The dilemma of the Brazilian constitutional thinking: tupi or not tupi/ O dilema do pensamento constitucional brasileiro: tupi or not tupi.

AutorPereira, Wingler Alves

Introducao

Nas ultimas decadas, o estudo do pensamento politico-social brasileiro apresentou uma expansao significativa nas ciencias sociais e na ciencia politica. A literatura especifica indica que essa ampliacao pode ser medida tanto pelo aumento expressivo do numero de dissertacoes e teses defendidas nos programas de pos-graduacao quanto pelo crescimento do numero de artigos destinados ao tema, bem como pelos trabalhos apresentados nos congressos da Associacao Nacional de Pos-Graduacao em Ciencias Sociais, da Associacao Brasileira de Ciencia Politica e da Sociedade Brasileira de Sociologia (LYNCH, 2013: 727).

Em um apanhado historico, sao diversos os estudos, produzidos em varias epocas, que tiveram o objetivo de entender as ideias que orientaram, e ainda orientam o imaginario dos intelectuais brasileiros. Desde a Primeira Republica (1889-1930), pelo menos, o estudo do pensamento brasileiro foi, e ainda e, objeto de analise de notaveis estudiosos, como, por exemplo, Oliveira Vianna (1922; 1927; 1999), Alberto Guerreiro Ramos (1957; 1960; 1996), Roberto Mangabeira Unger (2004; 2011; 2015) e Jesse Souza (2015). Em artigo que discute, entre outras coisas, a "consolidacao do mito da brasilidade nas ciencias sociais", Jesse Souza aponta (2006, p. 105) a nota pragmatica deste tipo de analise, tendo em vista que:

As concepcoes dos intelectuais [...], quer tenhamos consciencia disso ou nao, sao centrais para a forma como uma sociedade escolhe e leva a cabo seus projetos coletivos. Essas concepcoes sao apenas "ideias", mas sao elas que explicam por que o mundo material e economico visivel e palpavel se construiu dessa forma e nao de outra forma qualquer. No estudo do imaginario politico e social brasileiro ha a linha especifica relacionada a analise do pensamento do intelectual periferico. Esta vertente busca estudar a consciencia que estes pensadores fazem da sua propria realidade, dos seus problemas, em dialogo com o que e pensado nos paises "desenvolvidos". A questao central deste tipo de estudo consiste em discernir se o intelectual da periferia busca solucoes para os problemas de seu pais a partir de sua propria historia, de sua sociedade de passado colonial, ou se suas ideias sao aqui transplantadas do mundo "civilizado" sem um confronto com as circunstancias particulares de seu meio.

Este trabalho busca trazer esta problematica para o campo do direito, mais especificamente por meio do diagnostico do pensamento constitucional brasileiro contemporaneo. Assim, haja vista o problema delimitado quanto ao modo de pensar no mundo periferico, o marco teorico da pesquisa e centrado (i) na ideia do imaginario colonial dominante no pensamento politico e social brasileiro, como sugerem os estudos do sociologo e politico Alberto Guerreiro Ramos (1957; 1960; 1983; 1995; 1996), e (ii) nas pesquisas mais recentes sobre este mesmo assunto realizadas pelo jurista e cientista politico Christian Lynch (2013; 2015).

Assim, o objetivo geral do trabalho consiste em compreender qual e o imaginario constitucional brasileiro dominante na atualidade, e mais especificamente se este imaginario e autentico ou apenas uma imitacao de ideias importadas de paises usualmente considerados mais avancados e modernos, localizados no Atlantico Norte. O trabalho almeja, portanto, entender a situacao do pensamento constitucional dominante na intelectualidade juridica do pais. Nesse passo, o trabalho busca responder a seguinte questao: o pensamento constitucional da intelectualidade brasileira e orientado por uma concepcao alienada da sua propria realidade? Nessa parte, pretendese avaliar se esse ideal de constitucionalismo e pautado por uma logica colonial, de acordo com o marco teorico adotado, inclusive no que diz respeito ao conceito de "alienacao".

Dada a amplitude desse imaginario, o objetivo especifico do trabalho consiste em analisar o pensamento constitucional no ensino da graduacao em direito. A escolha do ensino juridico para a analise do imaginario constitucional brasileiro decorre, em primeiro lugar, dos estudos que apontam a relacao existente entre esse ensino e as elites intelectuais do pais, como afirmam Alberto Venancio Filho (1977), Sergio Miceli (1979), Sergio Adorno (1988) e Aurelio Wander Bastos (2000), por exemplo. Em segundo lugar, porque a genese do pensamento da intelectualidade juridica remonta ao conhecimento adquirido na graduacao. E por fim, em razao da necessidade de iniciativas modernizadoras nessa area, pois ate o momento elas tem se restringido a posgraduacao, especializacao ou aperfeicoamento (BASTOS, 2000: 346). Nao e novidade que o ensino juridico vindica reformas desde longa data, tendo em vista ser marcado, ainda nos dias atuais, pelo dogmatismo e pela falta de interdisciplinaridade com as areas afins ao direito (SANTOS, 2002: 277).

