The Labor Justice and the value-form repetition/ A Justica do Trabalho e a repeticao da forma-valor.

AutorUchimura, Guilherme Cavicchioli

Introducao

Se por um lado, no contexto das lutas sociais pela superacao da exploracao capitalista, compreender quais sao as fronteiras da jurisdicao trabalhista nao constitui o aspecto fundamental desse processo, tambem nao se descarta tal esforco por irrelevante.

Assim, buscando articular categorias centrais desenvolvidas por Marx, Pachukanis e Alysson Mascaro em seus recentes estudos sobre a forma estatal e o fenomeno juridico, sem dispensar contribuicoes de outros pesquisadores, o presente artigo possui o objetivo de avancar na melhor compreensao dos limites ontologicos da jurisdicao trabalhista brasileira.

Com isso, a primeira etapa do artigo e voltada a delimitacao dos elementos teoricos, entre a critica da economia politica e a critica juridica marxista, necessarios ao desenvolvimento do debate sobre a relacao entre a jurisdicao trabalhista nacional e a categoria forma-valor.

Na etapa seguinte, limitando-se o artigo a analise da Justica do Trabalho, enquanto instituicao nacional competente ao julgamento dos conflitos envolvendo relacoes de trabalho, procede-se uma breve investigacao sobre a historia e a atualidade da jurisdicao trabalhista no Brasil, particularmente se valendo da pesquisa documental presente em O Direito do Trabalho no Brasil--1930/1942: A construcao do sujeito de direitos trabalhistas, tese de doutorado defendida pela professora Magda Biavaschi em 2005.

No centro da discussao intencionada pelo artigo, coloca-se em debate a possibilidade de se desvelar a forma-valor como limite ontologico da Justica do Trabalho. Em seguida, elencam-se dois itens como dados relevantes para se relacionar esse estudo ao concreto: primeiro, a instrumentalizacao da ordem juridica trabalhista pelas empresas e, segundo, a elevacao da precariedade do trabalho decorrente da inefetividade dos direitos trabalhistas. Nessa etapa, alem do aprofundamento teorico das categorias ja delimitadas, a pesquisa tambem se vale das obras de estudiosos criticos da area trabalhista, bem como de dados e analises levantados por Adalberto Moreira Cardoso em Direito do trabalho e relacoes de classe no Brasil (2003).

Ao final, tendo o objetivo de avancar sobre o conhecimento desse tema, em torno do qual ainda circundam diversas lacunas teoricas, coloca-se em investigacao a hipotese de que, por mais que se reconheca a possibilidade de um uso tatico da Justica do Trabalho, o real enfrentamento ao capital e necessariamente exterior aos limites ontologicos dessa instituicao.

  1. Estado e forma-valor

    No Primeiro Livro d'O Capital, podemos encontrar um valioso conjunto de categorias adequadas a compreensao da atual relacao entre capitalismo, Estado e direito.

    Uma das ideias basicas desenvolvidas por Marx (1996) e a de que o processo de reproducao do capital necessita de condicoes sociais minimas para que os proprietarios dos meios de producao possam contratar trabalhadores. Segundo o autor, o ciclo da valorizacao do valor (D--M--D'), economicamente necessario a realimentacao do proprio capitalismo, nao ocorre sem que os proprietarios dos meios de producao efetivamente comprem e consumam a forca de trabalho daqueles que nao os possuem. Isso equivale a dizer, inclusive, que a sociabilidade capitalista encontra sua especificidade no trabalho assalariado.

    O ciclo D--M--D', que recebe o nome de formula geral do capital, e explorado de forma substancial no Capitulo IV do Primeiro Livro d'0 Capital. Resumidamente, pode ser analisado em dois momentos distintos. No primeiro, ocorre a troca de dinheiro (D) por mercadoria (M). No segundo, a mercadoria (M) e trocada pela soma do dinheiro original (D) mais um acrescimo, um plus, que constitui a denominada mais-valia (1) (AD). Com isso, o capital valorizado, produto desse processo, assume a formula D' = D + AD.

    Segundo Marx (1996: 271), essa segunda etapa, M--D', constitui justamente o movimento responsavel por valorizar o valor. Ha uma condicao para que isso ocorra. Para que realmente se origine mais-valia das relacoes de troca, a propria mercadoria que serve de intermediaria no ciclo D--M--D' deve ser fonte de valor, cujo valor de uso em si possa gerar objetivacao de trabalho e criacao de valor. E a mercadoria que possui essa capacidade, como se bem sabe, nao e o maquinario por si so, muito menos os imoveis arrendados ou o capital financeiro, mas tao somente a forca de trabalho humana (MARX, 1996: 285).

    Em outras palavras, um dos pressupostos do modo capitalista de producao e que, ciclicamente, uma pessoa compre e consuma a forca de trabalho de outra para gerar mais-valia.

    Pois bem. Para que possa ocorrer essa especifica compra e venda, e necessario que a forca de trabalho seja transformada em mercadoria e, alem disso, que ela seja comercializada diretamente pelo proprio trabalhador. Ora, uma vez que "as mercadorias nao podem por si mesmas ir ao mercado e se trocar", torna-se necessario "que os seus guardioes se relacionem entre si como pessoas" (MARX, 1996: 210).

