The militant research in Latin America: trajectory, paths and possibilities/ A Pesquisa Militante na America Latina: trajetoria, caminhos e possibilidades.

AutorJaumont, Jonathan
  1. Introducao (1)

    A Pesquisa Militante, na America Latina, nao e, obviamente, uma invencao dos autores que aqui escrevem. E, pelo contrario, um acumulo pratico-teorico ao longo da historia, para o qual contribuiram pensadoras, pensadores, militantes, pesquisadores, intelectuais, movimentos sociais, organizacoes politicas e coletividades, com suas reflexoes, sonhos, acoes e vida. Representa, portanto, um patrimonio dos povos latino-americanos em luta por dignidade em suas diversas dimensoes.

    Este artigo e, por isso, antes de tudo, uma contribuicao no esforco de reconstrucao de um legado popular que se tentou, violentamente, invisibilizar da trajetoria cientifica de nosso continente. Felizmente, a transmissao e a permanente reinvencao dos conhecimentos, aprendizados e experiencias do pensamento critico e militante continuaram acontecendo na historia, mesmo que em muitos momentos de maneira submersa e imperceptivel a muitos olhares. O que estamos presenciando, hoje, e uma retomada, decidida, da Pesquisa Militante pelos mais diversos sujeitos, inclusive, dentro das universidades latino-americanas.

    A producao de conhecimentos e o desenvolvimento cientifico nao estao dissociados dos acontecimentos societarios, mas, pelo contrario, sao partes constituintes dos mesmos. Se, hoje, nos parece que ha cada vez mais pesquisadoras e pesquisadores militantes na America Latina, e preciso reconhecer, paradoxalmente, o papel do ascenso de governos progressistas e populares na regiao (2) e, ao mesmo tempo, o lugar dos limites dos projetos implementados por estes para a conformacao de um cenario proficuo para a Pesquisa Militante.

    O ascenso, por um lado, contribuiu para a fragilizacao de uma hegemonia neoliberal, completamente, avessa a critica e, vigorosamente, destrutiva de iniciativas e experiencias militantes no ambito da producao de conhecimentos. Por outro lado, os limites de projetos neo-desenvolvimentistas ou de formas de capitalismo dependente com avancos sociais--que, na pratica, nao produziram transformacoes sociais efetivas e esperadas pelos setores populares e organizados--impulsionam a radicalizacao de um campo que esta enfrentando a tarefa de recompor um projeto popular, inclusive, desde a esfera da producao de conhecimentos. Neste sentido, as jornadas de junho de 2013 nos parecem um momento emblematico, no Brasil, no qual estes limites se explicitam, mas, principalmente, em que se forjam novas potencialidades pela acao e reflexao coletiva dos sujeitos sociais.

    A producao de saberes e, tambem, uma trincheira com projetos antagonicos em disputa. Isso porque o conhecimento cientifico e uma construcao social, historicamente localizada. Como dimensao da vida social e humana e, necessariamente, contingente, isto e, temporal e espacialmente situado e vincula-se a relacoes sociopoliticas e estruturas economicas determinadas, ligadas, por sua vez, a concepcoes de mundo especificas. E desde este entendimento que se invalida aquela universalidade que, aparentemente, permeia o discurso cientifico e descobre-se que toda ou todo teorico ou cientista social esta perpassado e reproduz interesses sociais e politicos, consciente ou inconscientemente. A ou o pesquisador que toma consciencia da ligacao entre o conhecimento e as contradicoes sociais passa a questionar para que pesquisar, para quem produzir conhecimento e como se constroi ciencia (3).

    A partir de uma postura critica dos sujeitos, e possivel construir conhecimentos que nao representem instrumentos para melhor dominar e explorar ou que nao signifiquem a perpetuacao de uma realidade, profundamente, desigual e injusta. Assim, a ciencia pode ser um meio atraves do qual se alcance importantes contribuicoes no processo de transformacao social. E isto que nos mostra a trajetoria do pensamento critico e da Pesquisa Militante.

    As experiencias, das quais participamos e com as quais compartilhamos informacoes, nos trazem a solida conviccao de que essa perspectiva nao somente e possivel, mas e necessaria e urgente no cenario atual. Conhecer a realidade e uma exigencia para transforma-la e os setores populares e suas organizacoes, se pretendem caminhar para uma sociedade mais justa e igualitaria, precisarao conformar um pensamento critico potente, uma praxis transformadora e um arcabouco teorico-metodologico adequado para viabilizar a socializacao deste processo para amplas camadas das sociedades latino-americanas. As e os pesquisadores possuem um papel importante neste caminho ao, superando o mito da neutralidade da ciencia moderna, se comprometer na construcao desta valiosissima contribuicao.

