The right in the lukacsian perspective and its functionality in the society of classes/O direito na perspectiva lukacsiana e sua funcionalidade na sociedade de classes.

AutorSobral, Francisca dos Santos
CargoLutas, Cidadania e Direitos Humanos

Introducao

Reconhecemos que a tematica dos direitos humanos, diante de sua complexidade, nao e uma questao simples de ser discutida, embora a primeira vista nos pareca algo evidente. No entanto, nao esta ausente de contradicoes e de um crescente processo de banalizacao, cujo apice adquire forma na barbarie social instaurada na contemporaneidade.

Sua amplitude nos sugere uma infinidade de interpretacoes e de conceitos que perpassam o universo da filosofia, da religiao, da politica, da cultura, da visao do senso comum, entre outros aspectos. O tema tem sido uma das pautas mais presentes na sociedade e, por essa razao, merece todo o rigor de analise que permita a desmistificacao de sua mera aparencia fenomenica, aparentemente desconectada da totalidade social.

Presenciamos as constantes violacoes de direitos a que a classe trabalhadora tem sido submetida nesse cenario de crise, fato que vem contribuindo para que as reivindicacoes sociais se voltem para a busca frenetica de preservar o que ja foi formalmente estabelecido.

Outra questao que se apresenta e a necessaria discrepancia entre o que esta regulamentado juridicamente e a sua efetividade no cotidiano dos sujeitos sociais, o que nos permite avaliar a limitacao que esses direitos adquirem. Muitas vezes, eles sao percebidos sob uma otica estritamente politica, que atribui a sua nao efetividade a falta de uma boa administracao publica e, consequentemente, de uma gestao mais eficaz. Esta limitacao se da, ainda, por se considerar que somos um pais democraticamente "jovem", com tempo para aperfeicoarmos essas questoes. O foco, entao, passa a ser direcionado para a figura de um Estado democratico de direito, que necessita de ajustes e reformas que propiciem sua operacionalidade.

Esse entendimento gnosiologico, que tem impregnado a discussao da tematica, sugere solucoes superficiais e fragmentadas que nao dao conta da totalidade. Nesse aspecto, propomos, nessas breves consideracoes, apresentar discussoes sobre os fundamentos desses direitos, sua funcionalidade na sociabilidade burguesa, bem como os limites essenciais que permeiam sua afirmacao no ambito do Estado.

Problematizar essas questoes e indispensavel para desmistificarmos o que esta aparente e compreendermos que, nessa sociedade, as dimensoes economica, politica e juridica se entrelacam para atender os interesses do capital, pois a degradacao das condicoes de vida dos trabalhadores nao se constitui um simples acidente de percurso ou na insuficiencia de um Estado mais democratico. Destarte, origina-se como resultado ineliminavel da forma das relacoes sociais de trabalho (MARX, 2011).

Sob essa perspectiva, as lutas de classe, em prol dos direitos humanos, adquirem carater defensivo por nao contestarem a producao de riquezas e a apropriacao privada dos frutos do trabalho. Antes, fortalecem a visao classista e liberal alicercada no regime juridico, que nao contraria a sociedade de classe e nem se impoe como mecanismo de superacao da ordem vigente.

O percurso metodologico adotado para essa reflexao foi o de buscar os fundamentos ontologicos do tema em questao, mais especificamente a partir da ontologia marxista. Essa parte do pressuposto de que o fenomeno nao se esgota em sua aparencia empirica, mas que, alem dessa dimensao aparente, ha a necessidade de conhecermos sua essencia. Portanto, nossa discussao estara voltada para evidenciar o que e o Direito; so entao poderemos compreender sua funcionalidade na realidade social.

  1. A genese do direito em Lukacs

    Para iniciarmos a discussao sobre o surgimento do Direito, a partir de Lukacs (2013), e sua concepcao enquanto complexo social particular, vale destacar que primeiramente partimos do pressuposto da ontologia do ser social, considerando que os atos de trabalho constituem-se no salto ontologico que diferencia o ser natural do ser social. E a partir do trabalho, enquanto por teleologico primario, que o homem transforma a natureza para atender as suas necessidades. Ao realizar essa transformacao, o homem tambem eleva o processo de generalizacao humana por impulsionar a humanidade a alcancar outros patamares de maturidade social.

    Ao se afastar cada vez mais das barreiras naturais, a humanidade cria necessidades sociais e busca continuamente estrategias que atendam a seus interesses, dando forma a posicoes teleologicas secundarias que nao advem diretamente do trabalho, nao objetivam transformar o objeto natural. Sao, no entanto, mediadas por necessidades socialmente postas e agem na consciencia dos homens de modo a convence-los a realizar determinadas acoes no convivio social.

    Nesse sentido, a medida que o homem atende as suas necessidades mais imediatas, conduz a construcao de novas necessidades que extrapolam a orbita do intercambio organico com a natureza, dando origem a novos complexos sociais como a arte, a filosofia, o direito, entre outros.

    E a partir dessa necessidade social que Lukacs (2013) compreende o Direito como um complexo social particular que esta inserido na totalidade social e que, no decorrer do processo historico, tem assumido perfis diferenciados daqueles observados em sua genese.

    Para o autor, a necessidade de uma regulamentacao sobre as atividades sociais ja era observavel no estagio mais simples da divisao social do trabalho: a fase da cooperacao no periodo paleolitico. Nessa fase, era necessaria a regulamentacao dos deveres dos individuos no processo de trabalho. Esses eram divididos entre funcoes especificas--batedores e cacadores--para que conseguissem capturar a caca, haja vista que, a depender do ta manho do animal a ser abatido, era indispensavel maior articulacao. Havia, tambem, uma divisao de tarefas para garantir o sustento do grupo.

    Nesse periodo historico, nao havia a necessidade de uma divisao social do trabalho voltada inteiramente para o fim juridico em si. O processo de jurisdicao cabia aos chefes das tribos, aos anciaos ou aos guerreiros experientes, que acumulavam, alem de outros deveres, mais esta funcao, baseada principalmente na experiencia adquirida ao longo do tempo.

    1.1. A divisao da sociedade em classes

    Somente quando a escravidao fez emergir a primeira divisao da sociedade em classes, paralelo a relacao senhor e escravo trouxe a tona novas relacoes sociais como a circulacao de mercadorias, o surgimento do comercio, a usura, a figura de comerciantes e credores, entre outros, com as atividades e os antagonismos, dai derivados, e que "foi surgindo gradativamente o sistema judicial conscientemente posto, nao mais meramente transmitido em conformidade com a tradicao". (LUKACS, 2013, p. 230).

    Lukacs (2013) evidencia que o Direito se constitui num complexo social particular, cuja funcao e regulamentar juridicamente as atividades sociais num determinado patamar de complexidade da sociabilidade humana. Essa maior complexidade e os diversos antagonismos decorrentes da luta de classes, entre eles aqueles que conferem origem a essas lutas--a apropriacao da mais-valia--, fazem surgir a necessidade de regulacao dos conflitos. Esses sao socialmente estabelecidos por meio da insercao na divisao social do trabalho de um grupo particular de individuos, com atividades voltadas exclusivamente para a jurisdicao.

    Assim, nesse caso, um estrato particular de homens se torna portador social de um complexo particular, em relacao ao qual a divisao social do trabalho se desdobra. Nesse tocante, e preciso mencionar de imediato que, simultaneamente com o surgimento da esfera judicial na vida social, um grupo de homens recebe a incumbencia...

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