The place of the peasant and agrarian question in the Russian Revolution of 1917/ O lugar do campones e questao agraria na Revolucao Russa de 1917.

AutorTavares, Ana Claudia Diogo
  1. Introducao

    Esse ano completam 100 anos da Revolucao Russa! Nesse ano de comemoracao desse centenario, uma serie de debates, seminarios, filmes e livros tem se dedicado a resgatar a conjuntura e as lutas dos revolucionarios que abalaram o mundo em 1917 na Russia (1). Nesse espirito o Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra (MST) junto as Universidade do estado do Rio de Janeiro (UFRJ, UERJ, UFF, UFRJ dentre outras), realizaram a jornada Universitaria em Defesa da Reforma Agraria (JURA) (2) com o tema "Paz, pao e terra: contra a criminalizacao e a retirada de direitos." (3) Essa jornada procurou relembrar as contribuicoes teoricas e os episodios que marcaram os debates e a construcao dos projetos politicos sobre o campesinato e a questao agraria na Russia de 1917. Nessa jornada, procurou-se resgatar aprendizados historicos com os processos revolucionarios do inicio do seculo XX para pensar as resistencias do tempo presente de acelerados retrocessos em direitos, com mudancas legislativas que aprofundaram a contra reforma agraria e a retirada de direitos sociais (como com as contrarreformas trabalhistas e previdenciaria) no Brasil.

    Como afirmado por Walter Benjamin em suas "teses sobre o conceito da historia" em momentos de perigo torna-se ainda mais importante pesquisar a historia dos vencidos, promovendo uma historia a contrapelo, tirando do silencio as lutas do passado que ficaram esquecidas, pois quanto mais elas sao escondidas mais se reforca a historia dos vencedores (BENJAMIN, 2008). Dessa forma, em momentos de perigo aos direitos com o avanco do conservadorismo politico e do neoliberalismo torna-se ainda mais importante relembrar o passado.

    A questao agraria e os camponeses foram temas polemicos no marxismo. Hegedus (1984) destaca que

    A questao agraria no marxismo se apresenta, em parte, como analise das relacoes de propriedade e de producao vigentes no modo de producao agricola, mais ou menos diferentes das da industria, com base no pressuposto de que tambem o desenvolvimento da agricultura, tal como o de toda a sociedade, ocorre sob o influxo de leis rigorosas- que agem com a forca das leis naturais--que a ciencia deve iluminar. E em parte, porem, apresenta-se como questao camponesa, como complementacao da investigacao sobre a estrutura social. Segundo esta abordagem, os camponeses constituem uma classe de transicao: por um lado, no sentido historico da transitoriedade--ou seja, os camponeses sao uma formacao economico-social ja desaparecida no Ocidente, o elemento criador do feudalismo, mas continuam a existir tambem no capitalismo-; por outro, no sentido estrutural da transitoriedade, isto e, os camponeses constituem uma classe de transicao entre as classes fundamentais do capitalismo, a classe operaria e a dos capitalistas. O marxismo, alem disso, analisa a articulacao estrutural interna da classe camponesa e define nesta base a relacao da classe operaria, ou do partido da classe operaria, com os diferentes estratos da classe camponesa, formulando tambem os programas agrarios dos partidos operarios socialistas (ou social-democratas). (HEGEDUS, 1984, p. 149).

    Karl Marx analisou a questao agraria e camponesa ao longo de sua vida e identificou possiveis tendencias diferentes nos paises da Europa Ocidental e Oriental. (WALICKI, 1986). O modelo de desenvolvimento do capitalismo na Inglaterra descrito por Marx no Capital nao seriam necessariamente os mesmos da formacao economica e social da Russia, por exemplo. (PADILHA, 2009). Assim como, as analises sobre o campones de Marx no "O 18 Brumario", na qual o autor descreve o papel das diferentes classes sociais no golpe de Estado de Luiz Bonaparte, apresentando o campones como "saco de batatas", uma massa amorfa, muitas vezes conservadora, cuja consciencia teria de ser despertada e a pratica guiada pelo proletariado (MARX, 1987). Entretanto, as cartas de Marx em resposta a Vera Zasulich (4), manifestavam-se em outro sentido sobre a dinamica na Russia. Nestas cartas, Marx afirmava que a comuna camponesa russa nao estava ameacada a uma fatalidade historica e que dela poderia iniciar mudancas para o comunismo. Destacava os habitos camponeses nao como conservadores, mas, a propriedade comunal, com caracteristicas diferentes da propriedade capitalista. Sinalizava tambem as peculiaridades dos camponeses dos diferentes paises, em especial, as diferencas dos paises da Europa Ocidental e Oriental. Marx apontou a comuna camponesa russa como "ponto de apoio natural da regeneracao social da Russa" (MARX, 2005, p.123)

    Esse debate presente na teoria marxista ira perpassar as analises de Vladimir Ilitch Ulianov (1870-1923), Lenin, que refletiu sobre a questao agraria e camponesa ao longo do desenrolar dos acontecimentos que marcaram a Revolucao Russa de 1917. Esse e um tema que sempre retorna aos debates contemporaneos, especialmente com a presenca na cena politica de movimentos camponeses e de trabalhadores rurais.

