The judicialization of urban environmental conflicts in Latin America/ A judicializacao dos conflitos urbano-ambientais na America Latina.

AutorKonzen, Lucas P.
CargoTexto en portugu

Introducao

As transicoes democraticas ocorridas na America Latina nas ultimas decadas tem crescentemente despertado o protagonismo do Poder Judiciario nos conflitos sociais. Em decorrencia desse fenomeno tem surgido questionamentos sobre em que condicoes o chamado "ativismo judicial" e uma pratica aceitavel e, em geral, o que se deve esperar dos juizes em um contexto de pluralismo politico, reorganizacao juridico-institucional do Estado, reconhecimento de uma serie de direitos fundamentais e intensas reivindicacoes de organizacoes da sociedade civil a respeito de multiplos temas.

Mais recentemente, o ativismo judicial passou tambem a alcancar assuntos urbanos e ambientais. Em muitos paises latino-americanos, os conflitos relacionados ao espaco urbano se manifestam de novas maneiras: de um lado, percebe-se que os atores sociais por vezes optam por levar estes conflitos a arena judicial; por outro, verifica-se que integrantes da magistratura aparecem como atores sociais cada vez mais cruciais para a definicao das politicas urbanas. Importantes intervencoes judiciais em materia de planos diretores, mudancas de uso do solo, reparacoes ambientais, assentamentos irregulares, desapropriacoes de imoveis e ocupacoes urbanas sao exemplos de tais transformacoes.

As implicacoes desse processo, todavia, nao tem sido suficientemente exploradas pela pesquisa sociojuridica. (1) Algumas das decisoes judiciais recentes sobre esses temas -citam-se, por exemplo, as decisoes relativas a gestao da bacia hidrografica Matanza-Riachuelo em Buenos Aires (MERLINSKY, 2013), a ocupacao de areas naturais protegidas nos montes que rodeiam Bogota (VILLEGAS DEL CASTILLO, 2014), ao despejo forcado da comunidade Pinheirinho em Sao Jose dos Campos (KONZEN, 2014) e a expropriacao do imovel conhecido como El Encino na Cidade do Mexico (AZUELA, HERRERA, 2013)--evidenciam a grande diversidade dos conflitos urbano-ambientais na regiao, bem como trazem a tona interrogacoes acerca da produtividade social de sua juridificacao e, especialmente, de sua judicializacao.

E prioritario, portanto, avancar na compreensao empirica e teorica deste processo social, a partir do desenvolvimento de uma agenda de pesquisa adequada as especificidades da realidade regional. Respondendo a este desafio, a rede de pesquisadores Juizes e Cidades na America Latina (2), vinculada a secao latino-americana do Grupo Internacional de Pesquisa em Direito e Espaco Urbano (IRGLUS, na sigla em ingles), um dos grupos de trabalho do Research Committee on Sociology of Law da International Sociological Association (RCSL/ISA) (3), vem consolidando, desde 2012, a producao de conhecimentos sociojuridicos sobre o papel do Poder Judiciario em relacao aos conflitos urbano-ambientais. Nesse sentido, foi publicado, em 2014, o livro Jueces y Conflictos Urbanos en America Latina (AZUELA, CANCINO, 2014), reunindo os primeiros resultados dessas investigacoes.

O objetivo comum aos trabalhos reunidos no dossie Judicializacao dos Conflitos Urbano-ambientais na America Latina da Revista Direito e Praxis e debater, desde uma perspectiva sociojuridica, a atuacao do Poder Judiciario em conflitos deste tipo. Em geral, os trabalhos que compoem este dossie sao investigacoes empiricas interdisciplinares sobre casos emblematicos de judicializacao de conflitos urbano-ambientais e analise de suas implicacoes sociais. A maior parte do material e resultante das discussoes do Seminario Internacional Juizes e Cidades na America Latina, evento realizado na Faculdade de Direito da Universidade Federal do Rio Grande do Sul, em Porto Alegre, em maio de 2015, com apoio do Conselho Nacional de Desenvolvimento Cientifico em Tecnologico (CNPq). (4)

