The Everyday Life Activities of Human Rights Movements: a critical analysis of processes of institutionalization/ O Agir Cotidiano dos Movimentos de Direitos Humanos: uma analise critica sobre processos de institucionalizacao.

AutorAnsari, Moniza Rizzini
  1. Consideracoes Iniciais

    Apresentam-se neste artigo algumas reflexoes sobre os conflitos estabelecidos entre acoes politicas da vida cotidiana e as formacoes institucionais no ambito da construcao de direitos. Sua proposta central consiste em explorar, por um lado, diferentes formas em que direitos humanos compoem as dimensoes expressivas e instrumentais dos processos de contestacao e resistencia politica que tencionam as transformacoes sociais e, por outro, os paradoxos de suas institucionalizacoes especialmente orientadas pelo discurso participativo da democracia liberal. Tratase de uma aproximacao teorica e empirica sobre as dinamicas sociais que produzem e reproduzem o campo dos direitos humanos, partindo-se de um olhar sobre os processos sociais e as mediacoes intersubjetivas que formam este campo em suas praticas cotidianas.

    Apesar do foco sobre o arcabouco discursivo dos direitos humanos, este artigo nao tem como objeto seu tratamento conceitual e valorativo. Direitos humanos ocupam aqui uma posicao instrumental de lutas sociais, assim como diversos outros recursos teorico-politicos sao utilizados cotidianamente por movimentos sociais: em um processo em construcao, conflituoso, permanente e sempre provisorio (1). Para este tratamento teorico, sao reunidas referencias interdisciplinares, fazendo convergir as areas do direito, sociologia e ciencia politica.

    Ainda, como aporte metodologico, optou-se pela observacao empirica de um nucleo que manifesta diversas dimensoes aqui problematizadas: o Conselho Estadual de Defesa dos Direitos Humanos do Rio de Janeiro (CEDDH-RJ). E em meio a este espaco publico nao estatal, de participacao social, formado por grupos da sociedade civil e por representacoes do poder publico, para a construcao e acompanhamento da politica estadual de direitos humanos, que sao suscitadas muitas das analises desenvolvidas neste estudo. A abordagem empirica consistiu em observacoes de reunioes do conselho; pesquisa documental sobre as informacoes e materiais produzidos pelo proprio conselho; assim como entrevistas aos conselheiros representantes da sociedade civil, por meio das quais foi possivel colher ricos depoimentos dos atores que compoem e constroem este campo cotidianamente.

    Trata-se, o CEDDH-RJ, de espaco (2) historicamente reivindicado por movimentos de direitos humanos e que se constitui, ele proprio, como espaco institucional com potencial de abertura de novas frentes de lutas sociais. Como arena institucionalizada--ou melhor, em processo de institucionalizacao, tendo em vista sua recente formacao--o CEDDH-RJ representa a oportunidade de retomada de um debate ja amplamente explorado pela ciencia politica e juridica, mas a partir de diferenciada abordagem teorica que prioriza um olhar sobre os processos sociais que permeiam o mundo institucional e o orientam cotidianamente. Assim, novas percepcoes sao levantadas, na medida em que se tornam cada vez mais explicitas as dinamicas sociais, frequentemente obliteradas pelas estruturas e procedimentos formais do mundo institucional.

    Este artigo esta dividido em tres partes centrais. Inicialmente, desde um ponto de vista de teorias criticas do direito, dedica-se um esforco teoricoconceitual para situar o objeto da pesquisa em um debate sobre direitos humanos e movimentos sociais. Trata-se de um debate fortemente marcado pela orientacao epistemica de autores como Neil Stammers (2009), Costas Douzinas (2009) e Boaventura de Sousa Santos (1990; 2002), segundo os quais a construcao historica dos direitos humanos, compreendida fora dos marcos do institucionalismo, esta estreitamente relacionada com a atuacao de movimentos sociais e, portanto, se consolida como processo continuo de transformacoes sociais. Seguindo esta premissa, discutem-se os termos em que o conceito de "paradoxos da institucionalizacao" estabelece desdobramentos problematicos sobre a atuacao politica e militante.

    Em seguida, problematiza-se esta questao a partir do contexto politico especifico que constitui as bases em que a unidade de observacao empirica desta pesquisa--o CEDDH-RJ--se situa, buscando contribuir para este debate no campo das ciencias sociais. Recorre-se a um retrospecto breve sobre o processo de institucionalizacao do discurso da participacao politica no Brasil, desde o periodo Constituinte de 1988, pos ditadura civil-militar, na figura do que se convencionou chamar de "participacao social". Assim, utilizam-se como referencia, principalmente, cientistas politicos e sociais brasileiros como: Maria da Gloria Gohn (2012), Leonardo Avritzer (2002; 2008), Emir Sader (2002), Evelina Dagnino (2002), Leilah Landim (2002), dentre outros.

