The Constitutionalism found on the street--a proposal of decolonization of the Law/O Constitucionalismo achado na rua--uma proposta de decolonizacao do Direito.

Autorde Sousa, Jose Geraldo, Jr.

Introducao

Pensar o constitucionalismo a partir da realidade brasileira demanda tomar em consideracao o seu historico como colonia e os efeitos que isso possui para o seu contexto atual. Em que pese o colonialismo, como pratica de dominio politico institucional entre um Estado em relacao ao outro ter sido superado no caso brasileiro, os seus efeitos historicos ainda sao sentidos como aquilo que tem sido denominado como colonialidades (QUIJANO, 2010, p. 84, nota 1; GROSFOGUEL, 2010, p. 467).

A colonialidade do poder se expressa na universalizacao do modelo de organizacao social do Estado Nacao moderno que possibilitou a expansao do sistema economico capitalista (CHAKRABARTY, 2000, p. 41) na medida em que unificava os territorios em torno de uma unica moeda, uma unica lingua e um unico sistema normativo, propagadas na denominada "identidade nacional", elaborada para facilitar as trocas comerciais e o controle do sistema politico pelas elites dominantes (LACERDA, 2014, p. 57).

O processo de independencia brasileiro nao rompeu com a divisao de poder na estrutura social, ao contrario, garantiu a manutencao do controle da sociedade, dentro de uma logica de colonialidade de ser e de genero, sob o poder das mesmas elites locais, mantendo, desse modo, a estrutura de hierarquizacao social de classe, de raca, de etnia, geracional e capacitista, e de dominio das mulheres dentro de uma estrutura patriarcal heteronormativa.

A identidade nacional, portanto, e um elemento que serve ao controle de grupos sociais que representam uma ameaca a estrutura hegemonica de poder e que, para se manter, produz silenciamentos e massacres de qualquer identidade considerada "diversa" da propagada como a unica possivel. (LACERDA, 2014, p. 57).

A partir da decada de 1980, diversos paises, em especial da America Latina, iniciaram processos de tentativa de rompimento com esse monismo identitario, normalizado pelas leis nacionais, por meio de Constituicoes abertas as diversidades, em especial, as demandas dos movimentos indigenas.

De acordo com Raquel Fajardo (2015, p. 37-38), esse processo teve um primeiro ciclo que foi de 1982 a 1988, composto pelo Canada (1982), pela Guatemala (1985) e pela Nicaragua (1987). O Brasil (1988) tambem integraria esse ciclo, apesar de antecipar o reconhecimento da autodeterminacao dos povos indigenas, algo que posteriormente veio a integrar a Convencao no 169 da OIT de 1989.

Esse primeiro ciclo tem como marco o conceito de multiculturalidade que tem como pressuposto um reconhecimento da presenca de multiplas culturas permitindo que elas convivam numa mesma localidade espacial, porem, sem que tenham relacoes entre si (WALSH, 2009, p. 42). Como explica Catherine Walsh (2009, p. 42), "nesses contextos, o multiculturalismo se entende como um relativismo cultural; isto e, uma separacao ou segregacao entre culturas demarcadas e fechadas sobre si mesmas, sem aspecto relacional".

Desse modo, o multiculturalismo nao rompe com a segregacao cultural, pois apenas garante um ideal de tolerancia e convivencia entre as diversas culturas. A logica da tolerancia nao e suficiente para superar as desigualdades sociais e as inequidades na participacao social de cada grupo, ja que mantem "intactas as estruturas e instituicoes que privilegiam uns em relacao a outros" (WALSH, 2009, p. 43).

O segundo ciclo denominado por Raquel Fajardo (2015, p. 39) de Constitucionalismo Pluralista (1989-2005) inova ao romper com o monismo juridico e reconhecer, nas "autoridades indigenas, suas proprias normas e procedimentos ou seu direito consuetudinario e funcoes jurisdicionais ou de justica". Esse modelo foi adotado pela Colombia (1991), Mexico (1992), Paraguai (1992), Peru (1993), Bolivia (1994), Argentina (1994), Equador (1996 e 1998) e Venezuela (1999).

Esse modelo pluralista teve forte adocao na decada de 1990, especialmente, pelo impulso fornecido por programas de incentivo do Banco Mundial ou do Banco Interamericano de Desenvolvimento e de outras agencias de cooperacao economica internacional, mas que vinham acompanhadas da implementacao das politicas neoliberais por forca do Consenso de Washington.