O artigo que inaugura o dossie, Efectos de las causas estructurales en el largo plazo: la causa Riachuelo, de autoria de Maria Gabriela Merlinsky, professora da Universidad de Buenos Aires, estuda o caso da judicializacao do conflito da bacia do Riachuelo, territorio densamente povoado e historicamente exposto a degradacao ambiental. Uma vez que a Suprema Corte de Justica da Argentina decidiu que os governos deveriam desenvolver um plano de recuperacao ambiental, o trabalho analisa a execucao da sentenca e seus efeitos para a implementacao de politicas urbano-ambientais. A partir da execucao da emblematica decisao judicial, emergiram conflitos urbanos relacionados a moradia e aos usos comerciais da regiao, levantando questoes acerca da legitimidade do processo, especialmente se considerada a ameaca a direitos, que nao foram discutidas na acao e cujas consequencias nao foram avaliadas. O encaminhamento das acoes levou a producao de situacoes diversas de tratamento juridico, colocando em evidencia os efeitos na demarcacao de um territorio, construcao de argumentos que definem politicas publicas e exigibilidade (desigual) de direitos.

O trabalho seguinte, intitulado A ordem juridico-urbanistica nas trincheiras do Poder Judiciario, e de autoria coletiva do Grupo de Pesquisa em Direito Urbanistico da Faculdade de Direito da Fundacao Escola Superior do Ministerio Publico, coordenado pela professora Betania de Moraes Alfonsin. O artigo analisa a receptividade, pelo Tribunal de Justica do Rio Grande do Sul, das inovacoes produzidas no ordenamento juridico-urbanistico, sobretudo a partir da entrada em vigor do Estatuto da Cidade, por meio da analise de julgamentos realizados entre 2011 e 2015. Nesse estudo verificou-se um ativismo judicial que em larga medida manteve a hegemonia dos direitos de propriedade em detrimento da nova ordem juridico-urbanistica. A analise indicou ainda um padrao diferenciado de decisoes quando presente o Poder Publico no polo passivo das acoes, situacao em que o ativismo de protecao dos direitos de propriedade foi menos expressivo. A investigacao sugere, ainda, que ha desconhecimento, por parte dos juizes e litigantes, do teor e do alcance de diretrizes, instrumentos e direitos da ordem juridico-urbanistica vigente no Brasil.

Ja o artigo Poder judicial y ocupaciones de suelo en Buenos Aires, de Maria Cristina Cravino, professora da Universidad Nacional de General Sarmiento, aborda o modo como o Poder Judiciario da cidade de Buenos Aires enfrenta as novas ocupacoes urbanas vinculadas a luta pelo direito a moradia. Para isso, foram analisadas as decisoes judiciais sobre a ocupacao do Parque Indoamericano, realizada em dezembro de 2010, que sao consideradas um ponto de inflexao em direcao a utilizacao de mecanismos puramente punitivos em detrimento de posicoes de garantia dos direitos sociais. O artigo apresenta as tensoes internas ao sistema judicial e seus efeitos sociopoliticos, em que os juizes ativistas dos direitos sociais foram neutralizados, indicando a predominancia da defesa dos direitos de propriedade. Houve uma reducao do alcance de produtividade social dos conflitos, ainda que a questao acerca da legalidade das ocupacoes prossiga ambigua. Por fim, o crescimento da atuacao judicial voltada a criminalizacao das liderancas das ocupacoes urbanas e relacionado com o descumprimento, por parte do governo local, de acordos envolvendo acoes de politica habitacional.

Referenciado na realidade socioespacial do Delta do Parana, na Regiao Metropolitana de Buenos Aires, o artigo Colony Park: una mirada mas alla del conflicto ambiental, de Maria Ignacia Graham e Fernanda Levenzon, tambem pesquisadoras da Universidad Nacional de General Sarmiento, analisa a judicializacao do conflito relacionado a implantacao de um condominio fechado em ilhas situadas no Municipio de Tigre. A disputa pelo territorio, relacionada as questoes economica e ambiental, resultou na expulsao das comunidades tradicionais que habitavam o local e no aprofundamento da desigualdade socioespacial. Diante das expressivas irregularidades cometidas e da ausencia de meios juridicos adequados para sancionar os empreendedores imobiliarios, a juiza responsavel pelo caso decidiu comunicar os orgaos legislativos sobre a necessidade de reformas legais com vistas a adequada protecao do meio ambiente. Apos, seguindo em seu ativismo, determinou a intervencao da autoridade ambiental administrativa, para que tomasse providencias, argumentando acerca da possibilidade de responsabilizacao internacional do Estado argentino. Finalmente, discute-se a resposta juridica, com foco no processo...

Para continuar a ler

PEÇA SUA AVALIAÇÃO

VLEX uses login cookies to provide you with a better browsing experience. If you click on 'Accept' or continue browsing this site we consider that you accept our cookie policy. ACCEPT