The Critical Criminology in Brazil and the critical studies of whiteness/ A Criminologia Critica no Brasil e os estudos criticos sobre branquidade.

Autorde Mello Prando, Camila Cardoso

Introducao (1)

As mudancas da populacao universitaria produzidas pelas politicas sociais e de cotas, que garantiram um maior acesso de negros e indigenas, tem provocado importantes questionamentos a producao academica tradicional, desacostumada a ser desconfortada por outros lugares e perspectivas (SILVA; BACKES, 2015; CARVALHO, 2005-2006).

A producao da Criminologia Critica, nesse contexto, tem sido interpelada em razao da ausencia da tematizacao da questao racial ou do uso equivocado da categoria raca em suas analises sobre o controle penal.

Em continuidade ao desenvolvimento do tema no artigo "Fluxo e apropriacao: a codificacao racial nos escritos da Criminologia Positiva e da Criminologia Critica" (2015) produzido em co-autoria com o colega Evandro Piza, este ensaio tem como objetivo explorar os estudos criticos sobre a branquidade como ferramenta para investigar o campo da Criminologia Critica no Brasil e para incorporar o debate sobre relacoes raciais. Para tanto, aponto dois recortes teorico-metodologicos para os estudos a serem desenvolvidos: a) o impacto epistemico dos posicionamentos situados na producao da Criminologia, b) o uso da branquidade como categoria de normatizacao e racializacao das relacoes sociais e da producao cientifica. Por fim, apresento algumas possibilidades de analise do corpus empirico dos textos criminologicos.

  1. A questao racial na Criminologia Critica

    No II Encontro Brasileiro de Criminologia realizado em Vitoria, em julho de 2015, escrevi em parceria com Evandro um ensaio que tinha como objetivo lancar perguntas ao campo da Criminologia Positiva e da Criminologia Critica no Brasil (PRANDO; DUARTE, 2015). Desde a perspectiva de uma radical historicizacao desses saberes, apontamos para a codificacao racial inferiorizante organizada pela Criminologia Positiva e para o silenciamento da questao racial na producao da Criminologia Critica no Brasil nos anos 1970 e 1980.

    O ensaio foi finalizado com a seguinte pergunta:

    haveria como nos lancarmos a pensar, no processo da critica criminologica, a producao de um saber da periferia da periferia? Queremos dizer, ha outras institucionalidades a serem mobilizadas na producao do saber criminologico, outras gramaticas a serem incorporadas no processo do saber sobre o controle penal, outros grupos, outras condicoes de escuta a serem demarcadas no registro de poder e verdade do nosso saber? (PRANDO, DUARTE, 2015)

    Em 2016, no III Encontro Brasileiro de Criminologia, realizado em Salvador, em maio de 2016, me comprometi em me demorar nas perguntas lancadas ha um ano. A pesquisa, agora apresentada, dirigiu-se a interpelar as gramaticas raciais (BONILLASILVA, 2012) produzidas pela Criminologia Critica.

    Segundo Bonilla-Silva, gramatica racial pode ser entendida como parte do regime de poder racial, cuja funcao e tornar a dominacao praticamente invisivel. Para ele (2012,p. 174),

    a gramatica racial ajuda a compreender esta questao definindo em diversos modos como se ve ou nao se ve a raca nos fenomenos sociais, como nos enquadramos questoes consideradas ou nao relacionadas a raca, e ate mesmo como nos nos sentimos a respeito das questoes raciais. O termo "gramatica" e usado de emprestimo do campo linguistico como uma metafora conceitual, pois nao reproduz as condicoes de possibilidade das regras gramaticais. Mas representa as articulacoes diarias das transacoes e interacoes sociais que modelam modos de ver e compreender a questao racial tornando o correspondente regime de poder invisivel. E como parte dessas articulacoes hegemonicas, conflitos e disputas tencionam a gramatica dominante (BONILLA-SILVA, 2012).

    Na Criminologia Positiva, como explorado na pesquisa pioneira de mestrado de Evandro Piza Duarte (DUARTE, 2002), a gramatica racial apareceu nos escritos de fins do seculo XIX e inicio do seculo XX em forma de uma codificacao para classificar e hierarquizar negros e indigenas em razao de sua inferioridade. No que denomino de primeira onda da apropriacao da Criminologia Critica no Brasil, em 1970 (SANTOS, 1981; MARTINS, 2015; PRANDO, 2016), a gramatica racial se organizou por meio de nao-ditos, diluindo a questao racial na categoria de lutas de classe, que foi, por sua vez, apropriada pelo padrao retorico de cientificidade do campo dos juristas (PRANDO, 2013).

    A abstracao estratosferica de categorias que deveriam estar pautadas num metodo materialista de analise das relacoes concretas de producao e reproducao; o silencio absoluto acerca da categoria raca (a despeito da importante mobilizacao dos Movimento Negro Unificado a epoca) nas explicacoes do sistema penal. Essas sao pistas da apropriacao muito particular do debate critico criminologico por parte de uma institucionalidade de poder academica e branca no Brasil. (PRANDO; DUARTE, 2015).

    No que denomino de segunda onda da apropriacao da Criminologia Critica no Brasil, em um periodo subsequente (1980-2000), as pesquisas do campo se aproximaram mais do debate latino-americano, por meio das traducoes de obras seminais para o portugues de autores latino-americanos (CASTRO, 1983; ZAFFARONI, 1991; BARATTA (2), 1999 (3)); e por meio, especialmente, das leituras e dialogos de autoras nacionais, como Vera Andrade (1994; 1997), com Zaffaroni (1988; 1991) , Lola Anyiar de Castro (1983), Rosa Del Olmo (1981) e Baratta (1982; 1986; 1999) , que embora de nacionalidade italiana, fez muitas conexoes com as discussoes latino-americanas. Parte das investigacoes incorporaram categorias como periferia e poder colonial. A questao racial comecou a ser abordada, embora ainda de modo bastante marginal. E os debates de genero foram apropriados com mais intensidade (ZAFFARONI, 1992, 2000; ANDRADE, 1996, 1997a, 1997b, 1997c, 1998, 1999; BARATTA, 1999).

    Na terceira onda (fins de 1990-atual) as questoes de genero e raca passaram a ser mais tematizadas (CAMPOS, 1998,1999; ANDRADE, 2003,2004), explicadas como variaveis da seletividade em conjunto com os marcadores de classe social. Ainda assim, as analises produzidas tem sido confrontadas (FLAUZINA, 2008; DUARTE, 2002) por sua limitacao em incorporar o debate sobre as relacoes raciais ao campo.

    O trabalho pioneiro de Ana Flauzina (2008) e responsavel por trazer a tona uma analise estrutural sobre a questao racial no processo de criminalizacao e na producao da Criminologia Critica. A categoria raca e usada, segundo a autora, como mais uma variavel de explicacao do processo de seletividade do controle penal, sem o seu reconhecimento como elemento estruturante do funcionamento do...

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