The metamorphosis of social classes in contemporary capitalism: reflections/ A metamorfose das classes sociais no capitalismo contemporaneo: algumas reflexoes.

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Introducao

Uma das contribuicoes centrais do legado de Karl Marx e a formulacao sobre classes sociais, tema que foi e e objeto de distintas concepcoes no campo marxista, grande parte delas motivada por uma compreensao de que Marx nao havia elaborado uma obra especifica que sistematizasse o conceito de classes sociais, sendo necessario preencher esta lacuna. (1)

Este artigo tem um duplo objetivo: primeiro, enunciar algumas reflexoes acerca das classes sociais a partir das formulacoes de Marx e Engels, partindo da compreensao de que ha uma teoria das classes em suas obras e que a suposta "lacuna" e parte da metodologia dos autores. Ou seja, embora tenha se desenvolvido um rico debate teorico-conceitual, assim como as proposicoes de identificar as classes no campo empirico por estudiosos marxistas, considero que o carater controverso deste debate reflete a natureza mesma do fenomeno das classes em sua historicidade, como um processo num devir permanente que encarna a dialetica como imanente a sua existencia e constituicao. Mais do que afirmar e conceituar classes sociais, e preciso reconhecer a historicidade das classes e analisar como se expressa nas diferentes conjunturas historicas. O segundo objetivo e problematizar algumas analises sobre as classes ou sobre a classe trabalhadora em particular, no atual contexto da acumulacao flexivel, da globalizacao e da hegemonia neoliberal, buscando indicar alguns elementos para se compreender as novas configuracoes das classes sociais hoje.

Na primeira parte do artigo, apresento uma sintese panoramica de algumas formulacoes de Marx e Engels (2007) em obras como Ideologia alema e, com destaque, A situacao da classe trabalhadora na Inglaterra, de F. Engels (2008). Na segunda parte, faco referencia ao debate mais recente sobre as formulacoes relativas a "nova morfologia da classe trabalhadora" e ao surgimento de um novo segmento de classe ou de uma nova classe, o chamado "precariado".

Por ultimo, enuncio alguns pontos de conexao entre as formulacoes de Marx e Engels e o debate recente--que toma como cenario historico o capitalismo flexivel, globalizado e em crise -, a fim de indicar um conjunto de questoes ainda abertas a discussao que deve estimular novos estudos e reflexoes.

Classes sociais em Marx e Engels

Em linhas gerais, pode-se afirmar que ha dois grandes momentos nas formulacoes de Marx e Engels que constituem uma teoria das classes como um dos eixos basilares da explicacao sobre o capitalismo. Num primeiro momento, os autores tratam da genese e formacao das classes na sociedade capitalista, analisando quando e como as classes se fizeram e, portanto, como se estrutura a sociedade baseada na exploracao do trabalho e na sua apropriacao privada. Sao especialmente nas obras A situacao da classe trabalhadora na Inglaterra (ENGELS, 2008), O Capital (livro I, volume I e volume II, cap. XXIV) (MARX, 2001), o Manifesto comunista (MARX; ENGELS, 2001) e A ideologia alema (MARX; ENGELS, 2007) que se encontram as principais teses sobre o capitalismo como uma sociedade de classes na sua origem e constituicao.

Em cada uma destas obras, mesmo que com objetos diversos e diferentes niveis de teorizacao, os autores demarcam condicoes historicas especificas e concretas em que "as classes se fazem" ou, ainda mais precisamente, "a classe se faz", conforme afirma Thompson (1987). Isto porque, na essencia, classe e uma relacao social estabelecida entre os homens atraves das formas de producao e apropriacao do trabalho que, particularmente a partir da Revolucao Industrial, tomou forma especifica. Nela, a subsuncao do trabalho ao capital se completa gracas ao desenvolvimento das forcas produtivas, as inovacoes tecnologicas (introducao da maquinaria na fabrica) e o trabalhador coletivo agora sob um controle mais eficiente, que busca permanentemente anular a sua subjetividade e, portanto, as suas individualidades, ja que o trabalho do homem, da mulher e da crianca e utilizado como forca de trabalho disponivel; a unica diferenca para o capitalista e qual tera um valor de troca menor para ampliar a extracao da mais-valia.

A relacao social constituida pela apropriacao do trabalho de uns por outros, atraves da divisao do trabalho e da propriedade privada, e uma relacao de dominacao, em que dominantes e dominados vivem um processo de constante enfrentamento, num "medir forcas", cujas expressoes e formas podem ser as mais diversas: no processo de trabalho, nas relacoes familiares, nas condicoes de moradia, de educacao etc. Assim tambem os niveis de luta podem ser individuais e/ou coletivos, mais ou menos organizados, mais ou menos provisorios, mais ou menos estabelecidos, pois sao as condicoes historicas das relacoes de forcas entre as classes que podem definir as expressoes e as formas de luta. E disso que trata o que denominamos de segundo momento ou recorte analitico das obras de Marx e Engels. Isto e, as analises que buscam identificar e compreender, ao longo das diferentes conjunturas historicas, quais sao as (novas) configuracoes das classes, atraves das lutas e enfrentamentos, quais elementos estavam e permanecem desde a genese e quais sao acrescentados a partir da experiencia das lutas de classes, do desenvolvimento das forcas produtivas capitalistas e dos processos estritamente politicos expressos nas formas de organizacao do Estado, dos partidos, dos sindicatos e dos movimentos sociais. E o que analisam as obras Lutas de classes na Franca, Guerra civil na Franca, O 18 Brumario de Luiz Bonaparte (MARX, 1977) e o Manifesto comunista (MARX; ENGELS, 1977).

