The war of wars, the revolution of revolutions, 1917/ A Guerra das Guerras, a Revolucao das Revolucoes, 1917.

AutorVarela, Raquel

A Guerra das Guerras

Em 1870 e apresentado no parlamento ingles, por ordem de sua Majestade, o Relatorio sobre as Condicoes das Classes Trabalhadoras dos paises estrangeiros (1). Um grupo de agentes consulares e diplomaticos envia de varias partes do mundo um relatorio detalhado sobre que condicoes laborais iriam os capitalistas ingleses encontrar em cada pais, desde Portugal ao Imperio Otomano, dos EUA a Grecia.Nele podem ler-se o numero de almas disponiveis para trabalhar, a sua formacao media, tamanho da familia, habitos alimentares, habitacao, higiene, quais os trabalhos que podem ser ocupados por mulheres, ou criancas. No Imperio otomano ha uma descricao detalhada das organizacoes de artesaos, quanto ganham por categoria; o de Valencia, regiao espanhola, explica, alem do numero, que ganham mais no verao do que no inverno, provavelmente por escassez de forca de trabalho disponivel, ja que estao a trabalhar nas proprias colheitas. O de Portugal recomenda os trabalhadores portugueses porque nao bebem muito ao Domingo e por isso trabalham a segunda-feira, e porque "se contentam com pouco". Aquilo que hoje seria um moderno sistema de gestao de recursos humanos, realizado provavelmente por um estudo de uma consultora internacional, era ja profundamente detalhado na Europa industrializada oitocentista--e a visao do continente como um simples mercado de trabalho. Quantos sao, quanto ganham, o que sabem fazer, como e que vivem, quanto se pode pagar? E, quanto nao se pode pagar?

Este movimento--de deslocalizacao de empresas onde o valor do salario directo e indirecto e mais baixo--, tem sido a historia da expansao da Europa, dentro dos seus paises e entre as suas nacoes, com excepcao dos anos de > do pos 1945 ate 1967: > (2). So em Londres, 30 % da populacao estava na miseria ou seja, sem meios para obter a sua manutencao, o salario de reproducao biologica. Em 1900 na Europa balcanica e espanhola a esperanca media de vida era de 35 anos. (3)

As classes sociais nao eram exactamente castas na Europa, mas a sociedade dividia-se claramente em classes: laboriosas, pobres, camponeses, uma minoritaria classe media e a aristocracia, e a classe alta, financeira-industrial: >. (4)

Em 1914 a Inglaterra tinha um imperio 114 vezes o seu tamanho; a Belgica 80 vezes, a Holanda 60 e a Franca 20. Entre 1950 e 1911 virtualmente o mundo todo foi conquistado pelos imperios europeus. Em Africa so a Liberia e a Etiopia ficaram de fora da divisao a regra e esquadro das potencias centrais--se os leitores olharem o mapa de Africa encontrarao fronteiras com longas linhas direitas, que cruzam assim rios, cortam montanhas, e suprimem o sustento a povos pastores ou agricultores, que ficaram sem acesso aos meios de producao por esta divisao realizada pela potencias no congresso de Berlim de 1895. Na Indochina e na China comecava a disputa em esferas de influencia, num regime de protectorado e/ou de conquista (5). Nestes anos a "historia de toda a humanidade fluiu por um estreito canal desenhado por poucos paises europeus>> (6).

A Europa central e balcanica estava sob as botas do expansionismo, a Europa ocidental na luta pelas colonias e mercados. O cenario europeu era, portanto, explosivo (7). O Imperio Austro-Hungaro disputava a Servia o espaco e pelo caminho esmagava as nacionalidades oprimidas: servios, croatas, eslovenos, tchecos, eslovacos, bulgaros; a Franca tinha em 25 anos perdido a supremacia populacional para a Alemanha e exigia os territorios ferteis da Alsacia e a Lorena, perdidos na guerra de 1871, a guerra franco-prussiana, cujo desfecho tinha impulsionado entao o primeiro governo operario da historia, a Comuna de Paris (8). O capitalismo ingles nao podia sobreviver com uma Alemanha forte que derrotasse no continente a Franca; a Russia disputava ao Imperio Austro-hungaro o oeste dos seus territorios, os mais industrializados e fonte de impostos para o imperio cujo Palacio do Hermitage concentrara simbolicamente o espaco da guerra e revolucao--nele estao as salas de pedras semipreciosas, ouro, parques de madeiras nobres trabalhados de madeira, lustros, erguidos em 400 anos de servidao que colocavam, ainda em 1914, 40% dos camponeses sem meios de sobrevivencia. Ao lado, liderados pelos bolcheviques, os operarios russos tomam em Outubro de 1917 o poder, cujas escadarias da subida do Palacio de Inverno serao imortalizadas pelo cineasta Einsenstein. Era na Polonia, Ucrania, Estados do Baltico e Finlandia que estava o grosso da riqueza da disputa a Austria-Hungria para o Imperio Russo. Mas para a Alemanha, uma Russia forte era uma ameaca.

Numa palavra, o imperialismo, isto e, a fase do modo de acumulacao capitalista em que um capitalismo nao podia sobreviver sem destruir o outro. (9)

A 2 de Janeiro de 1916 a revolucionaria Rosa Luxemburgo (10) escreve: > (11).

