The sociology of the legal field of Pierre Bourdieu and Yves Dezalay/ A sociologia do campo juridico de Bourdieu e Dezalay.

AutorPonzilacqua, Marcio Henrique Pereira
CargoResena de libro

Introducao

Com base na Sociologia do Campo Juridico, o artigo busca compreender a violencia simbolica presente nas disputas de apropriacao do capital juridico: os embates por dizer o direito. Busca-se ainda evidenciar as 'legal wars', ensejadas pela forca das corporacoes de advogados atuantes no ambito internacional, que se vinculam a diplomacia estatal e as instituicoes jurisdicionais em contextos supranacionais. Os substratos teoricos e metodologicos de reflexao sao hauridos da Sociologia do Campo Juridico encetada por Pierre Bourdieu e, contemporaneamente, capitaneada por Yves Dezalay.

O artigo e organizado sobre tres grandes eixos, que equivalem as tres partes ou topicos fundamentais do texto. O primeiro topico busca introduzir os desafios institucionais de praxis juridica emancipatoria, em razao das especificidades institucionais que gravitam em torno da constituicao de 'doxas' e ortodoxias no campo do direito. O segundo capitulo constitui-se como desenvolvimento das nocoes axiais e categorias presentes no conjunto da obra de Pierre Bourdieu e que propiciam olhar diferenciado sobre o direito e seus operadores, na emergencia da Sociologia do Campo Juridico. A terceira e ultima parte, concentra-se em abordagens convergentes acerca da sociologia da profissoes do campo juridico, como sao percebidas por Yves Dezalay e os autores que com ele interagem. Ao mesmo tempo, realiza-se leitura intersectiva com o contexto latino-americano, em vista de eventuais ressignificacoes simbolicas e emancipatorias.

Na America Latina, cresce o interesse pela Sociologia do Campo Juridico, nos moldes apresentados e desenvolvidos por Bourdieu, Dezalay, Garth e outros, em decorrencia da elucidacao dos mecanismos de dissimulacao e as lutas de poder presentes e alimentadas tanto pela ciencia do direito como pela orquestracao normativa e pelas formas jurisdicionais, como reflexos das disputas internacionais. Essas 'legal wars' tem epicentro em instituicoes juridicas nas quais a elite do judiciario demonstra 'jogo duplo', em favor de interesse macroeconomicos. Em meio as 'legal wars', emergem algumas importantes questoes: subsites possibilidade de ressignificacao e de superacao do arbitrario cultural imperante no campo juridico? Ha possibilidade de reconstrucao participativa e de superacao da fragmentacao juridica ensejada em esfera internacional? Sera legitimada pelos sujeitos historicos, em seus embates simbolico culturais e politicos, a partir da otica de populacoes, territorios, culturas, etnias, grupos minoritarios e arguicoes ofuscadas e desprestigiadas?

Seguramente a complexidade destas questoes e o desafio de suas respostas exorbitam as pretensoes deste artigo e ate mesmo os esforcos envidados pelos cultores da Sociologia do Campo Juridico. Mas a insercao em seu arcabouco teorico e os metodos sugeridos de analise podem propiciar abordagens mais consistentes e adequados em contextos latino-americanos, alem de fecundar solidez de perspectivas e investigacoes inusitadas.

  1. A Dialetica entre [phrase omitted]

    Subsiste uma tensao dialetica entre [phrase omitted] (doxa) e [phrase omitted] (praxis) no campo juridico, que correspondem aos ambitos do conhecimento e da pratica da ciencia do direito. A abordagem da dialetica entre a expressao do direito enquanto pensamento e potencia simbolica e os desafios de sua aplicacao (praxis), requer a explicitacao dos mecanismos de poder e de concretizacao institucional de que se imbuem os ordenamentos juridicos.

    Rene Lourau, ha algumas decadas, demonstrou que subsiste um vinculo inextricavel das sociedades modernas com o Estado. E fundamental, pois, realizar a analise institucional do Estado, de seu aparelho burocratico, e das instituicoes em geral. No ambito de sua analise institucional do Estado, Lorau aponta para a precaucao necessaria concernente a elementos caracterizadores do poder das instituicoes, maiormente do Estado, a saber: 1. O poder de reificacao (de "coisificar"): as instituicoes despersonalizam, reduzem a "objetos", os individuos que a elas se vinculam, a fim de privilegiar sua propria estrutura, funcionamento e fins. Cabe ao analista institucional restituir a subjetividade original (LOURAU, 1970b: 136); 2. O poder normatizador--que, como veremos adiante, pode ser associado ao poder de "nomination" de Pierre Bourdieu. Em Lourau, o poder normatizador e entendido como o processo redutor das realidades sociais concretas e as relacoes interpessoais subjacentes a um conjunto normativo coerente--ou seja, os movimentos sociais espontaneos sao cristalizados e estabilizados ao sabor instituinte. Ao analista compete o desmascaramento desses processos, ou seja, que ele se "desinstitucionalize" (LOURAU, 1970b: 136). 3. O poder de neutralizar e de universalizar, que o proprio Lourau assim descreve: "o poder de materializar dentro de formas aparentemente neutras e universais, ao servico de todos, as forcas econonomicas e politicas que nos dominam, sob o pretexto de nos ajudar e defender" (1) (LOURAU, 1970b, 136-7). Quanto a esse aspecto, cabe ao analista o desnudamento e desnaturalizacao das formas de opressao, interesses intervenientes e das lutas sociais que fomentam.

