Thomas Hobbes: o limiar da ciência do estado na modernidade

AutorJoão Protásio Domingues de Vargas, Levindo Ramos Vieira Neto
Páginas90-124
CAPÍTULO 4
Thomas Hobbes
O Liminar da Ciência do Estado na Modernidade
João Protásio Farias Domingues de Vargas1
Levindo Ramos Vieira Neto2
Introdução
O presente texto aborda a presença da Ciência do Estado nos
tratados de Hobbes de acordo com vários autores. O desenvolvimento
apresenta uma segmentação composta por grupos de autores aborda-
dos: 1) Hobbes: politólogo e estadólogo e 2) Hobbes: jurista e estadólo-
go. Uma pesquisa sobre o limiar da Ciência do Estado na Modernidade
tem que passar pelos clássicos pensadores sobre o Estado, que são, pelo
tronco da árvore de abordagens, Maquiavel, Hobbes, Rousseau, Mon-
tesquieu e Kant. Não perquirimos aqui sobre a Ciência do Estado na
Contemporaneidade, inaugurada a partir do século XIX, onde guram
Hegel, Marx, Comte, Weber e Durkheim como os primeiros. Também
não abordaremos aqui o limiar da Ciência do Estado na Antiguidade,
com Platão, Aristóteles, Plotino, Cícero e Agostinho sob a base, e nem no
medievo. Nossa pesquisa se cinge a um único autor da modernidade,
Thomas Hobbes, na sua clássica trilogia De Cive (sociedade), Leviatã (Es-
tado) e Behemoth (Guerra), para quem perguntamos, igualmente a outros
autores, se Hobbes, ao escrever tais obras, atuava como politólogo, como
jurista ou como estadólogo (que inclui o estadista). Esta pergunta foi
também dirigida para duas dezenas de importantes autores: Karl Man-
nheim, Pierre Bourdieu, Norberto Bobbio, Martin van Creveld, Michel
Villey, Franz Wieacker, Friedrich Hegel, Gaetano Mosca, Montesquieu,
1 Mestrando em Direito na UFMG, sob a orientação o Prof. Dr. José Luiz Borges Horta;
Bacharel em Ciências Jurídicas e Sociais pela UFRGS; Bacharel em Ciências do Estado pela UFMG.
2 Mestrando em Direito pela UFMG, sob a orientação do Prof. Dr. Joaquim Carlos Salgado;
Bacharel em Direito pela UFMG.
João Protásio Domingues de Vargas & Levindo Ramos Vieira Neto • 91
José Maria Rodrigues Paniágua, John Gunnel, Joaquim Carlos Salgado,
José Luiz Borges Horta, Carl Schmi, Jürgen Habermas, Giovanni Sarto-
ri, Samuel Finer, John Gillisen e Hannah Arendt.
O plano de desenvolvimento do projeto de texto prevê três par-
tes, cada uma para um artigo distinto. A Parte I, no primeiro artigo, apre-
sentará uma biobibliograa de Hobbes (bastante compacta) e abordará a
Ciência do Estado no tratado De Cive (1640) e no Behemoth (1668). A Parte
II, no segundo artigo, abordará a Ciência do Estado exclusivamente no
tratado Leviatã (1651), dado o fato de ser esta obra a mais extensa e densa
dentre as outras duas. A Parte II, no terceiro artigo, abordará a Ciência
do Estado em Hobbes segundo diversos autores, acima mencionados.
Seria o ideal que a abordagem do Leviatã sucedesse a do De Cive, e que a
totalidade da abordagem compusesse um único texto, porém, por ques-
tão de espaço textual, tivemos de segmentar as abordagens e intercalar o
Behemoth entre as duas obras de ponta; porém, isso não impediu a com-
preensão das abordagens feitas e nem a exposição do resultado buscado
pela pesquisa, cuja conclusão se encontra no terceiro artigo, na Parte III.
