The crisis of capitalism, neoconservatism and social work in Brazil: notes for debate/Crise do capital, neoconservadorismo e Servico Social no Brasil: apontamentos para o debate.

Autorda Silva, Jose Fernando Siqueira
CargoReport
  1. Observacoes iniciais: situando o debate

    Debater a insercao profissional dos assistentes sociais nos espacos socio-ocupacionais propiciados pelo capitalismo na sua fase madura e de grande relevancia a area de Servico Social. Mais do que simplesmente descrever ou destacar experiencias pontuais vivenciadas por assistentes sociais em tempos "neoliberais", trata-se de perquirir a trama que constitui o trabalho profissional (1) no campo particular do Servico Social, tecida em uma fase determinada do capitalismo monopolista, inspirada no padrao toyotista de organizacao/racionalizacao da forca de trabalho, potencializada pela intensa financeirizacao (HARVEY, 2011; CHESNAIS, 1996; IAMAMOTO, 2007). No caso brasileiro e latino-americano, e preciso considerar o traco hipertardio e dependente que marcou todos os paises que objetivaram suas revolucoes burguesas--certamente com particularidades nada despreziveis--ja sob as condicoes do seculo XX (FERNANDES, 1987; 2009). Sem essas importantes observacoes, o termo "neoliberal" se perde na abstracao, como um "jargao que responde a tudo" (ou quase tudo), e se mostra incapaz de destacar as particularidades do capitalismo de monopolios nas ultimas tres decadas do seculo XX.

    Impensavel sem o capitalismo a partir de sua fase monopolica e fundado no campo contraditorio de lutas entre capital e trabalho, o Servico Social tem sua genese como profissao atrelada as multiplas estrategias materialmente tecidas para a gestao do pauperismo. Foi a partir desse contexto que esta profissao nasceu, institucionalizou-se, consolidou-se no mercado de trabalho e vem se reatualizando, teorica e praticamente, seja para modernizar o legado conservador ou, ao contrario, com todos os limites objetivamente dados, questiona-lo. As lutas travadas durante o processo de reconceituacao latino-americano (1965-1975--nao exatamente), de renovacao do Servico Social brasileiro (especialmente no que foi denominado por Netto--1991 como "intencao de ruptura"), as duas ultimas revisoes do Codigo de Etica Profissional realizadas nos anos 1980 e 1990, as inumeras lutas sociais a que se vincularam os assistentes sociais nas ultimas decadas e as discussoes sobre o que vem sendo denominado Projeto Etico-Politico Profissional (como direcao social estrategica) reafirmaram o legado critico no ambito particular do Servico Social brasileiro.

    Ha, todavia, nos dias atuais, a necessidade de clarear o sentido dessa direcao social construida no debate profissional, perspectiva esta certamente comprometida com niveis crescentes de emancipacao social. Ao contrario de desqualificar tal orientacao, reconhecer a necessidade de explica-la nas condicoes atuais tem o exato sentido de trazer a tona problemas materiais-concretos para afirma-la como direcao social possivel e valida nos dias atuais. Essas tensoes sao inseridas e inseparaveis da crise estrutural do capital, da insustentabilidade do capitalismo como ordem social necessaria a sua producao e reproducao ampliada (MESZAROS, 2002). Isso tem se expressado significativamente nas tendencias teorico-metodologicas em curso no Servico Social brasileiro e influenciado no trabalho profissional.

    O que se discute aqui, entao, e que tal direcao social critico-estrategica vem sendo impactada por condicoes objetivas adversas, bem como esta articulada ao entendimento que os assistentes sociais estao formando sobre os principios e as categorias sociais contidos nesse "projeto", que dao vida e conteudo teorico-pratico, etico-politico e tecnico-instrumental a ele: cidadania, emancipacao, liberdade, democracia, justica e equidade social--(por exemplo). Em outras palavras, a apreensao equivocada acerca dessa direcao social e de seus principios, em um momento historico mais favoravel as imposicoes do capital ao trabalho, nao apenas poe em cheque a sua proposta como tambem a quebra medularmente ao acomoda-la e dociliza-la aos limites da propriedade privada.

    Afirmar esse Projeto Etico-Politico Profissional hoje supoe, necessariamente, radicalizar (no sentido marxiano--MARX, 2005) a explicacao desses principios e categorias como direcao organicamente vinculada a projetos societarios amplos, capazes de organizar formas de resistencia e fomentar alternativas de defesa do ponto de vista do trabalho util, concreto, genuinamente humano e potencializador da emancipacao humana (MARX, 2009). Isso supoe, ao mesmo tempo, a adocao de alternativas que articulem esses principios a esfera particular do Servico Social como profissao, com seus limites objetivos como tais, o que nao deve significar, em hipotese alguma, uma imposicao de "tarefas" que nao podem ser realizadas pelo Servico Social e por qualquer outra profissao, mas que, por outro lado, devem iluminar a praxis profissional como referencia geral. Ora, tais principios, tambem situados no campo da emancipacao politica, tem se mostrado insustentaveis sob o mando da sociabilidade burguesa madura, regido pela propriedade privada, reduzindo e eliminando brutalmente direitos.

