário ao exercício dos direitos nele mencionados.

A literalidade, por sua vez, reside no fato de que só vale o que se encontra escrito no título.

Por último, a autonomia do título de crédito determina que cada pessoa que a ele se vincula assume obrigação autónoma relativa ao título. É em razão da autonomia do título de crédito que o possuidor de boa-fé não tem o seu direito restringido cm decorrência de negócio subjacente entre os primitivos possuidores e o devedor.

Aliás, não se pode falar de autonomia dos títulos de crédito sem que se faça, ainda que rapidamente, uma abordagem acerca da abstração, outro princípio característico de tais instrumentos.

Pela abstração temos que os direitos decorrentes dos títulos são abstratos, inde-

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pendentes do negócio que deu lugar ao seu surgimento.8 A abslração não se confunde com a autonomia. Aquela traz a regra de que uma vez emitido o título este libera-se de sua causa; esta disciplina que as obrigações assumidas no título são independentes umas das outras.

Segundo Fran Martins, "a abstração do direito emergente do título significa que esse direito, ao ser formalizado o título, se desprende de sua causa, dela ficando inteiramente separado. Se o título é um documento, portanto, concreto, real, o direito que ele encerra é considerado abstrato, tendo validade, assim, independentemente de sua causa".

Ponto mais importante cm relação aos títulos de crédito é que estes, para serem tidos como tal, devem ser regulados por lei. Em outros termos: deve existir uma lei que atribua a determinado "documento" credi-tício a natureza de um verdadeiro título de crédito, com todas as características e atributos a ele inerentes.

No direito brasileiro, leis especiais regulam os títulos de crédito, alguns usados em larga escala, outros sem grande utilização nas práticas comerciais. Podem ser mencionados: a letra de câmbio; a nota promissória; o cheque; a duplicata; os títulos de crédito rural: nota promissória rural, duplicata rural, cédula rural pignoratícia, cédula rural hipotecária, cédula rural pignoratícia e hipotecária e nota de crédito rural; os títulos de crédito industrial: cédula de credito industriai e nota de crédito industrial; as de-bêntures; o warrant; o conhecimento de transportes; as ações; títulos da dívida pública; letra imobiliária; cédula hipotecária.

O novo Código Civil também definiu títulos de crédito. E o fez em seu art. 857, nos seguintes termos: "O título de crédito, documento necessário ao exercício do direito literal e autónomo nele contido, somente produz efeito quando preencha os requisitos da lei".

Sabe-se não ser função do legislador ministrar definições, as quais devem ser evitadas, porque de nada adiantam num texto e refogem à missão simplesmente normativa deste.9 Muitas vezes, as definições feitas pelo legislador obstam a evolução de determinados institutos jurídicos, uma vez que, embora a doutrina e a jurisprudência os atualizem, o texto legal impede o seu...

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