A I Guerra Mundial comeca a 28 de Julho de 1914. Todos falavam nesse mes de 1914 de uma guerra rapida: > (12), dizia-se. Foi a mais > das guerras nacionalistas, imperiais. Victor Serge, intelectual socialista, preso entao em Franca, no inicio da guerra, escreve: >. Este delirio, incompreensivel para nos era a consumacao do apogeu da catastrofe social permanente.>> (13).

Sao porem necessarias "aspas" na popularidade da guerra. Pesquisas recentes mostraram que os sons de entusiasmo ouvidos por Serge ampliavamse na prisao, como um eco que se multiplica. Os socialistas franceses chegaram a colocar a hipotese de uma greve geral contra uma guerra europeia, em julho de 1914 (14); na Alemanha os grevistas das fabricas eram enviados para a frente de guerra como castigo; fontes historicas demonstram que a classe trabalhadora da poderosa regiao do Ruhr--ainda hoje a regiao mais forte e sindicalizada da classe trabalhadora industrial europeia--ficou de fora das manifestacoes patrioticas (15); do outro lado do Atlantico--nos EUA--o governo apela ao recrutamento voluntario de 1 milhao de soldados--mas nas primeiras seis semanas depois da declaracao de guerra so 70 mil se alistam (16).

A I Guerra Mundial teve, contudo, um recrutamento mais facil, porque os camponeses viviam isolados em aldeias e porque a experiencia de uma guerra total era ate ai desconhecida. Ha um isolamento social geografico no mundo rural, mesmo nas industrializadas Inglaterra, Alemanha e Franca, o que torna a resistencia organizada muito dificil de se concretizar. Alias, eles tornarse-ao camponeses resistentes, desertores, so depois de incorporados numa organizacao coletiva--o exercito, e em guerra.

O nacionalismo prospera rapidamente como ideologia, escritores como HG Wells clamavam o "apoio a guerra para por fim a guerra", Anatole France discursou para os soldados (17). Mas o apoio principal veio do seio do movimento operario organizado. A guerra foi apoiada pela social-democracia alema, austriaca, pelo Partido Trabalhista Ingles, pelos socialistas franceses, pelos grandes sindicatos, pelo anarquista Kropotkin e pelo pacifista indiano Gandhi. A "unidade da nacao", a uniao sagrada, o apelo das burguesias nacionais aos lideres das camadas populares, foi magnetico. E catastrofico. 9 milhoes de mortos, outros dados falam hoje em 20 milhoes de mortos (18). Contra estiveram poucos: os bolcheviques e os socialistas servios. E muitos herois individuais. Jean Jaures, opositor a guerra, lider socialista da Franca, foi assassinado por um nacionalista frances a 31 de Julho de 1914.

A guerra revolveu as entranhas da sociedade: as mulheres entraram em massa no mercado de trabalho. Foi essa passagem do trabalho domestico, isolado, ao trabalho fabril, concentrado; do trabalho domestico nao pago ao trabalho assalariado, e a revolucao russa--conquistas de direitos sociais amplos--que permitiu o primeiro sopro de igualdade de genero na historia contemporanea. Embora o sufragio feminino estivesse na agenda desse o inicio do seculo XX, conquistado na Australia em 1902 e na Finlandia em 1906, por exemplo, so a I Guerra vai derrubar a primeira grande barreira a igualdade de genero na Inglaterra e Alemanha (19), e no caso da Italia e Franca, so a Segunda Guerra. Nos paises do Sul, urbanizados na decada de 60 do seculo XX, a grande alteracao nas relacoes de genero da-se so a revolucao portuguesa de 1974 e 1975. Um cataclisma economico--a guerra; e uma revolucao social--a russa, sao os factores que impulsionaram uma das mais importantes mudancas sociais do seculo XX--a crescente igualdade de genero e o caminho paulatino para a uniao livre (20).

A classe media entra na trincheira do descontentamento com os Governos; ha fome, privacao, escassez de abastecimento, porque as baterias de producao estavam voltadas para servir a guerra e a producao relacionada com esta. E porque muitos trabalhadores vao deixar as fabricas e ingressar nos exercitos beligerantes. Na Alemanha so 2/3 das calorias necessarias para viver eram garantidas, 750 mil terao morrido de fome (21). Viena foi a mais atingida > (22). Expande-se o mercado negro, a cavalo da inflacao. Esta foi a logica, irracional, mas previsivel, da primeira guerra total da historia. A guerra nao acabou por isso no Natal. E foi devastadora. Alastrou a Mesopotamia, Grecia/Turquia com o desmembramento do Imperio Otomano, norte de Africa.

Apesar do numero de cidades com mais de 100 mil habitantes ter passado na Europa do norte e ocidente de 22 para 120 entre 1800 e 1900 (23), a massificacao da vida urbana no seculo XX, o crescimento da populacao exponencial, e um fenomeno que modifica a Europa. E o seculo do aumento da populacao. A Europa passou de 279 milhoes de pessoas em 1850 para 408 em 1900 e 740 em 2012. Essa vai ser uma das caracteristicas mais importantes dos ultimos 100 anos, a consolidacao, mesmo nos paises do sul, da passagem de sociedades rurais a urbanas. Esse parto muda radicalmente a vida em sociedade. A unidade familia foi definitivamente arrastada pela industrializacao e pela guerra (mas nao deixou de ter um lugar cimeiro ate hoje, embora diferente). Nascem ao lado dela...

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