    Por fim, desenvolvem-se analises, subsidiadas pelas narrativas colhidas em campo--mediante a observacao e as entrevistas a integrantes do CEDDH-RJ--que ilustram e informam o debate sobre os paradoxos da institucionalizacao, desde uma perspectiva dos atores situados no nucleo desta dinamica social. Sao especialmente exploradas suas percepcoes sobre os limites da atuacao engajada no contexto conselhista e os impactos deste sobre suas praticas militantes, retomando alguns dos argumentos teoricos discutidos anteriormente.

    Nos apontamentos finais, encaminham-se aprofundamentos sobre o contexto atualmente apontado como de crise de representacao e de institucionalidade no campo juridico-politico, sugerindo algumas reflexoes sobre novos formatos de mobilizacao politica hoje globalmente em experimentacoes.

  2. Lutas Sociais e a Construcao Cotidiana dos Movimentos de Direitos Humanos

    Na literatura juridica tradicional, a historia dos "direitos humanos" e pautada com enfase no estudo de seus marcos normativos e institucionais. Sao os processos institucionais, associados a pontuais destaques a personagens notaveis, que expressam os fluxos de sua construcao na medida em que positivam direitos na ordem juridica. Com isso, prevalecem analises deste campo a partir dos sistemas juridicos e sob a otica de suas estruturas institucionais. Esta abordagem transmite uma concepcao formalista sobre o direito, centrada na producao estatal, em desatencao aos processos sociais que condicionam e determinam sua institucionalizacao. A orientacao teorico-epistemica adotada neste estudo, entretanto, parte de um olhar sobre o mundo juridico a partir de dinamicas sociais, de esfera micro, que cotidianamente criam e reproduzem (3) o direito em fluxos "de baixo para cima" A partir de referenciais teoricos do pensamento critico no direito e suas intersecoes interdisciplinares--em especial Neils Stammers (2009), Costas Douzinas (2009) e Boaventura de Sousa Santos (2002)--desenvolvese uma investigacao sobre o campo juridico que atente para suas mediacoes, processos e interacoes entre atores sociais tradicionalmente nao retratados neste cenario pelo proprio direito, como area do saber.

    O que se quer enfatizar aqui sao os processos resultantes do "mundo cotidiano", isto e, o ambito da vida cotidiana que impacta, orienta ou mesmo constroi o "mundo institucional" (4). Ha uma serie de atores sociais, individuais e coletivos, que participam cotidianamente das construcoes eventualmente consolidadas e sedimentadas pelas instituicoes formais e, em muitos casos, a determinam. Sao atores militantes, individuais e coletivos, que fazem uso dos discursos e praticas dos direitos humanos em suas lutas por justica, dignidade, igualdade, etc. Assim, o direito e aqui concebido enquanto um processo resultante de lutas sociais, como uma dimensao de processo social previo ao mundo institucional. O ponto central de analise parte da compreensao de que as construcoes institucionais se dao a partir de processos e conflitos sociais, movidos por atores sociais, devendo sob esta otica serem analisadas. Por isso, e priorizada uma "perspectiva nao-institucionalista" ou uma "abordagem processual sobre o instituido" E e precisamente buscando estabelecer uma analise sobre o campo dos direitos humanos em suas construcoes cotidianas, que se adota neste estudo um olhar processual.

    Sob esta otica, Neil Stammers (2009) defende que o desenvolvimento historico dos direitos humanos precisa ser compreendido e analisado no contexto de lutas de movimentos sociais. Para o autor, a transformacao social e entendida como resultante de "sucessivos movimentos contingentes" alcances sistematicos, determinados potencialmente tanto por atores sociais, com sua praxis social criativa, quanto por estruturas institucionais. Esta proposicao imprescinde de uma combinacao do olhar macro e do micro. Tanto atores individuais e coletivos quanto estruturas sociais tem "agencia" em potencial, isto e, a capacidade de influenciar processos sociais. Neste sentido e que Stammers amplia as possibilidades analiticas dos direitos humanos ao sugerir a consideracao de suas expressoes nao-institucionalizadas ou pre-institucionalizadas e suas relacoes com as formas institucionalizadas. Foca-se aqui na esfera de pessoas comuns, em suas praticas cotidianas, contribuindo com os processos de transformacao historica e social do mundo institucional. Partindo desta perspectiva, o autor se propoe a reexaminar a natureza do "social" e suas possibilidades de transformacao, a partir da reflexao sobre uma forma particular de "agencia" (ou potencia) nos processos historicos, isto e "a agencia coletiva de movimentos sociais" (STAMMERS, 2009, p. 38).

    Com este escopo, o papel desempenhado por estes movimentos sociais na reconstrucao do entendimento sobre os direitos humanos se revela um ponto crucial. Como referencias valorativas e normativas, seu uso pode ser instrumentalizado por diferentes grupos e movimentos em suas lutas. E neste sentido que tambem Boaventura de Sousa Santos (2003) situa os direitos humanos como praticas sociais emancipatorias que demandam radicalismos. Ainda que questionando suas potencialidades emancipatorias contemporaneamente, como sugere Costas Douzinas (2009), direitos humanos sao tratados neste estudo como instrumento...

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