The constituent process of 1987 and the passage of time: An analysis about a conflict/O processo constituinte de 1987 e a passagem do tempo: Uma analise sobre um conflito.

AutorCosta, Alexandre Bernardino
CargoTexto en portugues - Ensayo

Introducao

A transicao (1) do regime autoritario para o de enunciado democratico no Brasil se iniciou ainda na decada de 70 com a abertura politica realizada pelo proprio regime baseada no lema "distensao politica lenta, gradual e segura" sob o comando de Geisel. Por sua vez, a data de termino desse processo nao e consenso entre os analistas do periodo (ARTURI, 2001). No entanto, nao ha discordancias quanto ao reconhecimento da realizacao da constituinte e da elaboracao da Carta Constitucional de 1988, a chamada "Constituicao Cidada", como um evento importante na transicao brasileira (2). Sendo assim, o estudo desse processo que permitiu a convocacao da constituinte em muito se confunde com a transicao politica e, por isso, nos auxilia a dimensiona-la. Ademais, o papel que hoje damos as Constituicoes permite transformar o processo de construcao de uma ordem constitucional em um instrumento que joga luzes ao cenario politico.

O processo constituinte brasileiro se insere em uma onda constitucional notadamente ocorrida na America Latina entre os paises que sairam dos regimes autoritarios que tomaram conta desse continente (PAIXAO, 2014). No Brasil, apesar do controle militar da transicao, se incluiu nesse processo a modificacao do texto constitucional atraves de uma constituinte, sendo, portanto, todo o ordenamento constitucional antigo substituido por outro.

Ja quando se debatia a convocacao da constituinte de 1987, os argumentos acerca da desnecessidade de uma Assembleia Constituinte eram levantados e se materializaram na dicotomia entre a reforma constitucional atraves de um congresso constituinte e a substituicao da constituicao mediante assembleia (FAORO, 1981) sobretudo nas questoes formais que se relacionavam ao tema. As teses perpassaram pela impossibilidade de se convocar uma assembleia por ato do poder legislativo ou executivo e pela argumentacao de que uma assembleia so se justifica em um momento de ruptura (FAORO, 1981).

Desse modo, a tese da convocacao da constituinte para possibilitar a transicao brasileira nao representou unanimidade nos setores que compunham a sociedade brasileira a epoca. Por sua vez, sua realizacao se deu exatamente em um periodo em que as politicas de abertura se aceleraram, representando um ponto dissonante no plano militar de controle do ritmo da transicao. Todo o seu processo de convocacao e instauracao foi marcado por disputas, entre elas, a da sua forma: se atraves da concessao de poderes constituintes originarios ou reformadores ao congresso, ou se por meio da convocacao de uma Assembleia Constituinte Exclusiva.

Assim, o presente artigo pretende, por meio de uma investigacao teorica sobre o processo historico da construcao constitucional de 1987 e do uso das formulacoes criticas sobre a relacao entre direito e politica na categoria do poder constituinte, identificar a operacao no tempo atraves dessa ultima categoria, com o recorte da disputa pela forma de construcao constitucional no processo constituinte de 1987. Mais precisamente: por meio de uma investigacao sobre quais fracoes defendiam a Assembleia Constituinte e quais advogavam pelo Congresso Constituinte, bem como sobre a relacao de cada um com a passagem do tempo, desenvolveremos um estudo sobre a operacao do poder constituinte no tempo. Para esse objetivo, portanto, o estudo sobre a correlacao de forcas no processo constituinte de 1987 do Brasil e como a manifestacao concreta do poder constituinte na referida construcao constitucional, especialmente no que se refere a disputa pela forma de sua realizacao, imprimiu a passagem do tempo da transicao brasileira sera instrumental para compreender como o poder constituinte e capaz de operar o tempo e sua passagem. O texto se dividira em dois momentos principais: primeiro, o da abordagem teorica sobre a categoria do poder constituinte que permitira que seja delineadas as formas de operacao no tempo do poder constituinte e justificara a opcao metodologica de investigacao do processo constituinte brasileiro para compreender a transicao politica; e em um segundo, o da investigacao dos movimentos ocorridos no processo constituinte.

  1. O poder constituinte entre politica e direito

    A nocao de poder constituinte entrou no lexico politico como chave para a compreensao do real guiada pelos passos inovadores da modernidade. Sua insercao enquanto categoria explicadora da realidade, alem de representar "a expressao juridica do impeto democratico" (LOUGHLIN, 2003: 100, traducao nossa), cumpre um papel importante na formacao da visao de mundo inaugurada pela modernidade. Isso sobretudo em decorrencia da sua capacidade de trazer para a realidade concreta e para a sociedade o fundamento proprio do politico e de articular a politica e o direito. Este ultimo fato estrutura o poder constituinte, portanto, como categoria limitrofe entre esses campos.

