O contrato-tipo e a aplicação do cdc aos contratos empresariais

AutorGustavo Neto De Carvalho Dias
Páginas223-232

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REsp n. 655.436-MT (2004-0050898-7) - 4a Turma do STJ

Rel.: Ministro João Otávio de Noronha Recte.: Luiz Alberto Sampaio Mousquer Advs.: Rogério Pinheiro Crepaldi e Outros Recdo.: Adm. Exportadora e Importadora S/A

Advs.: Vasco Ribeiro Gonçalves de Medeiros e Outros j. 8.4.2008 DJ 28.4.2008

Ementa: Direito Civil. Compra e venda de safra futura. Contrato-tipo. Código de Defesa do Consumidor. Potencial consumidor. Inaplicável. Onerosidade excessiva. Não-configurada. Dólar americano. Fator de atualização. Cláusula penal. Redução. Súmula n. 7-STJ.

  1. Não há relação de consumo nos moldes do art. 29 do CDC quando o contratante não traduz a condição de potencial consumidor nem de parte aderente, firmando negócio jurídico produzido por acordo de vontades, na forma de contrato-tipo.

  2. O dólar americano não representa indexador, sendo utilizado na avença como fator de atualização, porquanto a soja brasi-leira caracteriza-se como produto de exportação cujo preço é determinado pela Bolsa de Chicago.

  3. É possível a revisão de multa de modo a ser reduzida pelo magistrado quando houver adimplemento parcial ou simples mora dada a natureza compensatória das perdas e danos. No entanto, sua adequação à realidade dos fatos esbarra no óbice da Súmula n.7-STJ.

  4. Recurso especial não conhecido.

    ACÓRDÃO

    Vistos, relatados e discutidos os autos em que são partes as acima indicadas, acordam os Ministros da 4a Turma do Superior Tribunal de Justiça, por unanimidade, não conhecer do recurso especial nos termos do voto do Sr. Ministro Relator. Os Srs. Ministros Fernando Gonçalves e Aldir Passarinho Junior votaram com o Sr. Ministro Relator. Presidiu o julgamento o Sr. Ministro Fernando Gonçalves.

    Brasília, 8 de abril de 2008 (data do julgamento).

    Ministro João Otávio de Noronha -Relator.

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    Cuida-se de recurso especial interposto contra acórdão prolatado pela 1a Câmara Cível do Tribunal de Justiça do Estado do Mato Grosso e cuja ementa a seguir transcrevo:

    "Contrato de compra e venda de soja para entrega futura - Inadimplemento do vendedor - Indexador em dólar - Admissibilidade - Cláusula penal compensatória -50% do valor inadimplido - Limite do art. 412 do CC - Inaplicabilidade do CDC -Recurso improvido - Sentença mantida.

    "A relação ajustada pelas partes não caracteriza relação de consumo a permitir a aplicação das regras contidas no Código do Consumidor, pois se trata de compra e venda de safra de soja. Nem o comprador é fornecedor, nem o vendedor é consumidor.

    "Conquanto a legislação pátria proíba o pagamento em moeda estrangeira não há vedação quanto à sua contratação como fa-tor de atualização monetária, mormente porque o produto negociado encontra-se vinculado à cotação do mercado internacional.

    "O não-cumprimento da obrigação pelo vendedor dá ensejo à rescisão contratual com a conseqüente incidência da multa convencionada, nos termos da lei, razão porque não deve ser reduzida" (fl. 248).

    Subseqüentemente, foram opostos embargos de declaração sob alegação de omissão quanto à incidência do Código de Defesa do Consumidor na espécie da contratação, bem como para prequestionar artigo de lei violado, os quais restaram desa-colhidos, consoante ementa adiante transcrita:

    "Recurso de apelação cível - Embargos declaratórios - Alegação de omissão -Inexistência - Pretensão de reexame das questões já decididas - Impossibilidade -Recurso improvido.

    "Não se prestam os embargos declaratórios ao reexame das questões decididas com profundidade e suficiência" (fl. 268).

    Nas razões do especial, alega-se o seguinte:

    1. negativa de vigência ao art. 535, II, do CPC, na medida em que o Tribunal de origem entendeu válida a cláusula contratual que previa atualização monetária atrelada à cotação do dólar, mas não se manifestou acerca do desequilíbrio contratual marcado pela abrupta desvalorização do real frente ao dólar americano.