Esse modelo de pluralidade reconhece que ha uma inter-relacao cultural em situacoes nas quais houve processos de mesticagens onde supostamente diversas culturas conviveriam formando a "totalidade nacional" (WALSH, 2009, p. 44). Assim, apesar de haver uma convivencia entre as culturas isso nao se da de maneira equitativa. As politicas educacionais associadas a esse modelo nao rompem com a concepcao universal de saberes advinda da heranca colonial, mantendo a divisao entre uma "cultura dominante e outra subordinada", ou seja, nao rompe com a colonialidade do saber e com "a mesticagem como discurso de poder" (WALSH, 2009, p. 49).

Desse modo, as politicas advindas do modelo pluralista resultam, no mesmo modo, na ausencia de questionamento das colonialidades que seguem operando "racializando e subalternizando seres, saberes, logicas, praticas e sistemas de vida" (WALSH, 2009, p. 44), ou seja, o seu mero reconhecimento constitucional nao representa avanco.

O terceiro ciclo, denominado de Constitucionalismo Plurinacional, presente nas constituicoes da Bolivia (2006 -2009) e do Equador (2008), se situam dentro do marco da Declaracao das Nacoes Unidas sobre os Direitos dos Povos Indigenas (2006-2007) (FAJARDO, 2015, p. 46).

A diferenca da concepcao da plurinacionalidade e que essa ira se constituir dentro do marco da interculturalidade que, para Catherine Walsh, nao pode ser reduzido "a uma simples mistura, fusao ou combinacao hibrida de elementos, tradicoes, caracteristicas ou praticas culturalmente distintas" (WALSH, 2009, p. 47), pois o que deve ocorrer de fato e um dialogo entre as culturas.

Esse dialogo e tomado dentro de um processo dinamico de distribuicao equitativa, solidaria e de responsabilidades compartilhadas de poder no qual ha a criacao e tensao constante de rompimento com as desigualdades economicas, sociais e politicas. As desigualdades nesse contexto nao seriam ocultadas ou dissimuladas, porem seriam apresentadas de maneira a que se possa lidar e intervir nelas (WALSH, 2009, p. 47).

Na proposta de Catherine Walsh, a interculturalidade deve deixar de ser tratada apenas como um assunto de indigenas ou da populacao negra e ser associada a todos os processos educacionais, juridicos e politicos, isto e, como questoes da sociedade nacional como um todo (WALSH, 2009, p. 52).

A questao que se coloca e que sem a alteracao dos modelos economicos, os paises que adotaram Constituicoes Plurinacionais na atualidade enfrentam limites a sua pratica. Em ambos os paises as politicas desenvolvimentistas adotadas pelos seus governantes se sobrepuseram sobre o interesse dos povos indigenas. Como exemplo, no Equador, em 2009 foi proposto pelo entao presidente Rafael Correa, o projeto de "Lei de Aguas", que transferia o controle dos recursos hidricos para o Estado para priorizar o "abastecimento das empresas de extradicao mineral em detrimento do consumo humano" (LACERDA, 2014, p. 302) e eliminando as formas tradicionais de manejo de agua praticadas por seculos pelas comunidades indigenas. Outro exemplo, em 2011, na Bolivia se iniciou um processo de construcao de uma rodovia, com financiamento do governo brasileiro, que atravessaria a reserva de TIPNIS (Territorio Indigena Parque Nacional Isidoro Secure) sob a justificativa da vantagem ao desenvolvimento economico que a obra traria.

Outro ponto e que o enfoque apenas na diversidade indigena nao abarca todas as demais possiveis identidades presentes num mesmo territorio, por vezes inclusive se sobrepondo sobre outras, como da populacao negra, e tampouco resolve as questoes relativas a estrutura patriarcal heteronormativa do Estado. Como exemplo, ainda hoje em nenhum dos dois paises, Bolivia e Equador, o casamento entre pessoas do mesmo sexo e permitido.

Assim, a colonialidade do poder, do saber, do ser e de genero, nao se altera somente com as producoes normativas constitucionais, visto que se manteve em distintos modelos. Como aponta abaixo Boaventura de Sousa Santos, o maior desafio e romper com a centralidade de poder do Estado, a distincao por meio da nacionalidade fronteirica, o formato universalista, excludente e discriminatorio das normativas estatais, e o grau de violencia permitido para a mao estatal.

O Estado moderno ja passou por distintas ordens constitucionais: Estado liberal, Estado social de direito, Estado colonial ou de ocupacao, Estado sovietico, Estado nazifascista, Estado burocratico-autoritario, Estado desenvolvimentista, Estado de Apartheid, Estado secular, Estado religioso e, o mais recente (talvez tambem o mais velho), Estado de mercado. O que e comum a todos eles e uma concepcao monolitica e centralizadora do poder do Estado, a criacao e controle de fronteiras, a distincao...

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