The public work contractors and the dictatorship policies for construction workers/Os empreiteiros de obras publicas e as politicas da ditadura para os trabalhadores da construcao civil.

AutorCampos, Pedro Henrique Pedreira

Introducao

No primeiro semestre 2014, convidado pela Comissao Nacional da Verdade, fui a um evento do Grupo de Trabalho da comissao dedicado ao tema da repressao aos trabalhadores e sindicatos ao longo da ditadura, realizado na Assembleia Legislativa do Estado de Sao Paulo (Alesp). Apos minha fala, na qual expus o tema da minha tese de doutorado (1)--acerca da relacao dos empresarios brasileiros da construcao civil e a ditadura civilmilitar--, um sindicalista que estava no evento me interpelou se eu nao possuia dados sobre a situacao dos trabalhadores e acidentes ocorridos no periodo. Apos apresentar a ele, em reservado, as informacoes e estatisticas que eu abordei de maneira lateral em minha pesquisa e que apontavam para milhares de mortos em acidentes de trabalho no pais ao ano, ele fez uma intervencao publica no seminario: "Eram cinco mil mortos em acidentes de trabalho por ano. Isso e um genocidio." Em uma fala muito certeira e equilibrada, o sindicalista sinalizava que esses eram apenas os indices oficiais e que, mesmo assim, ha de se ponderar que nem todos os casos de obitos no local de trabalho teriam sido estritamente frutos de acidentes, sendo possivel que a causa da morte tenha sido outra. Alem disso, ressaltava que as cifras elevadas indicavam o desleixo que a ditadura legava para a vida e a seguranca dos operarios em seu local de trabalho (BRASIL, 2014).

O presente artigo pretende contribuir, de maneira modesta, para a questao do tratamento dado aos trabalhadores durante a ditadura, com enfase nas politicas para os operarios da construcao civil, tentando aferir em que medida estas incorriam em um beneficiamento aos empresarios do setor. Muitas vezes, quando o tema dos crimes cometidos pela ditadura e levantado, sao ressaltados os casos de militantes da esquerda armada que foram barbaramente perseguidos, presos, torturados e assassinados. Apesar da relevancia e nao-elucidacao plena ainda de varios desses casos, entendemos que e urgente tambem conhecer mais profundamente os crimes perpetrados contra os trabalhadores em seu oficio, contra sindicalistas, operarios e agentes diversos das classes subalternas, nao necessariamente vinculados a movimentos de oposicao a ditadura. Acreditamos que ha ai um vasto mundo a ser estudado e desvendado.

Marx ressalta n'O Capital (1867) varias formas usadas pelos empresarios para ampliar suas margens de lucro. No que concerne aos trabalhadores, ele verifica estrategias dos capitalistas para prolongar a jornada de trabalho, dentro e fora da legalidade, o que resulta na mais-valia absoluta. Com consequencias diretas tambem sobre os operarios, Marx nota que os donos de fabrica faziam economia no capital constante com o objetivo de obter maiores ganhos, superlotando recintos estreitos e insalubres, economizando em edificacoes, acumulando maquinaria perigosa a saude do trabalhador e omitindo-se na protecao do mesmo (2).

No que diz respeito a industria da construcao no Brasil, notamos o uso de mecanismos analogos pelos empresarios com o fito de elevar o lucro em cada empreendimento. No caso especifico da ditadura, essas praticas foram escoradas em politicas publicas que facilitavam a ampliacao da exploracao do operario e a maximizacao do lucro dos empresarios, o que ficou evidente na politica salarial e na parca fiscalizacao sobre as condicoes de higiene e seguranca nos canteiros de obras. Portanto, outra face do beneficiamento dos empreiteiros durante o regime civil-militar se fez evidente nas politicas estatais para a classe trabalhadora.

Condicoes de trabalho e organizacao dos operarios na construcao pesada

O Golpe de 1964 representou uma dura derrota para os trabalhadores brasileiros em geral. O novo equilibrio de classe imposto pelo regime foi intensamente negativo para as classes subalternas, com medidas de contencao dos salarios, fim da estabilidade nas empresas privadas, instituicao de poupancas compulsorias, fim do direito de greve e politica de repressao sindical. Paul Singer (1977) destaca a inflacao como uma forma de poupanca forcada que transferia renda do trabalho para o capital e, com a liberacao dos precos antes tabelados, o custo de vida se elevou em 80% apenas em 1964. Dando suporte a politica salarial, o governo destituiu 563 diretorias de sindicatos e interveio em 4 das 6 confederacoes de trabalhadores. Em seu lugar, foram impostos interventores e os sindicatos passaram a ter um vies mais assistencialista e menos politico, sendo os antigos lideres operarios presos, cassados em seus direitos politicos ou assassinados. Tornou-se pratica a elaboracao de "listas negras", nas quais constavam os nomes dos operarios mais combativos, que tinham entrada negada nas empresas (3). Com os seus mecanismos de pressao cerceados, os trabalhadores viram o poder de compra dos seus salarios se reduzir ano a ano ate 1974 e lancaram mao de horas extras e do trabalho feminino e infantil, de modo a completar a renda familiar (GORENDER, 1987). A piora das condicoes de trabalho e vida foi mais grave para os trabalhadores nao qualificados, o que levou Marini (2000) a se referir a uma superexploracao da forca de trabalho e lanni (1981), a uma mais-valia extraordinaria.