    Em sintese, o possuidor de capital originario, para satisfazer o seu "unico impulso vital, o impulso de valorizar-se, de criar mais-valia" (MARX, 1996: 347), precisa encontrar a disposicao no mercado "a forca de trabalho como mercadoria" (MARX, 1996: 286), isto e, juridicamente desvinculada do trabalhador.

    De acordo com a critica juridica marxista, como sera explicado adiante, sao essas duas necessidades basicas da sociabilidade capitalista que precedem a instituicao das nocoes de igualdade juridica e de sujeito de direitos, ambas fundamentais para a compreensao do desenvolvimento historico do fenomeno juridico na modernidade. E o que o proprio Marx (1996: 285-286) ja explicitava da seguinte forma:

    Para que seu possuidor [da forca de trabalho] venda-a como mercadoria, ele deve poder dispor dela, ser, portanto, livre proprietario de sua capacidade de trabalho, de sua pessoa. Ele e o possuidor de dinheiro se encontram no mercado e entram em relacao um com o outro como possuidores de mercadorias iguais por origem, so se diferenciando por um ser comprador e o outro, vendedor, sendo portanto ambos pessoas juridicamente iguais. O prosseguimento dessa relacao exige que o proprietario da forca de trabalho so a venda por determinado tempo, pois, se a vende em bloco, de uma vez por todas, entao ele vende a si mesmo, transforma-se de homem livre em um escravo, de possuidor de mercadoria em uma mercadoria. Como pessoa, ele tem de se relacionar com sua forca de trabalho como sua propriedade e, portanto, sua propria mercadoria, e isso ele so pode na medida em que ele a coloca a disposicao do comprador apenas provisoriamente, por um prazo de tempo determinado, deixando-a ao consumo, portanto, sem renunciar a sua propriedade sobre ela por meio de sua alienacao [Verausserung] (2). (grifo nosso).

    Esse e outros segmentos (3) da obra marxiana levam Pachukanis a clareza de um dos principais pressuposto de sua Teoria Geral do Direito: "Depois de Marx, a tese fundamental, a saber, de que o sujeito juridico das teorias do direito se encontra numa relacao muito intima com o proprietario das mercadorias, nao precisava mais uma vez ser demonstrada" (1988: 8).

    Seguindo essa linha de pensamento, Alysson Mascaro (2013: 14) identifica o surgimento do Estado como um terceiro-garante necessario a dinamica da compra e venda da forca de trabalho. Para o autor, o Estado, pelo menos na maneira como o concebemos na modernidade, possui uma especificidade capitalista: historicamente, ele surge propriamente com a funcao de garantir a intermediacao universal das mercadorias.

    Para avancar sobre a compreensao desse fenomeno, Mascaro (2013: 18) se vale da categoria formas sociais, no seguinte sentido:

    Como exponenciacao de interacoes materiais concretas, a nocao de forma social sempre advem de relacoes especificas historicamente. A forma nao e um constructo eterno ou atemporal. Pelo contrario, representa uma objetivacao de determinadas operacoes, mensuracoes, talhes e valores dentro das estruturas historicas do todo social. [...] A forma social nao e uma forma inflexivel e imutavel, na medida em que se faz e e refeita numa rede de relacoes sociais. Nao se trata, adotando-se tal categoria, de enclausurar a analise social em um hermetico plano abstrato. Pelo contrario, trata-se de afirmar como ponto de partida da construcao do conhecimento que, no capitalismo, a historicidade da troca de mercadorias culmina em formas sociais necessarias e especificas, tais quais o valor, a mercadoria e a subjetividade juridica. Trata-se de afirmar o basico: para que o possuidor de dinheiro e de meios de producao possa comprar a forca de trabalho alheia, o que ocorre por meio do contrato, e necessario que existam especificas formas politicas e juridicas, produtos historicos do todo social.

    No modo capitalista de producao, identifica-se que a forma-valor, enquanto mediacao, aparece historicamente como o nucleo do qual as demais formas sociais derivam. Essa afirmacao constitui uma das chaves conceituais do pensamento de Pachukanis (1988: 45), para o qual a forma juridica e o reflexo inevitavel da relacao dos proprietarios das mercadorias entre si. Em sintese: "Uma vez estabelecida a forma de troca de equivalentes, estabelece-se igualmente a forma do direito, a forma do poder publico, isto e, estadual [...]" (PACHUKANIS, 1988: 28).

    Mascaro (2013: 19) desenvolve a mesma premissa da seguinte maneira: "pela forma-valor referenciam-se os atos economicos e a constituicao dos proprios sujeitos de direito, que assim o sao porque, justamente, portam valor e o fazem circular". Ao abordar a especificidade historica entre capitalismo e Estado com esse ponto de partida, o autor afirma ainda que, conforme as relacoes de troca de mercadoria e de exploracao da forca de trabalho mediante contrato se hegemonizaram na reproducao social, foi levantando-se "a necessidade de que o poder politico seja constituido como estranho aos proprios agentes da troca" (MASCARO, 2013: 47).

    A conclusao e que a sociabilidade...

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