Tipos de contratos a termo

AutorMauricio Godinho Delgado
Páginas616-657

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I Introdução

Há certos tradicionais contratos a termo que, seja em função de sua recorrência no cotidiano trabalhista, seja em virtude da especificidade de algumas de suas regras, merecem exame pormenorizado. Entre esses pactos, destacam-se o contrato de experiência, o contrato de safra1, o contrato de obra certa e o contrato de temporada. Há que se registrar ainda o contrato de aprendizagem.

Ao lado de tais modalidades clássicas de contratos a termo, surge a nova figura tipificada pela Lei n. 9.601/98 (contrato provisório).

Todos esses tipos jurídicos de contratos a prazo serão objeto de estudo no presente capítulo.

II Tipos clássicos de contratos a termo
1. Contrato de Experiência

Contrato de experiência é o acordo bilateral firmado entre empregado e empregador, com prazo máximo de 90 dias, em que as partes poderão aferir aspectos subjetivos, objetivos e circunstanciais relevantes à continuidade ou extinção do vínculo empregatício. É contrato empregatício cuja delimitação temporal justifica-se em função da fase probatória por que passam geralmente as partes em seguida à contratação efetivada.

Chama-se também de contrato a contento, contrato de tirocínio ou contrato de prova.

A lei é lacônica com respeito ao contrato de experiência (alínea “c” do § 2º do art. 443, CLT), não estabelecendo que tipos de aspectos podem ser aferidos na experimentação efetuada. Evidentemente tais aspectos podem abranger a dimensão circunstancial da prestação de serviços (horário, local, ambiente de trabalho, etc.), podendo também abranger a dimensão objetiva do contrato (prestação salarial, por exemplo). Até mesmo a dimensão subjetiva concernente às partes pode ser avaliada — como, ilustrativamente, a efetiva qualificação profissional do trabalhador ou sua aptidão para cumprir eficazmente a função pactuada, do mesmo modo que a efetiva natureza das atividades desempenhadas pela empresa.

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A dimensão subjetiva da avaliação da experiência pode, entretanto, suscitar algumas dúvidas. É que essa dimensão não é, seguramente, tão larga a ponto de poder autorizar procedimentos discriminatórios ou ofensivos por parte do empregador: assim, aspectos pessoais, cuja consideração valorativa seja vedada pelo Direito, não poderão ser levados em conta na aferição da experiência (por exemplo, raça, cor, sexo, etc.). Tal conduta seria, desse modo, discriminatória, e, portanto, ilícita.

A dimensão subjetiva, porém, certamente pode abranger determinados aspectos pessoais das figuras do empregado e do empregador, desde que estritamente relacionados ao objeto do contrato — e que não sejam tidos como discriminatórios. A própria CLT refere-se à noção de condição pessoal quando estabelece um parâmetro supletivo de encontro da função profissional objetivada pelo contrato empregatício (parágrafo único do art. 456, CLT).

O laconismo legal no tocante aos tipos de aspectos que podem ser objeto da experiência (embora, obviamente, excluídos aspectos que envolvam discriminação ou agressão à dignidade das pessoas naturais envolvidas) manifesta-se também no tocante aos tipos de relações empregatícias que podem ser pactuadas mediante contrato a contento. Não especifica o art. 443, da CLT, qualquer situação delimitada para incidência do contrato de prova no plano concreto das relações empregatícias. Esse silêncio legal, carregado de conteúdo normativo, permite submeter à regência do contrato de experiência, em princípio, qualquer relação de emprego, em seu nascimento.

É evidente que esse laconismo normativo não traduz — como já se afirmou — compactuação com a burla ao sentido essencial da legislação: se, por exemplo, o trabalhador for recontratado, após extinção de contrato empregatício, para exercer as exatas mesmas funções, no exato mesmo contexto empresarial, torna-se injustificável novo contrato de experiência. Essa situação de afronta ao sentido e objetivos centrais do tipo legal examinado não pode ser, contudo, generalizada, a ponto de se considerar o contrato a contento inválido para aferição inicial da relação empregatícia concernente a certas categorias de trabalhadores. O texto lacônico celetista expressa exatamente a intenção de não discriminar situações ou pessoas, certamente na sensata intenção legal de apreender no contrato de prova um instrumento útil de aferição não somente da qualificação profissional do trabalhador, mas, também, na mesma intensidade, de sua aptidão de inserção comunitária no ambiente de trabalho, além de outros aspectos lícitos. Na mesma linha, a aferição, pelo(a) trabalhador(a), acerca da própria higidez moral e material do ambiente e empresa a que acabou de se vincular.