Por uma opção metodológica, parte desta introdução será repe-
tida nos três artigos e cada um apresentará uma conclusão do seu pró-
prio desenvolvimento especíco, cando a conclusão do terceiro artigo
como a conclusão geral, que abrange todas as três partes postas nos três
artigos.É necessário agradecer aqui aos Professores José Horta e Karine
Salgado, pelo oferecimento desta importante disciplina, pelo seu método
de trabalho semestral, por ter incluído Hobbes em sua programação
de ensino para a pesquisa dos pós-graduandos, e, sobretudo, pela
compreensão para com a dificuldade dos ora autores em se expressar em
poucas páginas, em se tratando de Thomas Hobbes, pela mão brasileira
de Janine. Estre tradutor e estudioso de Hobbes se pergunta: “Por que
não entendemos as losoas como obras de arte, cada uma delas prismando o
mundo a partir de uma faceta, que pode ser uma paixão, um sentimento, uma
prática?”3. Quem sabe esteja na hora de observar Hobbes também por
este prisma diferenciado.
“Nada falta, de horrível, à reputação de Hobbes”.
(Renato Janine Ribeiro)4
3 RIBEIRO, Renato Janine. Ao Leitor Sem Medo: Hobbes Escrevendo Contra o Seu Tempo.
2. ed. Belo Horizonte: Editora da UFMG, 1999. p. 20.
Ibid., p. 19: “Nada falta, de horrível, à reputação de Hobbes: embora – raramente – se
admita que os hobbistas possam não ter sido seus leitores éis, compõe-se a sua memória do medo,
92 • Capítulo 4 - Thomas Hobbes : O Liminar da Ciência do Estado na Modernidade
1. Hobbes: Politólogo e Estadólogo.
1.1 A Contribuição de Mannheim, Bourdieu e Bobbio
Karl Mannheim (1893-1947)5 entende que as grandes diculda-
des que o conhecimento cientíco enfrenta (na Alemanha da virada dos
anos 20 para os 30 do século XX, que é quando o autor está escrevendo
a obra) advêm do fato de que a ciência política não lida com entidades
objetivas e rígidas, mas com tendências e anseios em constante uxo.
Exemplica dizendo que uma diculdade adicional é que a constelação
das forças em interação muda constantemente. Cada força é imutável
em caráter – diz Mannheim; onde quer que as mesmas forças interajam,
e onde quer que a interação siga um curso regular, é possível formular
leis gerais. Porém, na política, isso não é tão fácil quando novas forças
estão penetrando incessantemente no sistema e formando combinações
imprevisíveis. Assome-se ao rol de diculdades de pesquisa no campo
da política que o observador não está fora do domínio do irracional,
mas participa no conito de forças. Esta participação vincula o observa-
dor inevitavelmente a uma visão partidária, através de suas valorações
e interesses. Ademais, prossegue o politólogo tedesco, é de importância
especial a existência do fato de que o teórico político não só é um partici-
pante o conito, em razão e seus valores e interesses, mas a maneira pela
qual o problema se apresenta a ela, seu modo e pensamento mais geral,
incluindo até suas categorias, vincula-se às correntes políticas e sociais
gerais. Em vista disso, tanto quanto isso ocorra, na esfera do pensamen-
to político e social, deve-se, segundo o autor, reconhecer diferenças reais
nos estilos de pensamentos, e estas diferenças se estendem, para além
dos fenômenos meramente políticos, ainda ao campo da Lógica. .6
da amoralidade, do escândalo sexual, do ateísmo”. Em suma, o lósofo maldito do início da Mo-
dernidade.
⁵ MANNHEIM, Karl. Ideologia e Utopia. Trad. Sérgio Magalhães Santeiro. 3. ed. Rio de Janeiro: Zahar
Editores, 1976. Capítulo III – Panorama de uma Política Cientíca: A Relação entre a Teoria Social e
a Prática Política, com ênfase no item 1 – Por Que não Existe uma Ciência Política?, p. 135 ss (142).
Ibid., p. 142-143: “Nisso, sem dúvida, reside o maior obstáculo a uma ciência política, pois, de acor-
do com as expectativas normais, uma ciência da conduta somente seria possível quando a estrutura
fundamental do pensamento independesse das diferentes formas de conduta em estudo, apesar
de que o observador é um participante da luta, a base de seus pensamentos, isto é, o seu aparato
observacional e o seu método de estabelecer as diferenças intelectuais, deve estar acima do conito.
Não se pode resolver um problema obscurecendo-lhe as diculdades, mas somente denindo-as
tão nítida e pronunciadamente quanto possível. Para isso, nossa tarefa consiste em estabelecer de
maneira denida a tese de que na política a formulação de um problema e as técnicas lógicas envol-
vidas variam com a posição política do observador”.

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