The ascendancy of neoliberal competition regulation in the European Community/A ascensao da regulacao concorrencial de carater neoliberal na Comunidade Europeia.

AutorWigger, Angela
CargoReport

A regulacao concorrencial constitui uma areas de atuacao politica fundamentais da Uniao Europeia (UE). Ja presente no preambulo do Tratado de Roma de 1957, no qual foi fundada a Comunidade Economica Europeia (CEE, doravante referida como CE), a regulacao concorrencial recebeu um status constitucional forte, assentando a base legal para a instituicao de "um sistema que assegure que a concorrencia no mercado interno nao seja distorcida" (artigo 3, f). As disposicoes efetivas acerca da concorrencia vieram a abranger os temas de carteis, praticas restritivas, abuso de posicao dominante, empresas publicas e auxilios estatais, tendo sidas estipuladas nos artigos 85 a 94, que foram posteriormente renumerados pelo Tratado de Amsterda e pelo Tratado de Lisboa tornando-se artigos 101 a 109 (por uma questao de simplicidade, daqui em diante sera usada a numeracao referente aos artigos do Tratado de Lisboa). Pouco depois de sua inauguracao, a Direcao-Geral (DG) da Concorrencia da Comissao Europeia foi investida de vastos poderes de decisao e investigacao para a aplicacao da legislacao concorrencial, e, em 1989, esses poderes foram ainda mais ampliados para o campo de controle de fusoes. Ate hoje, nao ha outro campo de atuacao politica no qual a Comissao Europeia goze de competencias tao amplas, e na qual os estados membros e o Parlamento Europeu tenham tao pouca voz.

Embora as regras sobre concorrencia trazidas pelo Tratado tenham permanecido praticamente as mesmas desde sua promulgacao, a partir de meados dos anos 80 uma transformacao profunda no modo em que a concorrencia e regulada pela DG da Concorrencia ocorreu. Mais precisamente, seu conteudo, sua forma e seu escopo passaram a adquirir uma orientacao cada vez mais neoliberal. Esse artigo defende que tal transformacao esta dialeticamente relacionada com a ascensao e a consolidacao generalizada do neoliberalismo como um discurso corrente, e com a transnacionalizacao do modo de producao capitalista que lhe e subjacente. A primeira secao introduz a perspectiva da economia politica critica, que fundamentara a analise do restante do artigo. Tomando como ponto de partida a conceitualizacao de Overbeek (1999) acerca dos tres momentos da ascensao do neoliberalismo, as tres secoes seguintes discorrem sobre o processo de desconstrucao, construcao e consolidacao das ideias neoliberais no campo da regulacao concorrencial da CE. A quinta secao analisa a continuacao do projeto neoliberal diante do fortalecimento de sua contestacao no contexto da atual crise economica global. A secao de conclusao retoma as descobertas e reflete a respeito das consequencias sociais mais amplas do modelo neoliberal de regulacao concorrencial da CE.

  1. Reflexoes teoricas sobre regulacao concorrencial

    Em comparacao com a abundancia de literatura produzida sobre outros campos de regulacao do mercado, a regulacao concorrencial sofre de uma escassez cronica de contribuicoes da ciencia politica. O tema e dominado por estudos juridicos e economicos, que na maior parte se concentram exclusivamente em questoes de tecnica juridica ou economica e, desse modo, acabam providenciando uma perspectiva um tanto estreita e limitada acerca da regulacao concorrencial (Cf., por exemplo, Faull e Nikpay, 2007; Neumann, 2001). Foi apenas com a renovacao do impeto do projeto de integracao europeia, especialmente a partir dos anos 90, que contribuicoes feitas por cientistas politicos sobre o assunto comecaram a aparecer (Doern e Wilks, 1996; Freyer, 2006; Baskoy, 2008; Cini e McGowan, 2008). Apesar de seus muitos meritos, esses estudos se restringiram, em larga medida, a descricao superficial dos processos politicos e produziram predominantemente reflexoes sobre questoes intrainstitucionais e judiciais sem localiza-las nos desenvolvimentos mais amplos do capitalismo e das relacoes sociais de poder que lhes sao subjacentes. Assim como a literatura juridica e economica, as analises feitas por cientistas politicos foram incapazes de enfatizar a natureza profundamente politica, e, portanto, historicamente contingente, da regulacao concorrencial da CE.

    Em nitido contraste, a perspectiva da economia politica critica aqui esbocada insiste que a regulacao concorrencial e profundamente politica e precisa ser entendida no contexto mais amplo do capitalismo e sua reproducao. A logica predominante no capitalismo e a da acumulacao de capital, sendo que "capital" deve ser entendido como riqueza acumulada que pode ser usada para acumular mais riqueza. Esse processo nao e livre de problemas, mas esta atravessado por uma serie de contradicoes sociais (Jessop, 2002: 20-1). Uma dessas contradicoes surge da dinamica da concorrencia, entendida como a disputa entre empresas pelo lucro e pela sobrevivencia economica. A concorrencia cria incentivos para que as empresas inovem, melhorem sua qualidade e mantenham baixos os precos de seus produtos e servicos. Contudo, empresas expostas a concorrencia tambem possuem uma tendencia a evitar pressoes concorrenciais por meio da concentracao economica sob a forma de fusoes e aquisicoes, ou por meio de acordos entre empresas, como carteis e outras praticas restritivas. Essas condutas podem levar a formacao de grupos oligopolistas que ameacam reduzir e, em ultima analise, arruinar o proprio processo de competicao.