Por essas razões, a posição restritiva de algumas vozes da doutrina no sentido de que o contrato de experiência não seria aplicável à contratação de trabalhadores sem significativa qualificação profissional tem sido francamente rejeitada pela maioria dos autores e pela jurisprudência hegemônica.

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A) Caracterização — O contrato de experiência caracteriza-se como contrato a prazo, cujo lapso temporal máximo não pode ultrapassar 90 dias (arts. 443, § 2º, “c” e 445, parágrafo único, CLT).

No tocante à sua formalidade, esse tipo de contrato ocupa, como já mencionado, uma posição singular no Direito do Trabalho: embora efetivamente não seja, em princípio, formal, solene — a CLT não faz menção a tal requisito (art. 443, § 2º, “c”) —, a jurisprudência já pacificou não ser ele passível de contratação meramente tácita; isso significa que deve, necessariamente, provar-se através de um mínimo de formalização escrita. Essa construção hermenêutica justifica-se em virtude de o prazo curto desse contrato (máximo de 90 dias) somente poder ser delimitado através de termo prefixado (art. 443, § 1º, CLT), dia certo, portanto — elemento que exige enunciação contratual clara, firme e transparente desde o nascimento do pacto.

Conforme já se ponderou, afirma-se como sensata tal interpretação normativa. É que o franqueamento largo dos contratos de experiência — admissíveis para qualquer tipo de trabalhador empregaticiamente contratado — torna relevante a garantia de transparência no que tange à modalidade de contrato efetivado entre as partes. Além disso, a aprovação ou desaprovação na experiência jamais teria caráter de efetivo termo, uma vez que é fato incerto quanto à sua própria ocorrência (aproximando-se mais de uma condição, portanto). Nesse contexto, não poderia o final do contrato ser fixado em virtude de serviço especificado (experiência não é serviço), nem em função de acontecimento suscetível de previsão aproximada (não se sabe ao certo se a experiência terá êxito ou não). Logo, não somente por necessidade de transparência inequívoca acerca de cláusula contratual restritiva (que é o termo), como também por exclusão lógica das duas outras modalidades de fixação de termo final estipuladas no § 1º do art. 443 da CLT, é que se tem como inexorável a só utilização de termo cronológico nos contratos de prova.

B) Efeitos Contratuais — Caracterizado o contrato a contento como típico contrato a prazo, incidem sobre ele, em princípio, os efeitos próprios a essa modalidade contratual, segundo o estuário normativo da CLT.

Nesse quadro, pode o contrato a contento ser objeto de prorrogação — desde que por uma única vez, respeitado o prazo máximo de 90 dias, somados os dois períodos, o primitivo e o prorrogado. Do mesmo modo, a extinção contratual rege-se pelas regras comuns aos contratos a prazo, quer na ruptura por término do prazo prefixado, quer na ruptura antecipada por exercício da vontade de uma das partes, quer na ruptura antecipada ocorrida em vigência de cláusula assecuratória de direito recíproco de antecipação de rescisão. Finalmente, a transformação legal automática do tipo contratual em pacto indeterminado também ocorre aqui, segundo o mesmo padrão normativo verificado com os demais contratos a termo.

Dois aspectos, contudo, devem ser ressalvados com relação aos efeitos dos contratos de experiência. Em primeiro lugar, raramente será válida a

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sucessividade contratual, no presente caso, ao contrário das duas hipóteses de validade previstas no final do art. 452 da CLT. Não parece viável a pactuação de um contrato de experiência após a extinção do anterior — já que, nesse caso, o pacto precedente não se extinguiu em função da execução de serviço especificado ou da verificação de certo acontecimento (como quer o art. 452): extinguiu-se em função do cumprimento do prazo autorizado de experimentação. A sucessividade de contratos a contento (ou mesmo de um contrato de prova posterior a um outro contrato indeterminado) tenderá a configurar, desse modo, evidente fraude trabalhista (art. 9º, CLT) — presunção de difícil desconstituição na prática juslaboral.

Em segundo lugar, há posições doutrinárias que enxergam uma especificidade rescisória nos contratos de prova. Para tais vertentes, os contratos a contento seriam contratos a termo com cláusula resolutiva inserta, apta a permitir a resilição contratual sem ônus para a parte que exerceu a condição potestativa resilitória. Nesse quadro, admitir-se a indenização (art. 479, CLT) ou o aviso-prévio (art. 481, CLT) seria desnaturar-se e tornar sem sentido tal contrato especial2. Semelhante leitura, contudo, não se ajusta ao modelo legal celetista vigorante de contrato de experiência, nem à compreensão hoje dominante na...

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