The organizational structure of work found in a cooperative of women/ "Tu me ensina a fazer renda", eu te ensino a trabalhar: a organizacao do trabalho de uma cooperativa popular/"Tu me ensenas a hacer encaje, yo te enseno a trabajar": la organizacion del trabajo de una cooperativa popular.

Autorda Rocha-Pinto, Sandra Regina
CargoArtigo--Administracao Geral
  1. INTRODUCAO

    O Brasil, assim como os demais paises do denominado Terceiro Mundo, apresentou intenso processo de urbanizacao, especialmente na segunda metade do seculo XX. Em 1940, a populacao urbana era de 26,3% do total de habitantes; na virada do seculo XXI, essa cifra era de 81,2% (IBGE, 2010). Em numeros absolutos: em 1940, a populacao que residia nas cidades era de 18,8 milhoes de habitantes; em 2000, ela era de aproximadamente 138 milhoes. Essa nova realidade tem implicado a necessidade de politicas publicas de assentamento residencial dessa populacao, bem como de atendimento de suas necessidades de agua, energia, transporte, saude, abastecimento, educacao e trabalho. Todavia, na pratica, vivencia-se uma verdadeira tragedia urbana brasileira: enchentes, desmoronamentos, poluicao dos recursos hidricos, poluicao do ar, impermeabilizacao da superficie do solo, desmatamento, congestionamento habitacional, retorno de epidemias, violencia, desemprego (ALVES, 2003).

    O aumento desse ultimo indicador reflete a precarizacao do mercado de trabalho no Brasil (PICCININI, 2004), caracterizada pela reducao dos empregos formais e aumento dos empregos informais (DEDECCA, 1994). Entretanto, entender o conceito de empregabilidade como capacidade da forca de trabalho de se manter empregada ou encontrar novo emprego quando demitida sugere que a mao de obra esta desempregada em razao de sua inadequacao a um mercado cada vez mais exigente (LEITE, 1993). Uma das alternativas desses individuos e se estruturarem em cooperativas populares. Esse e o caso das moradoras da Rocinha, a maior favela do Rio de Janeiro, as quais, sem acesso a economia formal e necessitando sobreviver, comecaram a trabalhar com o reciclo de lixo industrial e a venda de trabalhos manuais. O trabalho realizado em pequenas oficinas cresceu ao longo de vinte e cinco anos e, nesse caminho, foi estabelecida uma cooperativa de artesas chamada COOPA-ROCA.

    A COOPA-ROCA tem servido de escoadouro de produtos, alternativa ao desemprego e oportunidade de qualificacao para os migrantes, exilados do modelo economico que concentrou toda a atividade economica no sudeste do pais (VARELLA, 2002), e para aqueles que nao sao capacitados tecnicamente para o mercado de trabalho formal (PICCININI, 2004). A partir desse pano de fundo, o objetivo principal deste trabalho foi responder a seguinte questao: quais sao as dimensoes relevantes na organizacao do trabalho da COOPA-ROCA? Dessa forma, pretendeu-se aprofundar a discussao sobre cooperativismo popular, conforme sugerido por Cancado (2005).

    Este artigo esta estruturado em cinco secoes, incluindo esta introducao. Na proxima, serao apresentadas as bases teoricas, notadamente as discussoes sobre cooperativismo, capital social, configuracoes organizacionais e gestao de desempenho; em seguida, descrever-se-a o percurso metodologico percorrido, para que, na secao subsequente, sejam apresentados os resultados da pesquisa. Finalmente, as consideracoes finais e o referencial bibliografico utilizado serao expostos.

  2. APORTE TEORICO

    2.1. Sobre o cooperativismo no Brasil

    O cooperativismo originou-se na Europa, durante os movimentos sociais que surgiram a fim de atenuar as questoes sociais decorrentes da Revolucao Industrial. Em seus pressupostos basicos, encontravam-se: a solidariedade, a equidade, o trabalho em grupo e a liberdade (BERNARDO-ROCHA, 1999). O marco do movimento cooperativista no Brasil, por sua vez, pode ser situado em 1847, com a fundacao da Colonia Tereza Cristina, organizada em bases cooperativas nos sertoes do Parana pelo medico frances Jean Maurice Faivre (adepto das ideias de Fourier) e um grupo de europeus. Observam-se, tambem, outras experiencias a mesma epoca em Santa Catarina. Contudo, foi apenas em 1891 que surgiu a primeira cooperativa, em Limeira-SP: a Cooperativa dos Empregados da Companhia Telefonica. A partir dai, o cooperativismo se desenvolveu por intermedio de varios ramos de atuacao: cooperativismo agropecuario, cooperativismo de eletrificacao rural, credito rural, cooperativismo de consumo, cooperativismo de credito urbano, cooperativismo habitacional, de trabalho, de saude, entre outros (SCHMIDT; PERIUS, 2003).

    No Brasil, as cooperativas de trabalho surgiram a partir de 1932, sob a influencia das cooperativas operarias de producao europeias. A partir de meados da decada de 60 o perfil dessas organizacoes mudou, quando profissionais liberais passaram a organizar suas proprias cooperativas. Nessa evolucao, tirou-se da figura dos cooperados o estigma de mao de obra semiqualificada: administradores, contadores, advogados, dentre outras categorias profissionais, comecaram a se reunir em cooperativas, a fim de solucionar os principais problemas do mercado de trabalho (PINHO, 1982). Na visao de Culti (2002), esse tipo de cooperativa e, ate hoje, uma realidade acessivel a trabalhadores qualificados ou nao que, mediante a associacao, desejam encontrar uma forma de trabalho tanto para gerar renda e fonte de subsistencia quanto para se emancipar do sistema de salarios.