Ao se fazer essa classificacao das obras selecionadas, agrupadas de acordo com o tipo de analise " momento de genese das classes e o estudo do seu desenvolvimento e as suas novas configuracoes ", nao se pretende estabelecer nenhuma disjuncao ou ruptura entre esses recortes analiticos, mas sim alertar sobre a sua interconexao e complementariedade. Alem disso, apenas para efeito didatico de exposicao, afirmar que, assim como as classes se estruturam, o desenrolar da historia cria novas conjunturas que modificam a sociedade capitalista, diferenciando-a do momento da sua origem, o que certamente reconfigura as classes sociais em seus embates, assim como em sua conformacao interna.

Desta forma, a heterogeneidade ou a homogeneidade, a complexificacao ou a simplificacao das classes sao processos historicos e como tais devem ser analisadas tomando por referencia as realidades concretas, sobretudo as transformacoes que redefinem a condicao de subordinacao do trabalho ao capital e as decorrentes implicacoes na conformacao de uma e outra classe.

Nessas obras selecionadas, ha categorias teoricas que sao fundamentais para a compreensao da constituicao das classes sociais, como as nocoes de trabalho e de propriedade. Marx desvenda o misterio da sociedade produtora de mercadorias, na qual o trabalho alienado e o fetiche da mercadoria ocupam um lugar central para se compreender a essencia do capital como relacao social em contraposicao a sua aparencia coisificada ou corporificada na riqueza material. Se a forca de trabalho se tornou uma mercadoria fundamental e indispensavel para a existencia do capital, ela mesma tambem e fetichizada, ou seja, aparece com vida propria independente do seu produtor, isto e, dos homens que a disponibilizam e a vendem no mercado de trabalho. Essa e uma condicao social que esta no cerne da alienacao do trabalho: a separacao do homem de sua propria atividade vital--o trabalho -, a medida que este e apropriado por outros homens, estabelecendo uma divisao social do trabalho que os subordina uns aos outros, levando a constituicao de classes sociais distintas.

Na Ideologia alema, Marx e Engels (2007), em varias passagens, explicitam o carater relacional entre as classes e a relacao entre individuo e classe no seu processo de formacao:

[...] Os individuos singulares formam uma classe somente na medida em que tem de promover uma luta contra uma outra classe; de resto, eles mesmos se posicionam uns contra os outros, como inimigos, na concorrencia. Por outro lado, a classe se autonomiza, por sua vez, em face dos individuos, de modo que estes encontram suas condicoes de vida predestinadas e recebem ja pronta da classe a sua posicao na vida e, com isso, seu desenvolvimento pessoal; sao subsumidos a ela. E o mesmo fenomeno que o da subsuncao dos individuos singulares a divisao do trabalho e ele so pode ser suprimido pela superacao da propriedade privada e do proprio trabalho. De que modo essa subsuncao dos individuos a classe transforma-se, ao mesmo tempo, numa subsuncao a toda forma de representacoes etc., ja o indicamos varias vezes. [...] Essa subsuncao dos individuos a determinadas classes nao pode ser superada antes que se forme uma classe que ja nao tenha nenhum interesse particular de classe a impor a classe dominante. (MARX; ENGELS, 2007, p. 63).

Assim, vao construindo uma teoria das classes sociais, analisando o lugar e o papel do Estado e da Ideologia na constituicao e desenvolvimento das lutas, conflitos, disputas e da concorrencia entre as classes e intraclasses.

[...] e precisamente dessa contradicao do interesse particular com o interesse coletivo que o interesse coletivo assume, como Estado, uma forma autonoma, separada dos reais interesses singulares e gerais e, ao mesmo tempo, como comunidade ilusoria, mas sempre fundada sobre a base real [realen] dos lacos existentes em cada conglomerado familiar e tribal, tais como os lacos de sangue, a linguagem, a divisao do trabalho em escala ampliada e demais interesses--em especial, como desenvolveremos mais adiante, fundada sobre as classes ja condicionadas pela divisao do trabalho, que isolam em cada um desses aglomerados humanos e em meio aos quais ha uma classe que domina todas as outras. Dai se segue que todas as lutas no interior do Estado, a luta entre democracia, aristocracia e monarquia, a luta pelo direito de voto, etc, nao sao mais do que formas...

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