    Mercado capitalistas nunca sao autorregulados, ou guiados por aquilo que Adam Smith (1776: 572) denominou de "mao invisivel". A reproducao ampliada do sistema capitalista depende, dentre outras coisas, de formas variadas de regulacao que estabilizem a acumulacao continua de capital. Tal "estabilizacao", entretanto, e essencialmente fragil devido a natureza inerentemente contraditoria e dinamica do sistema e seus agentes. Como afirmou Lipietz (1983: 19), "as relacoes capitalistas estao elas mesmas sujeitas a alteracao historica profunda e a grandes variacoes entre uma formacao socioeconomica e outra, dependendo da historia da lutas e dos movimentos sociais". Pode ser que a regulacao concorrencial constitua um elemento especifico na estrutura regulatoria mais ampla do Estado que serve para assegurar a permanencia e a estabilizacao do modo de producao capitalista. Em termos historicos, no entanto, nem todas as formas de estruturas regulatorias de Estado contiveram tal elemento. Alem disso, o conteudo, a forma e o escopo da regulacao concorrencial podem variar no espaco e no tempo. Quanto ao conteudo, ela pode abordar varios objetos, como carteis, dominacao comercial, fusoes ou auxilios estatais, e ao regula-los beneficiar certos grupos sociais mais do que outros. Quanto a forma, ela pode ser aplicada por autoridades politicamente independentes, envolver tomadores de decisao politicos ou ser deixada para agentes comerciais privados que litigam nos tribunais. Por fim, quando ao escopo, ela pode envolver diferentes jurisdicoes espaciais: pode ser nacional, regional ou global (Cf. Buch-Hansen, 2008).

    A regulacao concorrencial, como qualquer outro tipo de regulacao, nunca e uma reposta de carater funcionalista ou "teleologico" as "necessidades do capitalismo", mas resulta das acoes de agentes que tem certos concepcoes sobre como o capitalismo deve ser regulado em um dado espaco social. Tais concepcoes sao constituidas por discursos, entendidos como conjuntos de ideias que "providenciam um filtro cognitivo, uma moldura, ou lentes conceituais ou paradigma por meio do qual questoes economicas e politicas sao ordenadas e tornadas inteligiveis" (Hay e Rosamond, 2002: 151). Discursos existem independentemente de agentes, mas podem ser internalizados e implantados na retorica e na pratica (ibid.: 150-2). Eles estabelecem o horizonte de relevancia de praticas sociais, solucoes politicas e ajustes regulatorios e institucionais. E possivel distinguir dois niveis de discurso: um discurso geral e um discurso especifico relativo a area de atuacao politica. Os discursos gerais prescrevem como a economia deve ser regulada em um dado espaco social, podendo ser traduzidos para discursos mais detalhados especificos a area de politica. A regulacao concorrencial pode ser influenciada por um ou mais discursos especificos de regulacao que terao a funcao de prescrever seu proposito social, quais objetos concretos envolvera (conteudo), como sera aplicada (forma) e em qual jurisdicao funcionara (escopo). O impacto de um discurso especifico a area de atuacao politica com conteudo, forma e escopo particulares em uma dada conjuntura provavelmente estara relacionado ao status do discurso geral de regulacao do qual ele emanou

    Entendido como um discurso geral, o neoliberalismo e comumente identificado com elementos como a retracao do Estado de bem-estar social, privatizacoes, desregulamentacoes, liberalizacao do comercio, financeirizacao, ajustes estruturais e monetarismo. Em sua logica, diante de problemas de regulacao e dada primazia para respostas baseadas no mercado, as quais sao legitimadas intelectualmente pela economia neoclassica e sustentadas por uma retorica politica de crescimento economico, competitividade, eficiencia e riqueza. O neoliberalismo enquanto discurso geral se esforca "para intensificar a mercantilizacao das relacoes sociais em todas as esferas da vida" (Brenner et al., 2010: 2). Ja enquanto um discurso especifico de regulacao concorrencial, o neoliberalismo defende um conteudo restrito focado "apenas na concorrencia", o que e justificado com base em argumentos de eficiencia e de melhorias para o consumidor na forma de precos mais baixos. Isso nao deixa qualquer espaco para a influencia de visoes macroeconomicas mais amplas e consideracoes acerca de politica industrial ou social na pratica de regulacao. Em termos de forma, autoridades politicamente independentes e agentes de mercado, livres de responsabilidade democratica, sao considerados mais adequados para regulamentar a concorrencia. Em termos de escopo, se da mais preferencia pela regulacao concorrencial realizada em nivel transnacional do que...

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