The counter-reformation of the State in the neostructuralist ideology of ECLAC/ A contrarreforma do Estado na ideologia neoestruturalista da Cepal.

AutorBurginski, Vanda Micheli

Introducao

Historicamente, a Comissao Economica para a America Latina e o Caribe (Cepal) ficou conhecida pela sua abordagem estruturalista classica antiliberalizacao, com vistas a proteger as economias latino-americanas da vulnerabilidade externa. Nessa concepcao, a deterioracao dos termos de troca era a principal causa da rigidez estrutural, demarcada por uma divisao internacional do trabalho, em que a dinamica do comercio exterior nao permitia promover uma transformacao substancial, causando a dependencia. O Estado deveria ter um papel central ao proteger a industria nacional, em alguns casos substituindo os processos do mercado, estabelecendo padroes de protecao e regulacao social.

Entretanto, nesse periodo prevalecia, mundialmente, o pacto keynesiano-fordista, no qual os Estados tinham em comum estrategias que deveriam se concentrar no crescimento economico, no pleno emprego e em direitos sociais publicos e universais, em um cenario de forte mobilizacao da classe trabalhadora que trouxe a cena politica outras possibilidades societarias, para alem do capitalismo.

Se, no processo de transformacoes societarias do pos-1945 foi possivel identificar um amplo debate em torno das concepcoes de desenvolvimento que colocou a Cepal enquanto alternativa a ortodoxia, nos tempos atuais assiste-se a um retrocesso sem precedentes. Nos anos 1990, a comissao passa a revisar o pensamento estruturalista, surgindo a partir de entao o neoestruturalismo. O que se pretende abordar e que a ideologia neoestruturalista da Cepal abandona as perspectivas criticas e se aproxima das contrarreformas neoliberais, que pretendem refuncionalizar o Estado para viabilizar as transformacoes sociais em curso.

Deve-se ressaltar que nao pretende recorrer a uma analise do conceito marxiano e marxista do desenvolvimento; entretanto, e a partir do referencial marxista que se propoe a estabelecer uma critica da ideologia neoestruturalista, localizando esse reposicionamento ideologico sobre o desenvolvimento, a partir das transformacoes societarias trazidas pela crise estrutural do capital de final dos anos 1960. Assim, essa reflexao parte da perspectiva de que as propostas e programas de desenvolvimento sintonizados com as "saidas" capitalistas para a crise nao se constituem em alternativa perante as contrarreformas regressivas e destrutivas do capital, o que coloca a defesa de direitos sociais amplos e universais na agenda de luta anticapitalista.

  1. O pensamento estruturalista da Cepal classica (1950-1960)

    E preciso esclarecer que nao se pretende realizar um trabalho sobre a historia da Cepal, ja que ha importantes estudos dedicados a essa tarefa (BIELSCHOWSKY, 2000; RODRIGUES, 2009; VITAGLIANO, 2004). Pretende-se, porem, abordar alguns elementos que caracterizaram o pensamento estruturalista dos anos 1950-1960, de cariz reformista, no sentido de apontar o esgotamento das possibilidades civilizatorias do "reformismo" para os tempos atuais.

    As teorias do desenvolvimento comecaram a tomar forma e fomentaram a grande discussao a partir de 1945. O desenvolvimentismo se relacionava ao destino de praticamente todos os paises: tanto os arrasados pela guerra, quanto os paises da Asia e da Africa, que se tornaram politicamente independentes ou estavam em processo de libertacao. Alem disso, tambem se referia aos paises dependentes economicamente, como os da America Latina e o Caribe. Nesse periodo criaram-se comissoes economicas para Africa, Asia e o Extremo Oriente. A Cepal foi criada em 1948 junto a Organizacao das Nacoes Unidas (ONU).

    Em nivel mundial, as criticas ao laissez-faire se sobressaiam devido ao clima de desconfianca da propria burguesia em relacao aos automatismos do mercado. A contestacao dos principios do livre mercado seria impensavel para a burguesia, sem levar em consideracao os efeitos da crise mundial de 1929, a organizacao operaria e a ameaca do "socialismo real" (ainda que se reconhecam suas limitacoes) na entao Uniao Sovietica. Alem disso, os Estados Unidos passaram, entao, a liderar o processo de integracao monopolica dos paises latino-americanos aos seus interesses economicos.