    Reafirmar na atualidade o Projeto Etico-politico Profissional elaborado nos anos 1990 e a predominancia hegemonica de perspectivas progressistas no Servico Social brasileiro exigem, hoje, tres desafios importantes e indissociaveis entre si:

  2. a critica radical ao capital e a sociedade que permite a sua perpetuacao: o capitalismo;

  3. a necessaria explicacao dos principios que orientam essa direcao social, bem como o debate com as expressoes (neo)conservadoras que tem revisitado o Servico Social;

  4. os desafios atuais que se apresentam a profissao e o vinculo disto com a direcao social empreendida.

    Ousemos tecer alguns comentarios nessa direcao.

  5. Sociedade do capital, reproducao do pauperismo e pensamento conservador

    A sociedade burguesa, ou seja, aquela organizacao societaria que permite a acumulacao continua e ampliada do capital, o capitalismo, "aparece como uma 'imensa colecao de mercadorias' e a mercadoria individual como sua forma elementar." (MARX, 1983, p. 45 grifo nosso). A maneira como imediatamente a ordem do capital se apresenta e, como nos alertou Marx (1983), apenas sua aparicao inicial, ja que o capital e relacao social, embora apareca como relacao entre coisas, entre objetos. Todavia, como componente da totalidade social, as formas imediato-fenomenicas nao sao desnecessarias, descartaveis, mas absolutamente insuprimiveis como ponto de partida que permite deslumbrar a sua trama interna, o nao imediatamente revelado (LUKACS, 1978; 2010; 2012).

    Qualquer produto do trabalho humano se objetiva-exterioriza (se aliena) do produtor, adquire vida propria ao materializar-se. O produto na forma mercadoria, isto e, aquele produzido sob o mando do capital, nao apenas se aliena (se exterioriza), mas--e ao mesmo tempo--se estranha em relacao a seu produtor, nao pertence aos trabalhadores que o produziram. Estes, ao entregarem a producao a quem comprou a sua forca de trabalho, por meio de uma relacao contratual assalariada, os donos dos meios de producao e do capital, tem suas energias criativas drenadas por um processo que produz mercadorias. Portanto, submete o valor de uso ao valor de troca, realiza o primeiro somente por meio do segundo, viabiliza carencias e necessidades por meio da troca mediada pelo equivalente geral: o dinheiro (a unica mercadoria que nao se compra ou se vende--MARX, 1983, p 53-70).

    Mais do que isso, o salario (o valor que se paga pela compra da forca de trabalho com o proprio trabalho realizado pelo trabalhador) nao corresponde ao valor do trabalho de fato realizado, mas ao valor medio para que a forca de trabalho se reproduza como tal. Tal processo, portanto, gera um excedente que e apropriado pelos donos dos meios de producao, a mais-valia, seja pela simples extensao das horas trabalhadas (mais-valia absoluta) ou pela permanente insercao de tecnologias que intensifica o trabalho (mais-valia relativa) sem, necessariamente, aumentar as horas trabalhadas. Ao fazer isso, o trabalhador-produtor se aliena-estranha por inteiro, em suas relacoes sociais, entrega seu trabalho como forca humanizadora, criativa e util, potencializadora de valores de uso, a um processo produtivo geral comandado pelo capital como producao universal de mercadorias (MARX, 1983, p. 154). Capital que "e trabalho morto, que apenas se reanima, a maneira dos vampiros, chupando trabalho vivo e que vive tanto mais trabalho vivo chupa." (MARX, 1983, p. 189 grifo nosso).

    Essas caracteristicas sustentam a analise critico-dialetica que Marx (1983) elabora acerca da economia politica burguesa nas condicoes objetivas da segunda metade do seculo XIX, necessariamente fundada em um co nhecimento guiado pela razao ontologica. Ou seja, por uma perspectiva que produz conhecimentos a partir da unidade-diversa entre duas dimensoes bem definidas, diferentes, mas articuladas entre si: a dimensao gnosiologica, isto e, da razao intencionalmente orientada a conhecer o desconhecido materialmente posto; e a dimensao ontologica, ou seja, aquela que diz respeito a dimensao material da vida humana-social, vinculada a producao e reproducao de seres sociais reais (LUKACS, 2012). Esse processo de reconstrucao de complexos sociais reais e tecido sob o ponto de vista da categoria da totalidade em que a singularidade e seu componente inicial, aparente, incapaz de revelar a trama que o compoe. Todavia, o singular e rico em determinacoes (nunca imediatamente reveladas), parte da totalidade social, expressao de processos universais que se objetivam nas realidades com particularidades ricas em mediacoes, em conexoes reais-intelectivas que revelam sua trama interna mediata. Todo esse processo, composto pela dialetica da singularidade, da universalidade e da particularidade (inteligiveis e inseparaveis entre si), compoe a totalidade como categoria necessaria para a explicacao do real e de seu movimento material (proprio e real--independentemente das mentes humanas pensantes). Destaca Lukacs (2012, p. 243; 297), ao apontar os...

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