    No campo institucional, poder-se-ia dizer que a dialetica entre as verdades estabelecidas ([phrase omitted]) e aplicacao concreta e eficacia ([phrase omitted]), se perfaz no ambito daquilo que Lourau ha de conceber como as instancias, tempos ou momentos da instituicao. Portanto, e preciso abordar a dinamicidade inerente a triplice dimensao da Instituicao: a universalidade (o instituido); a particularidade (o instituinte) e a singularidade (a institucionalizacao). A desconstrucao institucional e perpassada pelo enfrentamento da ideia de imobilismo e estagnacao. E a grande descoberta de Lourau, que o distingue das abordagens anteriores da Sociologia das Organizacoes, repousa no ambito da institucionalizacao ou da singularidade, cujo potencial dinamico se manifesta com a fase ativa da estabilizacao caracteristica da instituicao. Subjaz aos processos revolucionarios que rondam o espectro institucional e, por outro lado, a forca instituinte oferece-lhe resistencia. Assim, se manifesta e completa a concepcao dialetica, ao opor a institucionalizacao ao instituido e a sua concrecao especifica, que e o instituinte (LOURAU, 1970a: 9-21; 1970b: 68-69; 1995:9-18).

    A Analise Institucional e aqui apresentada para introduzir o tema central da discussao, cuja analise sera fundamentada, sobretudo, na Sociologia do Campo Juridico de Pierre Bourdieu e da discussao consecutiva capitaneada por Dezalay, um dos seus principais interlocutores. Lourau, a bem dizer, permite elucidar e perceber a complexidade de fatores que envolvem uma adequada analise do direito, em seu carater institucional e estatal, no que se aproxima muito de Bourdieu, de quem nos ocuparemos na sequencia, com enfase primeiramente na sua nocao de doxa.

    Do grego ooxa, que significa "verdade enunciada", na obra de Pierre Bourdieu, a "doxa" evoca as "condicoes sociais de producao de enunciados" e, tem necessariamente seu nucleo semantico relacionado com a universalizacao das verdades. A "doxa" esta estritamente ligada com o "habitus", com o "poder e a violencia simbolicos" e com o "capital linguistico" (BOURDIEU, EAGLEATON, 1991: 265).

    O pensamento de Bourdieu, especialmente no segundo parte do livro "Ce que parler veut dire" assim como o de Foucault em sua pequena e densa obra "O Discurso", associa a doxa ao pensamento hegemonico e dominante e a producao univoca de sentidos. Portanto, esta inserido no ambito de uma abordagem semiotica e discursiva do poder (BOURDIEU, 1982: 99ss; FOUCAULT, 1984). Para Bourdieu, o poder simbolico vincula-se, umbilicalmente, com a forca da representacao da realidade, por meio de operacoes que chama de 1. "nomination" , ou seja, a nomeacao, classificacao, divisao e hirarquizacao das representacao simbolica da realidade (BOURDIEU, 1982: 99); 2. "homologein", que importa um consenso, notadamente atraves do 'discernimento' e do 'reconhecimento' pelos mandatarios, que estabelecem os padroes de nominacao, atraves de uma especie de "procuracao" para a "representacao" do grupo social (BOURDIEU, 1982: 100-1).

    Mas como o conjunto da sociedade, as pessoas que sofrem os processos de dominacao, aceitam, interiorizam e reproduzem os processos de padronizacao e hierarquizacao ideologicos de que a linguagem e portadora? A resposta, em Bourdieu, emerge da relacao entre "habitus" e "doxa". O "habitus" comparece como a condicao de producao e reproducao da "doxa" e assume no conjunto da obra de Bourdieu o sentido de estruturas estruturantes, cujo papel e introjecao/interiorizacao da doxa e consequente exteriorizacao/manifestacao dos valores e modos de pensamento presentes nas condutas e expressoes dos envolvidos num mesmo campo social . Com efeito, consiste num "sistema de disposicoes interiores ligados a posicao e a trajetoria no ambito de um espaco multidimensional". O termo esta sempre associado a forca das estruturas simbolicas, cujas variantes, induzidas pelas diferentes relacoes com os capitais simbolicos ou economicos, mantem significativa coerencia estrutural e objetiva.

    O "habitus" produz, mediante a agregacao e composicao de experiencias sucessivas, disposicoes comuns aos individuos pertencentes ao mesmo grupo social de principios interiorizados atraves da acao pedagogica. Atraves do "habitus" assegura-se a integracao entre as acoes do sujeito, a intersubjetividade caracteristica da socializacao, e a objetividade do mundo exterior e sua reproducao.

    Bourdieu nao separa o capital social dos demais capitais, como o fazem, por exemplo, os estruturalistas americanos, nem reduz, como na escola marxista ortodoxa, o capital a dimensao material-economica. Tampouco o poder se restringe as as relacoes diretas de poder, que induzem as condutas alheias mediante acoes sociais, como na analise de Max Weber, em que agentes e destinatarios estao ao menos...

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