    Fizeram parte da Cepal ou estiveram influenciados por ela (alem de Raul Prebisch, seu principal intelectual) autores de livros classicos da historia economica da regiao, como Celso Furtado e sua Formacao economica do Brasil, Anibal Pinto, no Chile, com Um caso de desarrollo frustrado (1956), e Aldo Ferrer (1979) e sua obra La economia argentina, dentre outros. A Cepal se consolidou enquanto agencia preocupada com diagnosticos e politicas de desenvolvimento economico. A atividade da comissao nao se resumiu a sistematizacao de propostas economicas, antes de tudo, tornouse o centro de debates, planejamento, formacao e divulgacao das ideias desenvolvimentistas.

    Em termos teoricos, a principal contribuicao do pensamento estruturalista da Cepal foi a critica a teoria neoclassica, assentada na hipotese das vantagens comparativas. Essa teoria tem por base que a suposta "otima" distribuicao dos frutos advindos do progresso tecnico se daria atraves da liberalizacao do mercado mundial. A recomendacao e que a periferia deve direcionar seus esforcos em produzir alimentos e materias-primas, enquanto os paises centrais devem se especializar em produtos industriais que concentrem alto padrao tecnologico e de produtividade do trabalho.

    A tese estruturalista da troca desigual sustentava que essa politica macroeconomica aprofundava a desigualdade entre as economias centrais e as perifericas. A saida seria a aceleracao da industrializacao a partir da substituicao de importacoes, com objetivo de agregar melhores precos aos produtos fabricados no pais, aumentar a produtividade do trabalho e, consequentemente, a taxa media de lucro entre as economias nacionais.

    Prevalecia a visao de que o capital estrangeiro aumentava a vulnerabilidade externa e constituia um verdadeiro entrave para o desenvolvimento economico da America Latina. Nas condicoes internacionais do capitalismo monopolista, o desenvolvimento nao aconteceria mediante um processo espontaneo atraves de uma articulacao com o mercado mundial. Era preciso adotar uma politica de desenvolvimento para dentro, tendo o Estado o papel central nesse processo.

    As propostas da Cepal se concentravam na adocao de medidas corretivas, aliadas a uma estrategia economica nacional baseada na mudanca da estrutura produtiva, atraves da industrializacao substitutiva de importacoes para reduzir a vulnerabilidade externa estrutural. Essas propostas assentavamse nas seguintes recomendacoes: a) promover menor dependencia em relacao a exportacao de commodities; b) reduzir as lacunas tecnologicas atraves do sistema nacional de inovacoes; e c) estabelecer limites aos investimentos estrangeiros, restringindo o acesso a determinados setores, e obter incentivos governamentais (GONCALVES, 2012, p. 652).

    O Estado deveria ser o indutor do desenvolvimento no sentido de racionalizar, direcionar e incentivar atividades industriais, seja organizando e planejando a aplicacao de recursos, adotando medidas de protecao a industria local, promovendo a possibilidade de incentivar tecnologias compativeis com o quadro populacional e financeiro; seja, ainda, garantindo os meios necessarios a expansao do capitalismo, mesmo que o Estado fosse o proprio produtor de mercadorias.

    A Cepal tinha uma alternativa de desenvolvimento para a America Latina que contradizia a ortodoxia neoclassica e denunciava a existencia de uma ordem mundial hierarquizada e desfavoravel aos paises subdesenvolvidos (CARCANHOLO, 2008; GONCALVES, 2012; TRASPADINI, 2014). Partia de questoes estruturais para explicar o subdesenvolvimento da America Latina como critica ao colonialismo e ao imperialismo, mas evitava as analises sintonizadas com a luta de classes e projetava que o Estado deveria realizar uma efetiva transicao para a sociedade burguesa, atraves de reformas estruturais e mediante a conciliacao de classes.

    Embora criticasse a articulacao estabelecida entre as economias perifericas e as centrais, a Cepal interpretou a transformacao capitalista a partir de horizontes de analise circunscritos ao capitalismo em si, como destino inexoravel da historia da humanidade. Ao longo de sua trajetoria recebeu inumeras criticas pelo fato de trazer uma concepcao neutra de Estado...

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