    Este artigo se inscreve neste esforco coletivo que ja vem sendo construido atualmente por inumeras experiencias e representa tambem um convite para participar e contribuir nesta jornada. Para tanto, comecamos, em uma primeira parte, com uma breve contextualizacao historica do pensamento critico na America Latina. Pareceu-nos fundamental para localizar as iniciativas da Pesquisa Militante numa rica e poderosa trajetoria ao longo da historia de nosso continente. Em um segundo momento, tracamos, com base em experiencias emblematicas na America Latina, os elementos fundamentais da Pesquisa Militante que representam, na realidade, trajetorias convergentes que foram sendo observadas nas diferentes iniciativas historicas. Com isso, tentamos conformar o campo da Pesquisa Militante em um esforco de sistematizacao e de articulacao teorica destas experiencias.

    Pela complexidade do tema e riqueza das experiencias historicas e em curso, o presente texto nao se pretende exaustivo e possui, ainda, lacunas importantes que dependem de um esforco, necessariamente, coletivo para serem preenchidas. Esperamos, apenas, estimular o debate e articulacao em torno deste campo, demonstrando as potencialidades da construcao de um saber transformador e, dessa forma, contribuir para a superacao de uma sociedade baseada em diferentes formas de opressao e exploracao.

  2. Ciencia, Dependencia e Pensamento Critico

    A ciencia e um modo de apropriacao humano, sistematico e organizado da realidade. Esta, intimamente, ligado com a premente e continua necessidade humana de estender e aprofundar sua dominacao sobre e/ou sua sinergia com a natureza para sua sobrevivencia e reproducao. O carater social do comportamento humano tem, portanto, o mesmo fundamento objetivo da producao de conhecimentos, tendo ambos no trabalho seu impulso e mediacao central. Neste sentido, sao germes da pratica cientifica, os mais elementares avancos da humanidade, baseados no entendimento de seu entorno. Para Alvaro Vieira Pinto:

    [...] A ciencia e a forma de resposta adaptativa de que somente o homem se revela capaz por ser o animal que vence as resistencias do meio mediante o conhecimento dos fenomenos, ou seja, mediante a producao de sua existencia a individual e a da especie. Adapta-se ao mundo porque o adapta a si, ao descobrir as razoes logicas das coisas e dos acontecimentos, e ao modifica-las de tal maneira que sirvam ao proposito de assegurar sua subsistencia. (VIEIRA PINTO, 1979: 89)

    A ciencia e, neste sentido, esta forma de producao de conhecimento que passa pela apreensao da propriedade e legalidade do movimento da realidade e pode estar presente, com isso, em diversas formas do saber humano. A distincao do que e ciencia do que nao e nas sociedades modernas, baseada em imposicoes acerca do "rigor cientifico", e um processo ligado, como veremos, a necessidades historicas particulares de dominacao de algumas classes sociais sobre outras, mas nao determina, em absoluto, os limites concretos da ciencia.

    Serao precisos milenios para que aqueles rudimentos encontrem as possibilidades materiais e espirituais para sua explicitacao em formas mais sistematizada de producao de conhecimentos. Nao faltam exemplos de sociedades baseadas na propriedade coletiva em que o conhecimento cientifico foi um potente instrumento de bem-estar e bem-viver. A agricultura e a organizacao da forca de trabalho inca, antes da invasao colonial, sao casos emblematicos de socializacao dignificante do saber disponivel (BAGU, 1992: 13-30).

    Por outro lado, em sociedades, estruturalmente, desiguais, como a grega, por exemplo, a ciencia imbuiu-se de uma dimensao de dominacao, determinada pela necessidade de perpetuacao dos privilegios das camadas proprietarias. Este processo --e preciso assinala-lo para compreende-lo em sua complexidade social contraditoria --assentou-se na divisao destas sociedades em classes sociais e, com isso, no privilegio de setores que puderam se distanciar do trabalho manual para se concentrar em trabalhos, propriamente, intelectuais e, por vezes, cientificos.

    Os tracos fundamentais disto que se convencionou chamar de ciencia moderna tem suas raizes no processo de ascensao da burguesia, na Europa ocidental a partir do seculo XIII. O impulso elementar para conformacao da referida ciencia provem, em suma, da capacidade material que a instrumentalizacao de ramos cientificos emprestou ao complexo comercial, industrial, financeiro e militar burgues. E exemplar o papel da fisica e da quimica para o desenvolvimento e a consolidacao do complexo industrial ingles do seculo XVIII.

    Mas, para alem da instrumentalizacao das ciencias exatas, a expansao mundial da burguesia comercial, desde o seculo XIV, criou formas particulares de explicar e justificar a nova realidade burguesa colonial decorrente (4). Esta nova realidade que estruturou as bases para o capitalismo industrial e a modernidade burguesa, na Europa, e o colonialismo, que significou a extracao de gigantescos excedentes das colonias americanas, mas tambem africanas e asiaticas, e permitiu a acumulacao primitiva para a revolucao industrial inglesa. Como coloca Agustin Cueva, para a America Latina este foi, na realidade, um processo de desacumulacao primitiva (CUEVA, 1983:25-26). Foi necessario justificar esta realidade atroz, baseada em saqueios, genocidios e escravidao. Durante o periodo colonial, a...

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