Esse novo quadro se impos na industria de construcao de maneira cabal, dado ser esse um dos setores que mais empregava forca de trabalho. O salario minimo, que servia de marco para outros salarios, era usado na construcao como referencia prioritaria, sendo que a media basica de proventos variava ali de um a dois salarios minimos, apesar de ser muito comum no setor tambem o regime de salario-hora (OLIVEIRA, 2003; FUNDACAO JOAO PINHEIRO, 1984). Pesquisa do Dieese indica que os salarios reais na industria de construcao tiveram queda em toda decada de 1970 (apud O EMPREITEIRO, 1978).

O Golpe de 1964 redundou em acoes contra sindicatos tambem na construcao. Assim, o ativo sindicato dos trabalhadores da industria da construcao de Brasilia, no qual tinha forca o PCB, sofreu intervencao do governo, que afastou trabalhadores de sua direcao. Houve cassacoes no Rio e para o Sindicato dos Trabalhadores da Industria da Construcao da cidade foi nomeado um interventor (SOUSA, 1994). Os operarios empregados nas empreiteiras tinham a sua propria agremiacao, o Sindicato dos Trabalhadores da Industria da Construcao Pesada (Sintrapav), que nao contava com a confianca dos operarios e nao teve grande combatividade durante o regime. O sindicato tinha como padroeiro Sao Judas Tadeu, cujo dia era comemorado com festa em 22 de outubro, geralmente com a presenca de um representante do sindicato patronal, o Sinicon (4) (SINICON, 1984). Em 1981, o sindicato dos trabalhadores conseguiu na justica do trabalho multar 35 empresas por desrespeitar esse feriado (KLAUSMEYER, 1988).

A rotatividade dos trabalhadores em postos de trabalho, elevada apos a instituicao do FGTS, era especialmente significativa na construcao. Pesquisa encomendada (5) pelo sindicato dos trabalhadores da industria da construcao civil junto ao Dieese, em 1978, apontava que 34% dos operarios do setor ficava ate um ano na empresa e outros 37% entre 1 e 2 anos, sendo que a rotatividade era mais significativa entre os trabalhadores naoqualificados, e so 5% desses ficavam mais de 4 anos na mesma empresa. Isso ocorria por caracteristicas proprias do setor, como o fato de empregar parcela de mao-de-obra apenas para uma obra, desempregando-a em seguida. De maneira discriminatoria, o engenheiro Aloysio Pinto, entrevistado pela revista O Empreiteiro (1978), explicava a tendencia pelo "primitivismo dos trabalhadores da construcao", sendo essa marca da "propria indole do brasileiro [, que] e de nao parar muito tempo num so lugar". Alegando "espirito aventureiro", o engenheiro sugeria que "entretanto a variacao dos salarios de uma empresa para outra influi muito no aumento da rotatividade."

A industria de construcao constituia a principal porta de entrada para os trabalhadores na cidade e empregava larga margem de mao-de obra nao qualificada. Uma caracteristica particular do operario do setor era a sua origem sobretudo rural, sendo muitos deles oriundos do Nordeste. Pesquisa da Fundacao Getulio Vargas (FGV) (6) sobre a forca de trabalho na industria da construcao na Guanabara, em 1972, apontou que 55% dos trabalhadores vinham do meio rural e apenas 25,3% do estado do Rio. Ronaldo Coutinho (1980) fez estudo de campo com esses trabalhadores e destaca que eles nao saiam da zona rural para a cidade em busca de ascensao social, mas por questoes de sobrevivencia, dado o baixo nivel salarial, dificuldades e endividamento permanente na regiao de origem. O trabalhador que vinha do campo muitas vezes nao tinha onde morar na cidade e era comum que ele dormisse no canteiro. Um medico de construtora carioca notou que o canteiro era um pequeno pedaco do Nordeste, e as proprias formas de diversao e lazer na cidade eram em regioes como a feira de Sao Cristovao e os forros do Largo do Machado e do Catete, esses proximos aos canteiros de obras do metro (SOUSA, 1978). Pesquisa da Fundacao Jorge Duprat Figueiredo de Seguranca e Medicina do Trabalho (Fundacentro) aponta ainda que, em media, 40% dos trabalhadores da construcao eram analfabetos ou semianalfabetos nos anos 1970 (apud ROCCA, 1991). Sobre o fato de ser tipicamente o primeiro emprego do trabalhador rural ao chegar a cidade, o presidente do Sindicato dos Trabalhadores da Industria de Construcao Civil de Sao Paulo, Decio Lopes, afirmou em 1979:

Na verdade, os verdadeiros profissionais estao se extinguindo. Normalmente os que trabalham 10 ou 12 horas numa obra logo mudam para uma fabrica, a fim de ganhar melhor salario, porque alem do mais esse operario necessita de bom alojamento e alimentacao adequada, o que raramente encontra. (apud O EMPREITEIRO, 1979, p. 56)

A realizacao de horas extras na industria de construcao era muito comum e os regimes diarios de trabalho chegavam a 18 horas em obras de grande porte. As condicoes gerais do...

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