    2.2. Principios e gestao cooperativistas

    As cooperativas de trabalho sao entidades coletivas, sem fins lucrativos, portadoras dos seguintes principios em suas praticas organizacionais: participacao, gestao democratica e estrutura horizontal. Essas organizacoes surgem pela vontade das pessoas de se associar em torno de alternativas no mercado de trabalho. Cada participante e um cooperado e, nessa condicao, tem direito de expressar a sua opiniao a respeito de questoes referentes aos interesses organizacionais nos ambientes coletivos. Nessa perspectiva, cada cooperado manifesta-se nas assembleias por meio de seu voto (JUNQUEIRA; TREZ, 2004).

    O direito ao voto independe do capital investido na aquisicao de cotas, do conhecimento tecnico e do nivel de escolaridade. Os cooperados sao trabalhadores associados e regidos pelos principios do cooperativismo. Sob a egide desses principios, sao responsaveis pela gestao da cooperativa; respondem, assim, pelas decisoes garantidoras tanto de sua operacao quanto de sua continuidade. Portanto, a sobrevivencia dessa organizacao dependera de decisoes sobre o tipo de servicos prestados por seus associados, os precos desses servicos, o cumprimento das exigencias legais, assim como da comunicacao interna e externa entre seus integrantes (JUNQUEIRA; TREZ, 2004).

    Essas consideracoes ilustram uma das questoes centrais nos processos de criacao, sobrevivencia e desenvolvimento das cooperativas de trabalho: a efetiva participacao e corresponsabilidade dos seus membros. Isso implica nao apenas atender as necessidades do mercado de trabalho, mas tambem construir uma organizacao apoiada na autogestao, no compromisso social, na solidariedade e nos principios democraticos (JUNQUEIRA; TREZ, 2004). Ademais, sabe-se que na historia da formacao do Cooperativismo destacam-se os objetivos peculiares de trabalhadores expressos na liberdade socioeconomica. Por meio dessa condicao os trabalhadores desempenham um triplo papel: cooperadousuario-empresario. A interacao dessas tres qualidades visa alcancar resultados comuns (SANTOS; VASCONCELOS, 2002).

    No que se refere a prestacao de contas, Santos e Vasconcelos (2002:4) ensinam que essa pratica pode ser vista como "um relato sintetico, apresentado num determinado periodo de uma gestao, com a finalidade de descrever a situacao da organizacao por meio da aplicacao dos recursos que lhe foram conferidos". O art. 44 da lei que define a politica nacional do cooperativismo delibera sobre a prestacao de contas dos orgaos de administracao, a mensuracao economica e a mensuracao financeira constantes nas seguintes informacoes contabeis: Balanco; Demonstrativo das Sobras apuradas ou das Perdas; Destinacao das Sobras apuradas ou rateio das Perdas. A legislacao preve uma apreciacao e aprovacao dos orgaos de fiscalizacao e controle da cooperativa, segundo os arts. 44 e 92 da Lei no 5.764/71 (SANTOS; VASCONCELOS, 2002). Por conta disso, alguns procedimentos devem ser seguidos: a) anualmente, nos primeiros meses apos o termino do exercicio social, em assembleia geral ordinaria, os orgaos de administracao, munidos do parecer do conselho fiscal, precisam prestar esclarecimentos e abordar a situacao ou a posicao da cooperativa por meio do relatorio de desempenho da gestao e de demonstracoes contabeis, compreendendo o balanco patrimonial e a demonstracao de sobras apuradas ou perdas; b) alem da obrigacao anual de remessa de documentos de relatorios do exercicio social, copias de atas, balancos e parecer do conselho fiscal, as cooperativas devem prestar esclarecimentos adicionais aos orgaos de fiscalizacao e controle do sistema cooperativista (Organizacao das Cooperativas dos Estados--OCEs e Organizacao das Cooperativas Brasileiras--OCB) (SANTOS; VASCONCELOS, 2002). Essas informacoes "deverao permitir um grau de entendimento satisfatorio para todos os usuarios, dado que se prestam a relatar com clareza o resultado do desenvolvimento das atividades programadas, tracando um 'diagnostico' do cenario e de seus objetivos" (SANTOS; VASCONCELOS, 2002:45).

    2.3. Capital Social: uma possivel definicao

    Ao longo do seculo XX, o termo "capital social" foi utilizado em pesquisas sobre vida urbana (JACOBS, 1961) e educacao (COLEMAN, 1999), na elaboracao da teoria social (BOURDIEU, 1986) e, mais recentemente, pelo Banco Mundial, como indicador de desenvolvimento economico e reducao da pobreza (SANTOS, 2003). Neste estudo, empregar-se-a o conceito proposto por James Coleman (1999), que define capital social como "uma variedade de diferentes [sic] entidades, com dois elementos em comum: todas consistem em algum aspecto da estrutura social, e facilitam certas acoes dos atores--atores tanto individuais como corporativos--dentro da estrutura". Acredita-se que essa definicao abarca, alem das associacoes horizontais consideradas por Putnam (1993), as associacoes verticais e a relacao entre essas associacoes, e nao apenas...

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