    2. negativa de vigência ao art. 29 do Código de Defesa do Consumidor, porquanto toda e qualquer pessoa determinável ou não, exposta às práticas abusivas descritas no Capítulo V e VI, do CDC, equipara-se a consumidor. No caso em exame, alega o recorrente que a recorrida demonstrou "todo seu poderio financeiro estipulando preços, prazos e condições", não lhe restando outra alternativa senão aceitar as condições impostas sob pena de não vender seu produto.

      Argumenta o recorrente também que há caráter adesivo no contrato assinado, porquanto a própria recorrida admite que executa centenas de compras de soja visando à contratação em massa, bem como reconhece que as cláusulas são previamente redigidas, estipulando preço, prazos, condições e garantias a serem ofertadas no negócio. Defende a tese de que foi exposto a práticas contratuais abusivas, uma vez que aderiu ao contrato pela dificuldade de circulação do produto no município, distante 500km da capital de Mato Grosso. Aduz dissídio jurisprudencial, colacionando acórdão paradigma da lavra do Ministro Ruy Rosado (REsp n. 57.974-0-RS).

    3. negativa de vigência ao art. 54, §§ 3o e 4o, do CDC, na medida em que a cláusula quarta foi mal redigida, faltando-lhe clareza quanto à aplicação da variação da moeda estrangeira para correção do débito. Alega que "inexiste a alusão precisa, cor-reta e definitiva de que o recorrente teria que pagar o equivalente à cotação da moeda norte-americana na data aprazada, o que afasta a vinculação do débito do recorrente com a indexação cambial" (fl. 287).

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      Pondera que, nas razões da apelação, requereu fosse o débito corrigido monetariamente pelo INPC-IBGE, ou, alternativamente, fosse decretada a invalidade da indexação pelo dólar americano a partir da onerosidade excessiva; todavia, o acórdão recorrido afastou a aplicação do CDC e a configuração do contrato de adesão na espécie contratada, negando vigência aos parágrafos do aludido art. 54 do código con-sumerista.

    4. negativa de vigência ao inciso VI do art. 6° e ao inciso III do § 1o e IV do art. 51 do Código de Defesa do Consumidor, considerando que a indexação com base no dólar tornou-se excessivamente onerosa, devendo as cláusulas contratuais que previam ônus exclusivo ao recorrente serem nulas de pleno direito, não podendo o "fornecedor" pelo negócio feito no exterior transferir o risco de sua atividade para o "consumidor".

    5. negativa de vigência aos arts. 6o da Lei n. 8.880/1994 e 1° do Decreto n. 857/1969, porquanto o acórdão recorrido considerou válida a contratação de moeda estrangeira como fator de atualização. No entanto, argumenta o recorrente que são nulas de pleno direito as contratações exeqüíveis em moeda estrangeira. Aduz dis-senso pretoriano a respeito do tema, trazendo aos autos acórdão paradigma proferido no AgRg no Ag n. 464.005-RJ.

    6. negativa de vigência ao § 1o do art. 52 do CDC e ao art. 924 do Código Civil de 1916, na medida em que o acórdão recorrido não determinou a redução da cláusula penal imposta ao recorrente no percentual de 50%, considerada iníqua e abusiva. Alega o recorrente que já está sujeito à multa moratória de 10% como medida de proteção ao pacto, sendo que o CDC limita em 2% as multas de mora em razão de inadimplemento.

      Considera o recorrente justa a redução da cláusula penal para 2% (dois por cento), uma vez que cumpriu quase 90% (noventa por cento) da obrigação com a entrega de 610.896 (seiscentos e dez mil e oitocentos e noventa e seis) quilos e 100 (cem) gramas de soja brasileira à recorrida. Colaciona paradigma que trata da limitação de cláusula penal sobre valor de contrato firmado pelo Banco do Brasil S/A (REsp 57.974-0-RS).

      As contra-razões foram apresentadas às fls. 349-366.

      É o relatório.

      VOTO

      O Exmo. Sr. Ministro João Otávio de Noronha (Relator): O recorrente firmou com a recorrida contrato de compra e venda de coisa certa e futura, qual seja, 686.000 (seiscentos e oitenta e seis mil) quilos de soja brasileira em grãos, da safra de 1998/1999, devidamente especificado o percentual máximo de umidade, pureza, avariados, grãos verdes e grãos quebrados, assumindo a condição de fiel depositário do produto plantado.

      Ocorre que parte do produto avençado, equivalente a 75.072 (setenta...

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