    A partir da modernidade e do seu confronto com um passado mitico, a sociedade ocidental passou a problematizar as suas proprias origens encontrando apenas em si propria as suas razoes e determinantes. Com ela, para o ocidente, se inaugurou a sociedade propriamente historica que nao e so no tempo, mas esta sendo (CHAUI, 2007). Pos-se fim, destarte, a aceitacao de referencias externas ao proprio humano para fundamentar a historia dos homens e mulheres, bem como os produtos de suas acoes. Para as sociedades propriamente historicas ha algumas questoes abertas perpetuamente: a possibilidade de sua extincao, a data de sua origem, a possibilidade de sua transformacao. Por isso sao temporais inclusive para si (CHAUI, 2007). Esse ser no tempo provocado pelo giro epistemologico da modernidade esta de certo modo expresso na caracterizacao do contemporaneo por Carvalho Netto (2011: 33).

    [...] o contemporaneo nao e apenas aquele que, ao perceber a sombra do presente, torna-se capaz de apreender sua luz inocultavel; e tambem aquele que, ao dividir e interpolar o tempo, torna-se apto a transformalo e coloca-lo em relacao com outros tempos, e nele ler a historia de maneira inedita e a "encontra-se" com ela, nao por uma decisao arbitraria, mas por uma exigencia que nao pode deixar de atender. Uma das categorias construidas pela modernidade que permite a construcao da auto-referencia da sociedade, especificamente no campo do Direito e da Politica, e a do poder constituinte, que, de acordo com Loughlin (2003: 100, traducao nossa), "[...] emerge como tema no pensamento politico ao lado da conviccao de que a autoridade do governo repousa no consenso das pessoas". Essa categoria representa uma tentativa de enraizar as explicacoes sobre o fenomeno da politica e do governo no proprio campo social. Seu aparecimento enquanto constructo teorico de explicacao do real inicia a materializacao no pensamento ocidental do principio do auto-governo principalmente pelo seu atrelamento a nocao de povo, da comunidade enquanto sujeito desse poder capaz de estruturar a identidade politica e, ao mesmo tempo, pelo fundamento popular do ordenamento juridico.

    De forma breve, a ciencia juridica entende que o poder constituinte e a fonte das normas constitucionais. E aquela potencia que, em ultima instancia, inaugura um ordenamento juridico. Mas, a nocao de constituicao, construida pelo poder constituinte, nao serve para assegurar a autonomia do campo do Direito. Ela e forjada em meio ao pensamento moderno tambem para responder a uma necessidade da politica de fazer com que os dissensos dela sejam produtivos e jamais suprimidos. Isso por meio do estabelecimento de um corpo de instituicoes e de um sistema de legitimacao das decisoes tomadas no campo da politica. Ela significa, na teoria politica formada com o advento da modernidade, uma lei nao como uma "expressao da soberana autonomia do Estado, mas como um meio pelo qual a autoridade soberana do Estado pode ser reconhecida" (LOUGHLIN, 2003: 43, traducao nossa).

    A constituicao, evidentemente, representa um ponto de encontro entre o campo do Direito e da Politica ao passo em que a sua dimensao normativa e capaz de nortear a pratica politica, especialmente as acoes institucionais e governamentais. Isso atraves da nocao de que ela significa a delegacao de alguns poderes pelo povo por meio do poder constituinte (LOUGHLIN, 2003). Porem, nao e apenas a capacidade de regular a politica que enraiza a constituicao nesse campo, mas tambem a determinacao do significado das regras que emanam do sistema normativo constitucional pelas praticas politicas (LOUGHLIN, 2003: 43).

    E mediante a Constituicao que a politica, ao se deixar regular pelo direito, pode receber a legitimidade que o direito e capaz de lhe fornecer, e que, por outro lado, as normas gerais e abstratas do direito moderno podem ganhar a densificacao social que somente o aparato politico da organizacao estatal pode lhe emprestar. (COSTA, 2006: 33).

    E fato que esse papel da constituicao de regular a politica traz para a ciencia do Direito uma dificuldade em compreender a relacao entre aquela e essa para alem da dimensao normativa da primeira. A reciprocidade de determinacoes dos dois campos, que poderia trazer reflexos para o entendimento da sua categoria fundadora, o poder constituinte, e um fato de dificil percepcao para o constitucionalismo moderno. Isso e demonstrado por Antonio Negri na conclusao de que em todas as solucoes da ciencia juridica para compreender o fenomeno do poder constituinte ha um mecanismo de tentativa de seu aprisionamento (NEGRI 2002). Para ele, as solucoes teoricas dessa ciencia sao agrupadas em tres perspectivas: a) a transcendencia; b) a imanencia; e c) a coexistencia.

    Na concepcao da transcendencia do poder constituinte, essa categoria se encontra no mundo dos fatos e em uma posicao anterior ao ordenamento constituido (NEGRI, 2002). A funcao do poder constituinte, para os adeptos dessa perspectiva, e apenas o de fundar o ordenamento constitucional em uma especie de mito fundacional de que nos falam Ana Lia Almeida e Roberto Efrem Filho (2014)...

Para continuar a ler

PEÇA SUA AVALIAÇÃO

VLEX uses login cookies to provide you with a better browsing experience. If you click on 'Accept' or continue browsing this site we consider that you accept our cookie policy. ACCEPT