Os títulos de crédito e o Código Civil

AutorWerter R. Faria
Páginas69-75

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O Livro I da Parte Especial do Código Civil, referente ao Direito das Obrigações, dedica o Título VIII aos Títulos de Crédito. O Título subdivide-se em Capítulos:

I - Disposições Gerais;

II - Título ao Portador;

III - Título à Ordem;

IV - Título Nominativo.

O Código Civil italiano que, em tantas partes, serviu de modelo ao brasileiro destina o Título V aos Títulos de Crédito, subdivido em quatro Capítulos com a mesma titulação.

A correspondência entre os Códigos não se limita à ordenação meramente formal dos respectivos Títulos VIII e V. O Brasil e a Itália participaram da conferência internacional que, em 7 de julho de 1930, aprovou a Convenção para a Adoção de uma Lei Uniforme sobre Letras de Câmbio e Notas Promissórias, anexos e protocolos, a convenção destinada a regular conflitos de leis nessas matérias, com protocolo, e a convenção relativa ao imposto do selo em matéria de letras de câmbio e notas promissórias, com protocolo. Essas convenções tornaram-se aplicáveis na Itália com o com o Decreto 1.669, de 14 de dezembro de 1933, convertido na Lei 1.946, de 20 de dezembro de 1942, que substituiu as disposições do Código Comercial concernentes à matéria. A Lei Uniforme sobre Letras de Câmbio e Notas Promissó- rias tornou-se aplicável no Brasil com a promulgação das convenções pelo Decreto 57.663, de 24 de janeiro de 1966.

Após a unificação do direito cambiário entre os Estados que adotaram a Lei Uniforme, a Itália aprovou o Código Civil pelo Decreto 262, de 16 de março de 1942. Rosario Nicolò1 lembra a polêmica que grassou no seu país e no exterior acerca da idéia de "eliminar a duplicação dos códigos de direito privado e converter em uniforme a disciplina da matéria civil e da matéria comercial. Decidiu-se também basear a disciplina da atividade econômica, em todas as suas formas (compreendida a agrária), do ponto de vista subjetivo, na figura do empresário e, do ponto de vista objetivo, no conceito de empresa e na noção de azienda, e, no quadro desta disciplina, dar maior relevância ao trabalho subordinado, que é um dos elementos determinantes da empresa, e, do ponto de vista social, de longe o mais relevante".

Exposto o programa de trabalho adotado na elaboração do Código Civil, Nicolò observa que "Fora do código teria ficado a disciplina da letra de câmbio e da nota promissória, já reguladas pelas leis especiais expedidas em execução de convenções internacionais, e a disciplina da falência e de outras formas de liquidação concursal, que estaria contida numa lei especial".

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Na expressão autorizada de Alberto Asquini,2 as disposições do Código Civil sobre os títulos de crédito, constituem a base legislativa da matéria. Mas, "foi mantida fora do Código Civil a disciplina da cambial e da nota promissória que, após a convenção de Genebra, de 1930, já fora retirada do Código Comercial para constituir objetivo de duas leis especiais (...)"·

O Código Comercial brasileiro de 1850, cuja Parte I (Do Comércio em Geral) foi revogada pelo art. 2.045 do Código Civil, regulou as letras de câmbio e as notas promissórias (arts. 354-424) até o advento da Lei 2.044, de 31 de dezembro de 1908. Assim como sucedeu na Itália, revogado Título XVI do Código Comercial a lei sobre letras de câmbio e notas promissórias continuou vigente devido ao seu particularismo.

Os Códigos Civis da Itália e do Brasil entraram em vigor após a Lei Uniforme que se tinham obrigado a introduzir em seus territórios. A sobrevivência da Lei Uniforme em matéria de letras de câmbio e notas promissórias, da Lei Uniforme em matéria de cheques e das leis que dispõem sobre outros títulos de crédito tem dois efeitos:

· a inaplicabilidade das disposições de caráter geral do Código Civil às letras de câmbio e notas promissórias e outros títulos de créditos objeto de leis especiais;

· o surgimento do problema das relações entre as disposições do Código Civil sobre os títulos de créditos e as contidas nas leis especiais.

Quanto ao primeiro efeito, Antonio Pavone la Rosa3 ensina: "A lei cambiaria uniforme permaneceu em vigor mesmo depois da promulgação do novo Código Civil de 1942. Com efeito, a disciplina que ditou para os títulos de crédito (arts. 1.992-2.027) respeita aos títulos 'em geral', e precisamente pelo seu caráter 'geral' é inaplicável à letra de câmbio, a que se aplicam as disposições da lei especial, destinada a prevalecer, como tal, sobre aquela disciplina (art. 2.001 c.c). A disciplina geral do Código Civil poderá, por conseguinte, ser utilizada somente com função 'supletiva', no caso de silêncio da lei especial, seja para integrar eventuais lacunas desta última, ou como elemento de interpretação da mesma lei, no caso em que apresente uma formulação equívoca, que possa ser eliminada utilizando-se dados normativos contidos no Código Civil".

No tocante ao segundo efeito, Luigi Bianchi d'Espinosa4 leciona: "Com a entrada em vigor do Código de 1942, pôs-se o problema das relações entre o novo Código e as leis cambiarías. Para muitas normas do novo Código, respeitantes a institutos não regulados pela lei de 1933, pode-se falar, sem dúvida alguma, de fontes de direito cambiário (...), como fontes subsidiárias em relação às leis especiais".

A respeito de outras disposições, especialmente as constantes do Título V do Livro IV do Código Civil, que se aplicam como normas gerais em face das especiais das leis cambiarías, a relação é discutida. "Na jurisprudência predominante, julgou-se que algumas normas do Código Civil tinham valor interpretativo da lei cambiaria: assim o art. 1.993 que dispõe que podem ser opostas ao possuidor do título as exceções pessoais entre o devedor e os possuidores anteriores apenas se o possuidor, ao adquirir o título, agiu intencionalmente em prejuízo do próprio devedor, teria esclarecido o alcance dos arts. 21 l.c. e 25 l.c., que, ao contrário, utilizavam o advérbio cientemente (...). Em sentido oposto, na mais recente jurisprudência da Cassação (...) foi considerada inaplicável à amortização dos títulos cambiários a obrigação de depositar o título na chancelaria, imposta a quem oferece oposição ao decreto de amortização

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do art. 2.017 c.c: A propósito, a Cassação argumentou com o fato de que as normas das leis cambiadas, em matéria de amortização, constituem um sistema 'fechado' que não permite a inserção de disposições estranhas à própria lei; e com a circunstância de que as leis cambiadas estão conformes com as disposições da Convenção de Genebra, por isso não se pode presumir que o legislador tenha desejado modificá-las posteriormente, violando o compromisso assumido pelo Estado italiano no plano internacional".

Asquini5 relata que, a partir de 1926, a balança da reforma do Código Comercial inclinou-se definitivamente para o sistema de um código de base profissional, concentrado no conceito de empresa, como forma organizativa típica do exercício...

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