    Nesse artigo, apesar de nao sermos historiadoras, nem pretendermos realizar uma revisao da historiografia sobre o tema, buscamos revisitar os escritos de Lenin sobre o campesinato e a questao agraria na Russia, dando especial atencao as formulacoes feitas ao longo do ano de 1917. O artigo encontra-se dividido em duas partes, alem dessa introducao e das consideracoes finais. No proximo ponto e apresentado, por meio de revisao bibliografica em fontes secundarias, o contexto agrario russo anterior a 1917. No terceiro topico sao analisados os escritos de Lenin em meio aos acontecimentos de 1917.

    Nas consideracoes finais buscamos avaliar as persistencias e inflexoes do pensamento lenineano, que influenciaram a praxis do partido bolchevique ao longo da Revolucao Russa.

  2. Lenin e as reflexoes sobre o desenvolvimento do capitalismo na Russia e o campesinato

    As peculiaridades do campesinato na Russia, conforme Silva (2012), estao na base de concepcoes divergentes sobre a permanencia ou a decomposicao do campesinato no processo de desenvolvimento capitalista russo. Conforme Silva (2012), medidas governamentais e dispositivos legais ao longo do seculo XIX fomentaram a permanencia de camponeses em suas comunidades (mir), preservando a comuna rural russa e a baixa produtividade, embora, gradualmente, tivesse inicio "um processo de diferenciacao da massa camponesa" (p. 113).

    Conforme a autora, a antiga polemica sobre a comuna rural russa ressurgira em meados do seculo XIX: "A esquerda, os populistas acreditavam que ela poderia ter um lugar na construcao do socialismo. A direita, acreditava-se que ela era compativel com o desenvolvimento capitalista" (Silva 2012). Para os populistas, "a Russia nao precisaria passar por uma fase de capitalismo para atingir o socialismo", pois a comuna camponesa era dotada de qualidades, como a democracia direta e a protecao dos individuos pelo coletivo, que tornavam indesejavel sua substituicao pela economia e democracia ocidentais (Silva, 2012).

    Lenin, em 1896, escreveu o livro "O desenvolvimento do capitalismo na Russia", procurando desconstruir as teses dos populistas, a partir da analise, por meio de dados estatisticos, da formacao do mercado interno para o capitalismo russo, observando as mudancas ocorridas na agricultura apos a reforma promovida em 1861 pelo Czar Alexandre II. (5) Cabe destacar que o Imperio Russo foi o ultimo Estado europeu a abolir a servidao e que ate meados do seculo XIX a comuna camponesa russa (mir) (6) foi pouco alterada. Apenas com a Reforma de 1861 que o regime de servidao comecou a ser abolido. Silva (2012, p.) explica que essa reforma previa que os senhores venderiam aos camponeses as parcelas de terras que eles ja ocupavam. Por sua vez, o Estado pagaria aos senhores uma quantia a pretexto de indenizacao pelas terras "perdidas" com a venda aos camponeses. Quanto ao estatuto destes, estabeleceu-se um estagio transitorio: nao adquiririam o direito de propriedade privada sobre a terra comprada, permanecendo como membros de uma comuna e de um grupo domestico. A comuna continuava responsavel pela distribuicao da terra aos grupos domesticos e seus integrantes. Os membros da comuna pagariam um imposto coletivo ("responsabilidade coletiva") e ninguem poderia renunciar as obrigacoes de sua comuna, mesmo estando incluido na minoria que conseguia permissao para residir em outro lugar. Entre as outras obrigacoes mantidas pela comuna, estava assegurar o pagamento do debito contraido com o Estado pelas terras adquiridas dos senhores. Este estagio transitorio, que deveria ser breve, perdurou por muito mais tempo que o previsto. Durante o processo de emancipacao, o campesinato foi expropriado de uma parte de suas terras, as quais, chamadas de otrezki, passaram aos senhores, deixando os camponeses com terra insuficiente (cerca de tres quartos deles dispunham de menos de 25 acres) e sem a possibilidade de usar a maior parte das florestas e das terras comuns. O objetivo da medida era justamente obriga-los a trabalhar nas terras dos senhores para garantir sua subsistencia. Em muitos casos precisaram recorrer ao aluguel da terra dos senhores ou dos kulaks. Em certas regioes faziam-no em troca de prestacao de trabalho, revivendo em parte a antiga corveia. Em outros casos empregavam-se temporariamente como assalariados nas industrias ou no campo para complementar a renda familiar (Kemp, 1987, p.153). Tanto nas terras do Estado como nas propriedades dos senhores, os antigos servos continuaram obrigados a empenhar boa parcela dos seus rendimentos no pagamento de impostos e no ressarcimento das terras recebidas. De um modo geral, a terra foi avaliada acima do preco de mercado. A insatisfacao gerada pela reforma foi grande, uma vez que os camponeses consideravam que estavam pagando por terras que ja eram deles (Gerschenkron, 1976, p.119).

    Analisando essas mudancas Lenin (1988) identificou um processo de decomposicao dos pequenos agricultores em patroes e operarios agricolas que constituiriam a base da formacao do...

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