Do universo do ensino juridico da graduacao, a pesquisa considera especificamente a materia do direito constitucional que tem a capacidade de ao mesmo tempo vislumbrar ideologias e imaginar instituicoes politicas e juridicas: a teoria constitucional, tomada como o estudo dos paradigmas que definem o conceito de constituicao, isto e, a explicacao da essencia do seu ser. Alem disso, a teoria da constituicao e um dos pontos do direito constitucional mais ligados as ciencias afins ao direito, e que permite, portanto, testar a hipotese da pesquisa de que a imaginacao dominante no constitucionalismo brasileiro e pautada por uma logica colonial. A logica de "paradigma", por sua vez, e vista nesta pesquisa pelo pressuposto teorico relacionado a necessidade das revolucoes cientificas, com a substituicao e quebra de paradigmas anteriores por novos (KUHN, 2011: 125-130).

Ainda quanto ao seu objetivo especifico, a pesquisa busca investigar (i) quais sao os constitucionalistas que figuram como paradigmaticos da teoria constitucional nos livros mais utilizados pelos cursos de direito, (ii) se eles sao brasileiros ou sao estrangeiros, (iii) se fazem parte da historia e da politica brasileira ou da historia e da politica de outros paises, (iv) se a producao teorica nacional e adotada como teoria da constituicao, (v) se ha privilegio de teorias alienigenas, e (vi) qual a relacao entre a teoria constitucional brasileira e estrangeira.

No aspecto metodologico, para a analise do pensamento constitucional brasileiro, e mais especificamente para a investigacao do imaginario da teoria constitucional presente no ensino juridico, o trabalho utiliza fontes primarias, de abordagem direta deste pesquisador, em um procedimento de coleta de dados e de analise de conteudo das obras de direito constitucional utilizadas nos principais cursos de direito do pais. Haja vista o espaco disponivel para seu desenvolvimento, o trabalho adota metodos nao apenas quantitativos, mas tambem qualitativos para a selecao dos objetos de estudo.

Neste quesito, a pesquisa desenvolve uma investigacao metodologica de tipo juridico-diagnostico (GUSTIN; DIAS, 2010: 37), pois compreende o levantamento das obras de direito constitucional mais utilizadas pelos cursos juridicos mais conceituados do pais, segundo a Ordem dos Advogados do Brasil (OAB), com o proposito de desenvolver o objetivo especifico do trabalho, consistente, como antes visto, em analisar o pensamento constitucional no ensino da graduacao em direito. Dada a extensao das caracteristicas metodologicas da pesquisa, todos os detalhes sobre a bibliografia analisada estao descritos na segunda parte deste artigo, logo apos a exposicao do referencial teorico adotado.

Alem disso, e como decorrencia do marco teorico abracado, a pesquisa adota a vertente metodologica juridico-sociologica, pois se propoe a compreender o fenomeno constitucional em um ambiente social mais amplo, e por analisar o direito como variavel dependente da sociedade (GUSTIN; DIAS, 2010: 22). O trabalho desenvolve, assim, por meio do metodo dialetico, uma pesquisa interdisciplinar do tema, orientanda por um raciocinio nao so juridico, mas tambem politico e social, considerados essenciais para uma abordagem constitucional nao dogmatica.

O artigo esta divido em tres partes. Em primeiro plano, o trabalho apresenta o marco teorico adotado sobre o imaginario colonial dominante no pensamento politico e social brasileiro, sobretudo com base nos estudos de Alberto Guerreiro Ramos (1957; 1960; 1983; 1995; 1996) e Christian Lynch (2013; 2015). A partir deste marco teorico, e a fim de trazer essa problematica para o campo do pensamento constitucional brasileiro, na segunda parte do trabalho sao detalhados os metodos para a coleta das obras de direito constitucional mais utilizadas pelos cursos de direito selecionados pela pesquisa. A analise de conteudo destas obras e descrita na parte subsequente, e ultima, do artigo. Assim, em seu terceiro e derradeiro momento, o artigo analisa os referenciais teoricos de cada obra selecionada quanto a teoria constitucional, com o intuito de compreender quais sao os paradigmas dominantes nessa area. Ainda nesta parte, o trabalho aponta as relacoes entre o imaginario constitucional brasileiro e as ideias que permeiam o pensamento politico e social no pais, com o fito de verificar se o paradigma dominante no constitucionalismo brasileiro e pautado por uma logica colonial, como sugere a hipotese desta pesquisa.

  1. Uma explicacao da tendencia a copia

    A ideia de um imaginario colonial no pensamento politico-social brasileiro remonta de longa data. A inclinacao a copia e apontada como uma caracteristica da intelectualidade brasileira desde pelo menos o seculo XIX, como ja afirmava Joaquim Nabuco (1900: 42), ao dizer que "o sentimento em nos e brasileiro, a imaginacao europea". O mesmo cenario foi pintado por Sergio Buarque de Holanda (2014: 31) em Raizes do Brasil, ao sublinhar que:

    A tentativa de implantacao da cultura europeia em extenso territorio, dotado de condicoes naturais, se nao adversas, largamente estranhas a sua tradicao milenar, e, nas origens da sociedade brasileira...

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